A Sombra dos inimigos

961 Words
A sala de reuniões estava silenciosa, exceto pelo leve tilintar dos copos de cristal sendo recolhidos. Karen permaneceu sentada à cabeceira da mesa, o olhar perdido na tela do notebook que já havia escurecido por inatividade. David estava ao seu lado, braços cruzados, observando-a com atenção. O clima entre eles oscilava entre profissionalismo forçado e uma tensão invisível que ambos se recusavam a nomear. — Você está mesmo disposta a assinar esse contrato? — ele perguntou em voz baixa, quase como um desafio. Karen ergueu os olhos lentamente. — Estou disposta a fechar negócios. O que não significa que confio em você. David sorriu, mas havia algo amargo na curva dos lábios. — Bom, pelo menos estamos sendo sinceros. Karen se levantou. — Sinceridade exige coragem. E você passou anos fugindo dela. Ele não respondeu de imediato. Apenas a seguiu com o olhar enquanto ela caminhava até a enorme janela de vidro que exibia o skyline de São Paulo ao entardecer. — Você mudou muito, Karen. — disse ele por fim, com um tom mais brando. — Mas eu não sei se mudou para melhor... ou apenas se blindou. Ela se virou devagar, cruzando os braços. — Eu precisei me reconstruir com os estilhaços que você deixou. Me blindar foi a única forma de continuar em pé. David abaixou o olhar, engolindo em seco. Por mais que tentasse negar, aquelas palavras o atingiram como uma lâmina. E a culpa, sempre adormecida, voltou a latejar em seu peito. Antes que qualquer um deles dissesse algo mais, o celular de Karen vibrou. Ela olhou a tela e franziu o cenho. — É o Heitor. David reconheceu o nome do braço direito de Karen e observou enquanto ela atendia. — Sim?... Como assim, vazamento?... Quem teve acesso ao documento?... Certifique-se de que os servidores estão seguros. Quero um relatório completo até amanhã... Obrigada. Ela desligou e respirou fundo. — Aconteceu algo? — David perguntou. — Um contrato preliminar da fusão vazou. Alguém de dentro tentou repassar as informações para uma empresa concorrente. — Isso pode comprometer o acordo? — Não se formos rápidos. Mas claramente temos um espião dentro da equipe. David se aproximou, agora sério. — Posso ajudar a investigar. Tenho contatos que podem rastrear a origem desse vazamento. Karen o observou por um instante. — Espero que sua oferta seja mais sincera do que a última vez que você disse que se importava comigo. David não respondeu. Apenas assentiu. --- Do outro lado da cidade, um homem alto e de expressão sombria observava um laptop com atenção. Do outro lado da tela, um informante terminava de transmitir os arquivos. O homem sorriu, satisfeito. — A senhorita Vieira está indo longe demais. É hora de lembrar a ela que poder demais atrai fogo demais. Ele fechou o notebook e ligou para um número oculto. — Iniciem a segunda fase. Quero algo que mexa com o emocional dela. --- Na manhã seguinte, Karen estava no escritório com Heitor analisando os dados do vazamento. Sua expressão estava rígida, e o ritmo frenético com que digitava revelava sua frustração. — Não há dúvidas, Heitor. Alguém da nossa equipe compartilhou esse contrato com a L&S Corporation. Eles querem sabotar a fusão. — Estou reforçando os protocolos de segurança — disse ele —, mas precisamos pensar além disso. Essa sabotagem não é só uma jogada empresarial. É pessoal. — Eu sei — respondeu Karen, sombria. — Eles estão me testando. O interfone tocou, e a recepcionista informou que havia um envelope entregue diretamente na portaria, sem remetente, marcado como "confidencial". Karen pediu para enviarem até sua sala. Quando abriu, encontrou fotos impressas: imagens de sua antiga casa em Orlando, a escola onde estudava, e por fim, uma foto dela com David, ainda adolescentes, no dia em que ele a levou para passear — o mesmo dia em que a iludiu e a descartou. Ela ficou imóvel por alguns segundos. Depois, ergueu o olhar para Heitor, e seus olhos estavam cheios de gelo. — Eles querem me desestabilizar. — E conseguiram? — Não — ela respondeu, rasgando as fotos uma a uma com firmeza. — Só me deram mais motivos para esmagá-los. --- Enquanto isso, David conversava com seu advogado nos Estados Unidos, tentando resolver as pendências financeiras da empresa. Seu celular tocou, e o nome de Karen apareceu na tela. — Alô? — Preciso falar com você. Agora. Menos de uma hora depois, David estava em sua cobertura, esperando por ela. Karen entrou decidida, as fotos nas mãos. — Isso estava na minha mesa hoje cedo. Ele pegou as imagens e franziu o cenho. — Isso é... de anos atrás. — Sim. E alguém fez questão de me lembrar exatamente do quanto você me feriu. David passou a mão pelos cabelos, irritado. — Eles querem te atingir por causa de mim? — Sim. E isso só prova que você se tornou um alvo. E, por tabela, eu também. O silêncio pairou entre eles, pesado. — Eu nunca quis que você fosse colocada em perigo — disse ele, com sinceridade. — Mas você me colocou. Não com intenções, mas com suas escolhas. Agora estamos no meio disso. E precisamos jogar como uma equipe… mesmo que isso signifique enfrentar nossos próprios fantasmas. David se aproximou, mais perto do que ela gostaria. — Então, sejamos aliados. Por você… e por tudo o que ainda pode ser salvo. Karen manteve o olhar fixo no dele. Havia mágoa, mas também algo mais — algo que nem o tempo, nem o orgulho, tinham conseguido apagar. Ela respirou fundo. — Está bem. Mas saiba que, se você me trair de novo… não haverá terceira chance. David assentiu, sério. — Eu já perdi você uma vez, Karen. Não cometerei o mesmo erro duas vezes. ---
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