Entre Linhas de Fogo

976 Words
Karen nunca foi mulher de hesitações. Mas naquela manhã, enquanto encarava o espelho do banheiro de sua cobertura, algo dentro dela vacilava. A firmeza que sempre guiara seus passos parecia estremecer. A lembrança das fotos que recebera no dia anterior — e da conversa com David — ainda martelavam em sua mente. Não era apenas sobre negócios. Não mais. Era sobre ela. Sobre o passado que tentava enterrar e que agora se reerguia, ameaçador, pelas mãos de inimigos invisíveis. Vestiu-se com a precisão habitual — saia lápis preta, camisa de seda branca, salto agulha. Máscara de poder. Armadura de ferro. Ao descer para a garagem, seu motorista a esperava. Heitor já estava no banco do passageiro, segurando um tablet com os relatórios atualizados. — Alguma novidade? — ela perguntou ao entrar. — Sim — ele respondeu. — Rastreamos o IP de onde as fotos foram enviadas. Localizado em um galpão abandonado no centro de São Paulo. Mas foi apenas um ponto de transferência. Eles estão usando VPNs e redes mascaradas. Sabem o que estão fazendo. Karen assentiu, apertando os dedos no próprio colo. — E a L&S Corporation? — Negaram qualquer envolvimento no vazamento. Mas fontes internas indicam que um de seus investidores maiores, Alberto Mendes, tem ligações com Thomas Grey, ex-sócio de David. Ela ergueu uma sobrancelha. — Então estamos lidando com uma rede maior do que parecia. Heitor a olhou pelo retrovisor. — E eles não estão jogando para vencer. Estão jogando para destruir. --- David estava na sala de reuniões do novo andar compartilhado que agora dividia com Karen. A reforma ainda estava em andamento, mas as mesas e cadeiras já estavam posicionadas, prontas para o início das operações conjuntas da nova fusão. Quando Karen entrou, ele percebeu que algo nela havia mudado. O olhar estava mais escuro. Mais alerta. — O que houve? — ele perguntou. — Estamos cercados — ela respondeu, jogando uma pasta sobre a mesa. — Essas são as conexões entre Alberto Mendes e Thomas Grey. O primeiro investe na empresa que tentou nos sabotar. O segundo… tem contas a acertar com você. David pegou os papéis e leu em silêncio. — Thomas quer vingança — ele disse por fim. — Quando rompi a sociedade, ele perdeu dinheiro. Muito. Nunca me perdoou. Karen cruzou os braços. — Pois ele está disposto a me usar como isca para te atingir. David se aproximou, os olhos nos dela. — Eu não vou deixar ninguém encostar em você. — Eu sei me proteger — ela rebateu, mas sua voz não soou tão firme quanto gostaria. — Eu sei — ele respondeu com gentileza. — Mas ainda assim… estou aqui. E não porque me sinto culpado. Mas porque quero estar. Por um segundo, o silêncio entre eles gritou mais do que qualquer fala. Ela baixou o olhar, desviando. — Precisamos montar uma estratégia — disse, retomando o foco. — E rápido. --- Naquela noite, Karen chegou em casa exausta. Tinha revisado contratos, reforçado a segurança digital da empresa e coordenado as investigações com Heitor e uma empresa de cibersegurança internacional. Tomou um banho longo, vestiu um robe de cetim e foi até a varanda, com uma taça de vinho tinto. Estava prestes a sentar-se quando escutou a campainha. Franziu o cenho. — Heitor não avisou visita alguma… Pegou o celular e caminhou até a porta. Olhou pelo visor. David. Ela abriu a porta com cautela. — O que está fazendo aqui? — Não consegui dormir — ele disse, com um sorriso contido. — E… achei que você também não estivesse dormindo. Ela bufou, dando espaço. — E resolveu vir me visitar no meio da noite? Está se achando íntimo demais. Ele entrou com as mãos nos bolsos. — A gente tem uma história, lembra? Ela se virou para ele. — História, David. Não presente. E o que você fez… não foi apenas uma traição juvenil. Você sabia o que fazia quando me usou. — Eu era um moleque i****a e mimado. — Ele se aproximou. — Mas nunca deixei de pensar em você, Karen. Mesmo quando tentei seguir em frente. Mesmo quando você virou essa mulher que assusta o mundo — ele sorriu. — E me assusta também. Ela se sentou no sofá, encarando-o. — E por que está me dizendo isso agora? — Porque sei que estamos em guerra. E que talvez… a gente não tenha outra chance de dizer o que sente. Ela ficou em silêncio. Então se levantou e foi até a varanda. David a seguiu. — Sabe o que mais me irrita em você? — ela disse, encarando as luzes da cidade. — É que mesmo depois de tudo, meu coração ainda bate diferente quando você está por perto. Ele se aproximou devagar, parando atrás dela. — Não quero mais ferir você, Karen. Quero… tentar consertar o que estraguei. Se ainda houver tempo. Ela virou-se, os olhos marejados, mas o rosto firme. — Se você me quebrar de novo, David… eu não volto. — Eu não deixo você ir. Não dessa vez. E foi ali, naquele instante de rendição mútua, que os dois se beijaram. Um beijo cheio de dor, saudade, raiva, amor — tudo junto, tudo misturado. --- Enquanto isso, em um hotel de luxo em São Paulo, Thomas Grey assistia às imagens no notebook com um sorriso satisfeito. A câmera escondida na pasta que haviam colocado na sala de David captara cada segundo da conversa e do beijo. — Agora temos algo mais poderoso que um contrato — disse a um comparsa ao lado. — Temos o coração da dama. Vamos ver quanto ela está disposta a perder por esse homem. O outro homem assentiu, já enviando os arquivos para um e-mail criptografado. — O jogo começou, Grey. — Não — respondeu ele, sorrindo malignamente. — O jogo já está no fim. Eles só ainda não perceberam.
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