Fragilidades no Concreto

948 Words
A manhã chegou sem aviso. Karen acordou com o celular vibrando incessantemente sobre a mesa de cabeceira. Os olhos ainda pesados pela noite anterior, ela estendeu a mão e atendeu sem checar o identificador. — Alô? — Karen, é o Heitor. Precisamos que venha agora. Algo aconteceu. — O que foi? — Um vazamento. Grave. Estão dizendo que você favoreceu David em contratos confidenciais. Já está na imprensa. Manchetes internacionais. Karen sentou-se na cama, o coração disparando. David ainda dormia ao seu lado, tranquilo, inconsciente do caos que se desenrolava do lado de fora. — Estou indo. --- No trajeto até a empresa, as notícias pipocavam na tela do celular. "Empresária brasileira é acusada de envolvimento com sócio americano e favorecimento ilegal", dizia a manchete de um grande jornal econômico. Sites de fofoca replicavam a informação com detalhes sórdidos: "Antigo amor do passado volta e vira sócio e amante. Relação perigosa?". Karen fechou o aplicativo com raiva. Aquilo era mais que uma campanha de difamação. Era uma armadilha. E ela havia caído. Ao entrar em sua sala, encontrou Heitor com o rosto tenso, relatórios em mãos, a equipe de crises reunida. — Como isso aconteceu? — ela perguntou, sem rodeios. — Aparentemente, imagens da sala de reuniões foram entregues anonimamente à imprensa — disse Heitor. — Mostram vocês dois discutindo… e depois se beijando. Ela sentiu o estômago afundar. — Uma câmera escondida? — Provavelmente. Já estamos varrendo o prédio. Karen passou a mão pelo rosto. — E as consequências? — Três contratos suspensos. Investidores exigindo esclarecimentos. E o conselho… quer uma reunião de emergência. Ela fechou os olhos por um segundo. A empresa que levou anos para reconstruir estava sob ataque. E tudo por um momento de vulnerabilidade. Um momento em que, pela primeira vez em muito tempo, havia se permitido sentir. --- David chegou no fim da manhã, tenso, com o rosto fechado. — Eu vi as notícias — disse, entrando em sua sala sem ser anunciado. — Karen, eu… — David, agora não é sobre sentimentos. É sobre sobrevivência. Ela se levantou, caminhando até a janela. — Eu sabia que me envolver com você era perigoso. Mas não imaginei que seria assim tão rápido. — Eu juro que não fiz nada, Karen. Não contei a ninguém, não expus nada. Você precisa acreditar. — Eu acredito. Mas isso não muda o estrago. Ela se virou, os olhos mais duros do que nunca. — Eles sabiam. Estavam esperando esse erro. E nós demos a eles de bandeja. David se aproximou, hesitante. — O que você quer que eu faça? Ela o encarou por longos segundos. — Quero que prove que está do meu lado. Que não vai me abandonar quando o mundo tentar me derrubar. Está disposto? — Estou. — Então segure firme. Porque vamos cair. Mas eu pretendo levantar mais forte. --- A reunião com o conselho foi tensa. Homens e mulheres engravatados, muitos dos quais deviam suas carreiras à empresa de Karen, agora falavam como se ela fosse um estorvo. — Precisamos de uma resposta pública — disse um dos conselheiros. — Algo que mostre comprometimento com a ética da companhia. — Uma retratação? — ela questionou. — Uma suspensão temporária. Para esfriar as coisas. Karen riu, seca. — Então, basicamente, querem que eu me afaste da minha própria empresa para acalmar os ânimos de quem não tem coragem de enfrentar uma crise de frente. O silêncio foi resposta suficiente. Ela se levantou, apoiando as duas mãos na mesa. — Não vou me afastar. Não vou recuar. E não vou permitir que um beijo — algo que qualquer pessoa comum faz todos os dias — seja usado como arma para destruir anos de trabalho honesto. — A imprensa não vê assim — rebateu outro. — E nossos acionistas também não. — Então eles que abram os olhos. Porque o que está acontecendo é um ataque orquestrado. E se não enxergarem isso, estão olhando para o lado errado da história. --- Naquela noite, em sua cobertura, Karen estava exausta. Mas não quebrada. Nunca quebrada. David chegou com sacolas nas mãos. — Sushi. E vinho. Ela sorriu de leve. — Está tentando me conquistar pelo estômago? — Estou tentando lembrar você de que ainda é humana. E que pode parar por algumas horas. Sentaram-se no sofá, comendo em silêncio por alguns minutos. Depois, ela falou: — Quando perdi meus pais, me senti pequena. Insignificante. Como se o mundo tivesse me empurrado de um penhasco e risse enquanto eu caía. Prometi que nunca mais deixaria ninguém me fazer sentir assim. — E conseguiu — ele disse, com respeito. — Você virou uma mulher que ninguém derruba. — Mas hoje… — ela respirou fundo —… quase senti aquela mesma dor. A da queda. A da impotência. David se aproximou e segurou sua mão. — Então deixa eu ser seu paraquedas. Pelo menos uma vez. Deixa eu te ajudar a pousar sem se machucar tanto. Ela o olhou com os olhos cheios d’água. Mas não chorou. — Você me prometeu que não me quebraria de novo. — E vou cumprir. --- Enquanto isso, em uma sala escura em Miami, Thomas Grey assistia às novas reportagens com um copo de uísque na mão. A seu lado, um telefone vibrava. — O plano está funcionando — disse a voz do outro lado. — Ela está enfraquecida. — Ainda não. Ela ainda resiste. Essa mulher é feita de aço — Thomas respondeu. — Mas todo aço tem seu ponto de ruptura. — E quando ela quebrar? — Quando ela quebrar, tudo será nosso. Ele desligou o telefone com um sorriso. O jogo ainda não havia terminado. Mas a próxima jogada seria fatal.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD