A lareira crepitava. O quarto dele tinha uma cama de solteiro marrom simples com colcha branca e um travesseiro. Possuía um guarda-roupa, lamparinas a gás em pontos estratégicos que agora estavam apagadas, uma mesa e cadeira de madeira, cadeira na qual ele estava sentado agora. Havia a janela em forma de arco que permitia a entrada do luar e mostrava flocos de neve caindo. O papel de parede do quarto era branco com bonitos detalhes marrons.
Brunhilde, ou melhor, Clara, já que a Valquíria errante aceitou o seu novo nome com todo o seu coração, observou Hadria fazendo os seus novos vestidos para Luna brincar, compenetrado.
Ele não dormia. Ela também não. Então, sempre ia vê-lo, quando vigiar o sono de Luna sem poder sentir o corpo dela se tornava insuportável. A desejava tanto!
— Príncipe Asmodeus? — Chamou a boneca.
Ele espetou o dedo na agulha e a mirou com os olhos azuis agora rubros e serpentinos semicerrados em aviso.
— Hadria. — Corrigiu o d***o, distraído, voltando aos olhos azuis, focando novamente no bordado da vestimenta e muito mais defensivo com um franzir da testa e um crispar de lábios enquanto prendia pedrinhas azuis no vestido. — Sou Hadria agora assim como você é Clara. Esqueça os antigos nomes, pelo menos por essa década.
A boneca não tinha muitas expressões.A alma que a possuía, porém, soltou um suspiro, quase como se dissesse “desculpe-me.”
O nome de um demônio dá o poder a uma pessoa sobre este de invocá-lo quando bem entender.
Ela após ser uma sanguinária carniceira colhendo almas de guerreiros no campo de batalha, matando os inimigos de Ódin, sempre que solicitada como a escolta de elite de Asgard, preferia a tranquilidade do nome Clara.
Então, Brunhilde, entendeu que ele queria esquecer também o nome Asmodeus e o título infernal de príncipe do inferno que vinha com ele.
— Desculpe. Eu não vou mais usar os nomes antigos, Hadria. — Murmurou a boneca, intimidada.
O d***o cessou o bordado, mostrou o vestido de renda, cetim e na cor azul-claro a ela, como se esperasse aprovação. Era um belo vestido de saia longa e rodada. Clara sorriu encantada com os detalhes em pérolas azuladas em todo o espartilho que compunha o b***o. Tinha um chapéu também do conjunto, sobre a mesa, era azul e com detalhes de renda e cetim. Se levantou da cama, passinhos estranhos e assustadores para humanos, os pezinhos de porcelana nos sapatinhos brancos de fivela que tinham saltinhos. Tentava, por isso, ao máximo não se mover na frente de Luna.
O d***o sondou a expressão da Valquíria, pela qual se viu tão fascinado, que barganhou com Hella, um artefato cristão que possuía que era a bacia de prata que Pôncio Pilatos lavou a mão do sangue de Cristo, que permitia ver “flashs” do futuro.
Sobre a sua Brunhilde, sempre a ameaça sobre deixá-la para trás e debocha que as companheiras dela o haviam feito, mas ele nunca a deixou de fato em mil anos. Quando Asmodeus foi preso por Crowley, Valquíria retribuiu o favor e sempre se manteve ao lado dele na forma de um gato que vistoriava a propriedade em Essex. Agora serviam Luna, que ele sabia que ela sabia que era só mais um capricho dele.
— Como Luna não usa mais vestidos claros, ela gosta de vê-los em você. — Se explicou estudando a alma da antiga deusa ceifeira.
Ele conheceu-a acorrentada a Helheim, aquela mulher que o seguia por mil anos. Quando a viu perto da princesa infernal Hella, que dominava o inferno dos nórdicos, Helheim, a desejou tão loucamente, que largou o seu antigo companheiro Marbas para tê-la.
Notou que a valquíria avaliava com atenção o seu trabalho.
— Você também fica linda neles. As duas são magníficas, Luna e você. — Começou a falar ele, sentindo o ar faltar. — Por isso, peço que mesmo não gostando de vestidos e preferindo armaduras, suporte mais um pouco pela Luna. Luna é uma criança sensível, por mais violenta que também possa ser nos seus pedidos, ainda há uma infantilidade nela que não quero tirar…
— Não se preocupe com isso. Ao contrário de quando você basicamente me vendia as outras almas que queria devorar, — A voz ficou distante. — eu amo muito essa. — Sussurrou Clara docemente.— Eu gostei do vestido. A nossa mestra vai ficar animada em ver-me vestida nele. A alma dela brilha quando brinca comigo. Eu gosto de ver pureza da alma dela, quando brinca comigo.
