SE LIVRE DO LIXO

1866 Words
No escritório com papel de parede branco e detalhes pretos. Havia duas janelas em arco e uma grandiosa estante de ébano repleta de livros sobre alquimia, vida após a morte, a filosofia niilista de Nietzsche ou blasfêmias como o Paraíso perdido. Alguns enfeites frívolos de serpentes, dragões de vidro num armário de cristal com suportes de madeira. Um escudo na parede exposto com espadas. A armadura com o emblema da família de Essex que era uma serpente mitológica que diziam haver em Essex. Luna se movia sozinha na cadeira de rodas. Movendo as mãos e virando as rodas que parecia de bicicleta com o apoio giratório de metal que existia acima delas para permitir o cadeirante mover a cadeira sozinho. Agora ela havia se posicionado atrás da mesa com uma pilha de papéis. Hadria a seguia como uma sombra. Ela atrás da mesa empilhada de documentos e ele estava na frente. Era como uma rainha com o seu subordinado. — Mate a governanta! — Ordenou Luna, respirando fundo ao aplicar a sentença. — Mande alguém vir construir uma rampa para que eu possa subir e descer sem problemas. Não quero você empurrando-me de lá para cá, a menos que seja extremamente necessário. Contrate-me um professor de tiro e esgrima. Mesmo nessas condições não quero ser uma inútil. — Sim, minha senhora. Quanto a contratar outros para ensiná-la tiro e esgrima, não acho prudente. Mas posso ensiná-la os dois. — Certo. As mãos dela foram fechadas em punho, mas o sondou sem conseguir compreender porque ele protestou sobre contratarem alguém, mas acatou tão facilmente a ordem de matar alguém. Esperava que ele a aconselhasse a não matar. Luna estava usando um belo vestido vitoriano preto que Hadria escolheu e o cabelo preso num severo coque que ele ornamentou e sem maquiagem porque para a sociedade era preciso aparentar ser uma viúva. A sua aparência jovial ganhava um quê adulto, mas era enganoso no rosto que possuía com tantos traços infantis e o fato de ainda gostar de brincar de boneca. Ela tinha um baú cheio de bonecas. O demônio sabia do baú que ela escondia. Ela acrescentou quando Hadria se manteve parado como se para se justificar: — Aquela maldita governanta sabia o que eles faziam com as mulheres e não fez nada para impedir. — Lamentou ela. — Agora você terá o lugar dela ao cuidar da mansão. A mate como eles matavam as mulheres que ela ajudava a esconder os pertences e provavelmente os roubava para si. Ela escutou-me gritar por ajuda e riu de mim. Claro, uma nobrezinha qualquer morrer era-lhe divertido… — A voz dela ganhou uma altura e palpável desgosto. — A faça implorar também pela própria vida, ria dela e a mate. