A sala de reuniões estava silenciosa, exceto pelo leve tilintar dos copos de cristal sendo recolhidos. Karen permaneceu sentada à cabeceira da mesa, o olhar perdido na tela do notebook que já havia escurecido por inatividade. David estava ao seu lado, braços cruzados, observando-a com atenção. O clima entre eles oscilava entre profissionalismo forçado e uma tensão invisível que ambos se recusavam a nomear.
— Você está mesmo disposta a assinar esse contrato? — ele perguntou em voz baixa, quase como um desafio.
Karen ergueu os olhos lentamente.
— Estou disposta a fechar negócios. O que não significa que confio em você.
David sorriu, mas havia algo amargo na curva dos lábios.
— Bom, pelo menos estamos sendo sinceros.
Karen se levantou.
— Sinceridade exige coragem. E você passou anos fugindo dela.
Ele não respondeu de imediato. Apenas a seguiu com o olhar enquanto ela caminhava até a enorme janela de vidro que exibia o skyline de São Paulo ao entardecer.
— Você mudou muito, Karen. — disse ele por fim, com um tom mais brando. — Mas eu não sei se mudou para melhor... ou apenas se blindou.
Ela se virou devagar, cruzando os braços.
— Eu precisei me reconstruir com os estilhaços que você deixou. Me blindar foi a única forma de continuar em pé.
David abaixou o olhar, engolindo em seco. Por mais que tentasse negar, aquelas palavras o atingiram como uma lâmina. E a culpa, sempre adormecida, voltou a latejar em seu peito.
Antes que qualquer um deles dissesse algo mais, o celular de Karen vibrou. Ela olhou a tela e franziu o cenho.
— É o Heitor.
David reconheceu o nome do braço direito de Karen e observou enquanto ela atendia.
— Sim?... Como assim, vazamento?... Quem teve acesso ao documento?... Certifique-se de que os servidores estão seguros. Quero um relatório completo até amanhã... Obrigada.
Ela desligou e respirou fundo.
— Aconteceu algo? — David perguntou.
— Um contrato preliminar da fusão vazou. Alguém de dentro tentou repassar as informações para uma empresa concorrente.
— Isso pode comprometer o acordo?
— Não se formos rápidos. Mas claramente temos um espião dentro da equipe.
David se aproximou, agora sério.
— Posso ajudar a investigar. Tenho contatos que podem rastrear a origem desse vazamento.
Karen o observou por um instante.
— Espero que sua oferta seja mais sincera do que a última vez que você disse que se importava comigo.
David não respondeu. Apenas assentiu.
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Do outro lado da cidade, um homem alto e de expressão sombria observava um laptop com atenção. Do outro lado da tela, um informante terminava de transmitir os arquivos. O homem sorriu, satisfeito.
— A senhorita Vieira está indo longe demais. É hora de lembrar a ela que poder demais atrai fogo demais.
Ele fechou o notebook e ligou para um número oculto.
— Iniciem a segunda fase. Quero algo que mexa com o emocional dela.
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Na manhã seguinte, Karen estava no escritório com Heitor analisando os dados do vazamento. Sua expressão estava rígida, e o ritmo frenético com que digitava revelava sua frustração.
— Não há dúvidas, Heitor. Alguém da nossa equipe compartilhou esse contrato com a L&S Corporation. Eles querem sabotar a fusão.
— Estou reforçando os protocolos de segurança — disse ele —, mas precisamos pensar além disso. Essa sabotagem não é só uma jogada empresarial. É pessoal.
— Eu sei — respondeu Karen, sombria. — Eles estão me testando.
O interfone tocou, e a recepcionista informou que havia um envelope entregue diretamente na portaria, sem remetente, marcado como "confidencial".
Karen pediu para enviarem até sua sala. Quando abriu, encontrou fotos impressas: imagens de sua antiga casa em Orlando, a escola onde estudava, e por fim, uma foto dela com David, ainda adolescentes, no dia em que ele a levou para passear — o mesmo dia em que a iludiu e a descartou.
Ela ficou imóvel por alguns segundos. Depois, ergueu o olhar para Heitor, e seus olhos estavam cheios de gelo.
— Eles querem me desestabilizar.
— E conseguiram?
— Não — ela respondeu, rasgando as fotos uma a uma com firmeza. — Só me deram mais motivos para esmagá-los.
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Enquanto isso, David conversava com seu advogado nos Estados Unidos, tentando resolver as pendências financeiras da empresa. Seu celular tocou, e o nome de Karen apareceu na tela.
— Alô?
— Preciso falar com você. Agora.
Menos de uma hora depois, David estava em sua cobertura, esperando por ela. Karen entrou decidida, as fotos nas mãos.
— Isso estava na minha mesa hoje cedo.
Ele pegou as imagens e franziu o cenho.
— Isso é... de anos atrás.
— Sim. E alguém fez questão de me lembrar exatamente do quanto você me feriu.
David passou a mão pelos cabelos, irritado.
— Eles querem te atingir por causa de mim?
— Sim. E isso só prova que você se tornou um alvo. E, por tabela, eu também.
O silêncio pairou entre eles, pesado.
— Eu nunca quis que você fosse colocada em perigo — disse ele, com sinceridade.
— Mas você me colocou. Não com intenções, mas com suas escolhas. Agora estamos no meio disso. E precisamos jogar como uma equipe… mesmo que isso signifique enfrentar nossos próprios fantasmas.
David se aproximou, mais perto do que ela gostaria.
— Então, sejamos aliados. Por você… e por tudo o que ainda pode ser salvo.
Karen manteve o olhar fixo no dele. Havia mágoa, mas também algo mais — algo que nem o tempo, nem o orgulho, tinham conseguido apagar.
Ela respirou fundo.
— Está bem. Mas saiba que, se você me trair de novo… não haverá terceira chance.
David assentiu, sério.
— Eu já perdi você uma vez, Karen. Não cometerei o mesmo erro duas vezes.
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