A manhã chegou sem aviso. Karen acordou com o celular vibrando incessantemente sobre a mesa de cabeceira. Os olhos ainda pesados pela noite anterior, ela estendeu a mão e atendeu sem checar o identificador.
— Alô?
— Karen, é o Heitor. Precisamos que venha agora. Algo aconteceu.
— O que foi?
— Um vazamento. Grave. Estão dizendo que você favoreceu David em contratos confidenciais. Já está na imprensa. Manchetes internacionais.
Karen sentou-se na cama, o coração disparando. David ainda dormia ao seu lado, tranquilo, inconsciente do caos que se desenrolava do lado de fora.
— Estou indo.
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No trajeto até a empresa, as notícias pipocavam na tela do celular. "Empresária brasileira é acusada de envolvimento com sócio americano e favorecimento ilegal", dizia a manchete de um grande jornal econômico. Sites de fofoca replicavam a informação com detalhes sórdidos: "Antigo amor do passado volta e vira sócio e amante. Relação perigosa?".
Karen fechou o aplicativo com raiva. Aquilo era mais que uma campanha de difamação. Era uma armadilha. E ela havia caído.
Ao entrar em sua sala, encontrou Heitor com o rosto tenso, relatórios em mãos, a equipe de crises reunida.
— Como isso aconteceu? — ela perguntou, sem rodeios.
— Aparentemente, imagens da sala de reuniões foram entregues anonimamente à imprensa — disse Heitor. — Mostram vocês dois discutindo… e depois se beijando.
Ela sentiu o estômago afundar.
— Uma câmera escondida?
— Provavelmente. Já estamos varrendo o prédio.
Karen passou a mão pelo rosto.
— E as consequências?
— Três contratos suspensos. Investidores exigindo esclarecimentos. E o conselho… quer uma reunião de emergência.
Ela fechou os olhos por um segundo. A empresa que levou anos para reconstruir estava sob ataque. E tudo por um momento de vulnerabilidade. Um momento em que, pela primeira vez em muito tempo, havia se permitido sentir.
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David chegou no fim da manhã, tenso, com o rosto fechado.
— Eu vi as notícias — disse, entrando em sua sala sem ser anunciado. — Karen, eu…
— David, agora não é sobre sentimentos. É sobre sobrevivência.
Ela se levantou, caminhando até a janela.
— Eu sabia que me envolver com você era perigoso. Mas não imaginei que seria assim tão rápido.
— Eu juro que não fiz nada, Karen. Não contei a ninguém, não expus nada. Você precisa acreditar.
— Eu acredito. Mas isso não muda o estrago.
Ela se virou, os olhos mais duros do que nunca.
— Eles sabiam. Estavam esperando esse erro. E nós demos a eles de bandeja.
David se aproximou, hesitante.
— O que você quer que eu faça?
Ela o encarou por longos segundos.
— Quero que prove que está do meu lado. Que não vai me abandonar quando o mundo tentar me derrubar. Está disposto?
— Estou.
— Então segure firme. Porque vamos cair. Mas eu pretendo levantar mais forte.
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A reunião com o conselho foi tensa. Homens e mulheres engravatados, muitos dos quais deviam suas carreiras à empresa de Karen, agora falavam como se ela fosse um estorvo.
— Precisamos de uma resposta pública — disse um dos conselheiros. — Algo que mostre comprometimento com a ética da companhia.
— Uma retratação? — ela questionou.
— Uma suspensão temporária. Para esfriar as coisas.
Karen riu, seca.
— Então, basicamente, querem que eu me afaste da minha própria empresa para acalmar os ânimos de quem não tem coragem de enfrentar uma crise de frente.
O silêncio foi resposta suficiente.
Ela se levantou, apoiando as duas mãos na mesa.
— Não vou me afastar. Não vou recuar. E não vou permitir que um beijo — algo que qualquer pessoa comum faz todos os dias — seja usado como arma para destruir anos de trabalho honesto.
— A imprensa não vê assim — rebateu outro. — E nossos acionistas também não.
— Então eles que abram os olhos. Porque o que está acontecendo é um ataque orquestrado. E se não enxergarem isso, estão olhando para o lado errado da história.
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Naquela noite, em sua cobertura, Karen estava exausta. Mas não quebrada. Nunca quebrada.
David chegou com sacolas nas mãos.
— Sushi. E vinho.
Ela sorriu de leve.
— Está tentando me conquistar pelo estômago?
— Estou tentando lembrar você de que ainda é humana. E que pode parar por algumas horas.
Sentaram-se no sofá, comendo em silêncio por alguns minutos. Depois, ela falou:
— Quando perdi meus pais, me senti pequena. Insignificante. Como se o mundo tivesse me empurrado de um penhasco e risse enquanto eu caía. Prometi que nunca mais deixaria ninguém me fazer sentir assim.
— E conseguiu — ele disse, com respeito. — Você virou uma mulher que ninguém derruba.
— Mas hoje… — ela respirou fundo —… quase senti aquela mesma dor. A da queda. A da impotência.
David se aproximou e segurou sua mão.
— Então deixa eu ser seu paraquedas. Pelo menos uma vez. Deixa eu te ajudar a pousar sem se machucar tanto.
Ela o olhou com os olhos cheios d’água. Mas não chorou.
— Você me prometeu que não me quebraria de novo.
— E vou cumprir.
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Enquanto isso, em uma sala escura em Miami, Thomas Grey assistia às novas reportagens com um copo de uísque na mão. A seu lado, um telefone vibrava.
— O plano está funcionando — disse a voz do outro lado. — Ela está enfraquecida.
— Ainda não. Ela ainda resiste. Essa mulher é feita de aço — Thomas respondeu. — Mas todo aço tem seu ponto de ruptura.
— E quando ela quebrar?
— Quando ela quebrar, tudo será nosso.
Ele desligou o telefone com um sorriso.
O jogo ainda não havia terminado.
Mas a próxima jogada seria fatal.