O d***o estranhou a nova atitude submissa da guerreira doentia e sangrenta, mas acariciou o cabelo escuro da boneca com devoção. Brunhilde estranhou o gesto dele também.
— Sinto falta do sol dos seus fios. — O d***o deixou escapar, lamentoso e distraído. — os seus fios pareciam o sol ou ouro. Mas mesmo que sejam sombras agora, ainda são belos e preciosos.
Mas o d***o se dando conta do que disse, tirou a mão do cabelo da boneca assombrada, que o mirava, sem palavras.
Se Valquíria fosse humana, teria corado.
— Ela gosta tanto de brincar de boneca, que me deixa desconcertada. — Murmurou Clara, tentando tirar o constrangimento, agora que entendeu que ele ter feito uma barganha com Hella para tê-la como escrava, talvez não fosse mais tão humilhante assim. Nunca tinha entendido a atitude dele.— Ela limpa-me, banha e quando não há empregados, oferece-me comida. Aconchega o seu corpo no meu como se implorasse um abraço. Acho que ela sabe que estou viva. Mas tenho medo de me mover e assustá-la.
— Sim, seria bizarro para um humano ver uma boneca se movendo. — Concordou Hadria. — Serão apenas dez anos. Um piscar de olhos para nós, antes que eu tenha essa alma e a sinta dentro de mim. Talvez até te dê um fragmento dela. Eu divido-a com você.
— Certo. Não estou reclamando. — Murmurou a boneca. — Você já me humilhou por muito menos, quando me fez um gato para aquela maldita bruxa Morgana e a fodia na minha frente. — A voz continha amargura. — Ser amada por Luna, não é difícil. Eu vou indo agora. Se ela acordar e não me ver com ela, tem pesadelos com aqueles malditos. Boa noite, Hadria.
...
A boneca deitou ao lado de Luna, sutilmente. Sentiu o braço de Luna passar por sua cintura, possessivo e a boneca virou o rosto a ela, surpresa.
— Por que você sai toda a noite? — Raiou Luna, para a boneca, beijando o cabelo dela devota.— Você não gosta que eu te abrace? Você pode responder se quiser. Prometo que não fico com medo ou chateada se a resposta sobre o abraço for sim. Sei que você se mexe e desfaz as tranças no seu cabelo sempre que eu as faço para te irritar, porque te acho fofa, desfazendo sempre que volto. Eu sei que está viva. Você é um espírito que move a boneca?
A boneca apenas colocou a mão no rosto todo amassado, babado e sonolento da sua dona.
Depois de um longo silêncio, Clara tomou uma decisão.
— Você me ama, minha querida Luna? — A voz da boneca saiu e Luna estremeceu do quão linda aquela voz era, aveludada, rouca e um massagear nos sentidos. — Se me amar, não importa quem eu sou. Vou ser até o seu fim pelas mãos de Hadria, sua Clara. Serei essa boneca que te mantém em forma pura e alivia o seu coração.
Luna abriu os olhos, se perguntando se estava no limiar entre a sonolência e o sonho. Mas vendo que não, acariciou o cabelo de Clara e beijou a bochecha fria de porcelana da boneca, infinitas vezes e roçou o seu corpo nela de forma vergonhosa.
— Amo-te muito. — Sussurrou e abraçou a boneca o mais forte que conseguiu. — Muito. Muito. Ah...— Luna estava ofegante. — Agora que sei que você está viva, se você quiser ser como era, não preciso mais te manter igual a mim, quando sinto que mesmo sabendo como o meu corpo é sujo, você ainda me abraça e não me acha nojenta por aqueles homens terem me profanado.
Luna tinha o mesmo tamanho da boneca, que foi feita no seu tamanho real. 1,55.
Os olhos de Clara encheram-se de lágrimas por sua dona se achar nojenta. A boneca com lágrimas escorrendo, desesperou Luna, que apenas a puxou para junto do seu abraço e Clara escondeu os rostos nos s***s de Luna.
— Não chora, princesa e dona do meu coração.— Pediu Luna, enchendo Clara de beijos e afagos no cabelo. — Por favor. Eu já me vinguei deles. O nosso Hadria os matou lindamente para mim e me banhou no sangue deles. — Consolou a sua amada boneca, mas ficando violenta, selvagem e inconscientemente sedutora.— Agora venha, abrace-me e dorme, minha querida. Amo-te muito.