PRÓLOGO
Ver a minha mãe acamada naquele estado simplesmente me machucou, foi uma dor tão forte que eu não sabia explicar, já tinha visto muitos casos de pessoas com câncer, mas era tão fácil não pensar naquelas pessoas até a doença bater na minha porta.
A minha mãe lutava há cinco anos contra essa doença, eu e o meu pai gastamos tudo o que tínhamos para pagar os remédios e a quimioterapia dela que no final foi em vão, ela realmente não tinha mais chance.
— Filha, não chore, querida. A minha mãe me disse enquanto eu pegava a sua mão e a aproximava da boca.
— Você vai ficar bem, mãe. Eu menti para ela, embora duvidasse que pudesse mentir para ela.
— Cuide do seu pai, ok? Ela me pediu. Eu sabia o que aquelas palavras significavam. Adeus!
E me recusei a aceitá-las, eu simplesmente não conseguia deixá-la ir.
— Não, mãe, por favor, não. Implorei enquanto as minhas lágrimas escorriam pelo meu rosto.
— Você é forte Allison, você sempre foi, realize os seus sonhos, dance, não pare. Ela me incentivou.
— Mãe, estou te implorando, não faça isso, não vou conseguir sem você, não vou conseguir. Eu implorei, senti que não conseguia respirar, e a dor não me abandonava, o meu coração batia freneticamente enquanto eu segurava a mão dela que pouco a pouco caía sem ajuda, a vida dela indo embora entre as minhas mãos. Ouvir o som do monitor enquanto via uma linha reta e fina me despedaçou, corri para o posto de enfermagem para pedir ajuda, mas foi em vão, nada poderia salvá-la, ela havia ido.
A minha mãe se foi, ela me deixou. E o pior de tudo, algo dentro de mim tinha ido com ela. O meu pai chorou arrasado enquanto puxava os seus cabelos, eu saí deixando ele caído no corredor do hospital, caminhei sem rumo até sair de lá para pegar um táxi e ir para nosso apartamento.
Assim que cheguei em casa, vi alguns remédios da minha mãe em cima da mesa e isso me irritou fazendo com que eu jogasse tudo que estava em cima da mesa no chão. Caminhei lentamente em direção ao quarto dos meus pais, abri o armário para ver as roupas dela ali enquanto passava as mãos, peguei uma das suas camisas e peguei. Deitei no seu lado da cama onde ela dormia enquanto eu cheirava as suas roupas. Eu odiava a minha vida. Naquele dia eu chorei, chorei como nunca tinha feito antes, chorei até perder a consciência e adormecer, imaginando que talvez quando eu acordasse a dor não estivesse ali. Ou quem sabe, tudo não tivesse sido um pesadelo e quando eu acordasse nada disso teria acontecido de fato.
Não sei quando o meu pai chegou, mas eu só sabia que ele estava ali. Senti a cama afundar ao meu lado e então senti os seus braços me abraçarem, me envolvendo com eles enquanto eu me forçava a não chorar mais, os meus olhos doíam e a cada vez eu sentia aquela pontada no meu coração que ameaçava me deixar sem vida. Sei que muitos me deram palavras de conforto, mas não me lembrei de nenhuma, como poderia me lembrar delas se a minha mente se recusava a aceitar isso, não conseguia pensar por mim mesmo.
Aquela noite foi atroz, ouvir o meu pai chorar de madrugada só me fez chorar mais, e os dias seguintes não melhoraram, pois cada noite era ainda pior.
Mas logo as coisas mudaram, o meu pai foi demitido do emprego, ele começou a beber descontroladamente e em diversas ocasiões foi trabalhar bêbado, tive pena dele, consegui entender ou então tentei, tentei ser forte por ele, como a minha mãe tinha pedido.
Às vezes eu conversava com o meu pai e pedia para ele não beber de novo, ele me dizia que ia parar, mas no dia seguinte estava tudo igual. Pelo menos eu tinha um jeito de me distrair, de manhã até a tarde eu estava no trabalho, era garçonete num restaurante no centro da cidade e à noite ia para as aulas de balé. O balé era a única coisa que me fazia esquecer o quanto eu estava infeliz.
Uma noite cheguei em casa, o meu pai não estava como sempre, eu tinha ido para a cama, mas ouvi a campainha do meu apartamento tocar, saí rapidamente para encontrar o meu pai com o tio Jack, reclamei com ele porque ele havia chegado bêbado de novo, mas nunca pensei que ele reagiria daquela maneira.
O meu pai se lançou sobre mim, me bateu, ele me bateu, eu caí no chão e ele me chutou várias vezes enquanto o tio Jack gritava para ele parar. Naquela noite cheguei ao fundo do poço, rastejei até o meu quarto para me trancar lá.
