Karen nunca foi mulher de hesitações. Mas naquela manhã, enquanto encarava o espelho do banheiro de sua cobertura, algo dentro dela vacilava. A firmeza que sempre guiara seus passos parecia estremecer. A lembrança das fotos que recebera no dia anterior — e da conversa com David — ainda martelavam em sua mente.
Não era apenas sobre negócios. Não mais.
Era sobre ela. Sobre o passado que tentava enterrar e que agora se reerguia, ameaçador, pelas mãos de inimigos invisíveis.
Vestiu-se com a precisão habitual — saia lápis preta, camisa de seda branca, salto agulha. Máscara de poder. Armadura de ferro.
Ao descer para a garagem, seu motorista a esperava. Heitor já estava no banco do passageiro, segurando um tablet com os relatórios atualizados.
— Alguma novidade? — ela perguntou ao entrar.
— Sim — ele respondeu. — Rastreamos o IP de onde as fotos foram enviadas. Localizado em um galpão abandonado no centro de São Paulo. Mas foi apenas um ponto de transferência. Eles estão usando VPNs e redes mascaradas. Sabem o que estão fazendo.
Karen assentiu, apertando os dedos no próprio colo.
— E a L&S Corporation?
— Negaram qualquer envolvimento no vazamento. Mas fontes internas indicam que um de seus investidores maiores, Alberto Mendes, tem ligações com Thomas Grey, ex-sócio de David.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Então estamos lidando com uma rede maior do que parecia.
Heitor a olhou pelo retrovisor.
— E eles não estão jogando para vencer. Estão jogando para destruir.
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David estava na sala de reuniões do novo andar compartilhado que agora dividia com Karen. A reforma ainda estava em andamento, mas as mesas e cadeiras já estavam posicionadas, prontas para o início das operações conjuntas da nova fusão.
Quando Karen entrou, ele percebeu que algo nela havia mudado. O olhar estava mais escuro. Mais alerta.
— O que houve? — ele perguntou.
— Estamos cercados — ela respondeu, jogando uma pasta sobre a mesa. — Essas são as conexões entre Alberto Mendes e Thomas Grey. O primeiro investe na empresa que tentou nos sabotar. O segundo… tem contas a acertar com você.
David pegou os papéis e leu em silêncio.
— Thomas quer vingança — ele disse por fim. — Quando rompi a sociedade, ele perdeu dinheiro. Muito. Nunca me perdoou.
Karen cruzou os braços.
— Pois ele está disposto a me usar como isca para te atingir.
David se aproximou, os olhos nos dela.
— Eu não vou deixar ninguém encostar em você.
— Eu sei me proteger — ela rebateu, mas sua voz não soou tão firme quanto gostaria.
— Eu sei — ele respondeu com gentileza. — Mas ainda assim… estou aqui. E não porque me sinto culpado. Mas porque quero estar.
Por um segundo, o silêncio entre eles gritou mais do que qualquer fala. Ela baixou o olhar, desviando.
— Precisamos montar uma estratégia — disse, retomando o foco. — E rápido.
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Naquela noite, Karen chegou em casa exausta. Tinha revisado contratos, reforçado a segurança digital da empresa e coordenado as investigações com Heitor e uma empresa de cibersegurança internacional.
Tomou um banho longo, vestiu um robe de cetim e foi até a varanda, com uma taça de vinho tinto. Estava prestes a sentar-se quando escutou a campainha.
Franziu o cenho.
— Heitor não avisou visita alguma…
Pegou o celular e caminhou até a porta. Olhou pelo visor. David.
Ela abriu a porta com cautela.
— O que está fazendo aqui?
— Não consegui dormir — ele disse, com um sorriso contido. — E… achei que você também não estivesse dormindo.
Ela bufou, dando espaço.
— E resolveu vir me visitar no meio da noite? Está se achando íntimo demais.
Ele entrou com as mãos nos bolsos.
— A gente tem uma história, lembra?
Ela se virou para ele.
— História, David. Não presente. E o que você fez… não foi apenas uma traição juvenil. Você sabia o que fazia quando me usou.
— Eu era um moleque i****a e mimado. — Ele se aproximou. — Mas nunca deixei de pensar em você, Karen. Mesmo quando tentei seguir em frente. Mesmo quando você virou essa mulher que assusta o mundo — ele sorriu. — E me assusta também.
Ela se sentou no sofá, encarando-o.
— E por que está me dizendo isso agora?
— Porque sei que estamos em guerra. E que talvez… a gente não tenha outra chance de dizer o que sente.
Ela ficou em silêncio. Então se levantou e foi até a varanda. David a seguiu.
— Sabe o que mais me irrita em você? — ela disse, encarando as luzes da cidade. — É que mesmo depois de tudo, meu coração ainda bate diferente quando você está por perto.
Ele se aproximou devagar, parando atrás dela.
— Não quero mais ferir você, Karen. Quero… tentar consertar o que estraguei. Se ainda houver tempo.
Ela virou-se, os olhos marejados, mas o rosto firme.
— Se você me quebrar de novo, David… eu não volto.
— Eu não deixo você ir. Não dessa vez.
E foi ali, naquele instante de rendição mútua, que os dois se beijaram. Um beijo cheio de dor, saudade, raiva, amor — tudo junto, tudo misturado.
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Enquanto isso, em um hotel de luxo em São Paulo, Thomas Grey assistia às imagens no notebook com um sorriso satisfeito. A câmera escondida na pasta que haviam colocado na sala de David captara cada segundo da conversa e do beijo.
— Agora temos algo mais poderoso que um contrato — disse a um comparsa ao lado. — Temos o coração da dama. Vamos ver quanto ela está disposta a perder por esse homem.
O outro homem assentiu, já enviando os arquivos para um e-mail criptografado.
— O jogo começou, Grey.
— Não — respondeu ele, sorrindo malignamente. — O jogo já está no fim. Eles só ainda não perceberam.