Tudo doía, o meu coração doía mais que as pancadas do meu pai, eu estava cansada, não aguentava mais, precisava acabar com isso, só precisava descansar. Então fui até o banheiro do meu quarto e vi o meu aparelho de barbear, joguei ele no chão para pisar nele e peguei na mão a lâmina que tinha saído dele, sentei na frente da minha cama enquanto pegava a camisa da minha mãe para cheirá-la uma última vez, respirei fundo e fiz o que precisava ser feito.
Cortei as minhas veias e enquanto via o líquido avermelhado escorrer pelos meus pulsos, lembranças da minha mãe assaltaram a minha mente, lembranças com os meus pais quando éramos uma família de verdade, não tínhamos dinheiro, mas éramos felizes, éramos felizes porque tínhamos um ao outro, e todas aquelas lembranças aos poucos foram ficando cinzentas, desaparecendo até que tudo ficou completamente silencioso e escuro.
Foi tudo tranquilidade e paz, não tive memória depois disso, pois aos poucos fui abrindo os olhos ao ver a cara de alguém envergonhado, ouvi alguém falar, mas não entendi o quê, e tudo foi esquecido novamente.
Eu fiquei vários dias no hospital até poder voltar para casa.
— Por que você fez isso? O meu pai me perguntou alguns dias depois enquanto eu estava deitado na cama. Ele entrou e sentou-se ao meu lado na cama.
— Não sei. Confessei, e era verdade.
— Foi porque eu bati em você? A culpa é minha, eu sei. Garantiu o meu pai ao ver algumas lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
— Perdoe-me, perdoe-me, não era minha intenção fazer isso, perdi o controle. Ele disse tentando se desculpar.
A verdade é que tive pena dele, sabia que não era culpa dele, ambos tínhamos perdido a minha mãe, eu também me sentia assim. Eu só não podia aceitar que ele me maltratasse. Eu sentia o mesmo e não o maltratei por isso.
— Prometa que vai parar de beber, pai. Eu implorei para ele.
— Eu prometo, mas não faça isso de novo, não quero que você me deixe como a sua mãe fez. Disse ele enquanto se levantava para me dar um abraço.
Aquelas duas semanas depois do ocorrido foram melhores, o meu pai não voltou a beber, mas eu não estava bem, comecei a sentir uma tristeza profunda.
Dias depois, ele voltou a beber, mas, nunca mais me bateu, mas, passou a beber mais que antes, até que um dia entrei no quarto dele, queria procurar algumas fotos da mamãe, abri uma das gavetas da cômoda e vi algo que me chamou a atenção.
Era um envelope de plástico transparente com alguns comprimidos, alucinógenos.
Peguei dois comprimidos da cartela, fiquei me perguntando por que o meu pai teria isso na cômoda, pensei que ele não iria notar que faltavam dois comprimidos, então tomei o primeiro à noite e foi a coisa mais linda e gostosa que já senti na vida.
Senti como se toda a dor tivesse desaparecido, vi o rosto da minha mãe em todos os lugares, me senti feliz, me senti viva, mas tudo acabou no dia seguinte, quando o efeito passou, tudo voltou a ser o que era, solidão e dor. O meu pai percebeu o que tinha feito, me repreendeu fortemente e me pediu para não fazer isso de novo, que aqueles comprimidos não eram dele, ele os estava guardando para um amigo e que agora eu tinha que lhe dar uma explicação para os dois comprimidos que estavam faltando, mas naquele momento eu não me importava com nada além de conseguir mais.
Eu não sabia como. Então comecei a fazer algumas perguntas. E no dia seguinte consegui alguns daqueles comprimidos, com um dos caras que trabalhava no restaurante. Ele foi até os caras que vendiam e comprou para mim e logo comecei a gastar o meu salário com eles.
Tomar todas as noites antes de dormir, era a única coisa que me fazia continuar, porque na manhã seguinte tinha que encarar a minha realidade. As coisas estavam mudando, pois os alucinógenos não estavam funcionavam para mim, eu mudava constantemente de alucinógenos para benzodiazepina, mescalina, GHB, cetamina, ecstasy e finalmente metanfetamina. Eu sei, é um desastre, mas só usei drogas que me dessem sensações de alucinações, que me afastassem da realidade e que me ajudassem a dormir tranquilo.
Tudo isso fez com que eu fosse expulso da academia de balé, cheguei várias vezes drogada até tentar bater em uma das minhas colegas, o meu pai não sabia mais o que fazer comigo, já havia tentado de tudo, mas, a verdade é que a combinação de bêbado e viciada em drogas não era das melhores, então ele me expulsou de casa. Pelo menos eu consegui alugar um quarto num prédio não tão próximo da cidade de Rochester, era barato o suficiente para poder comprar drogas e também poder comer alguma coisa, eu agradeci a Deus por ainda não precisar oferecer se8xo em troca de drogas como algumas vezes me fizeram propostas, sempre me recusei a fazer tal coisa.
E foi assim que tudo começou para mim.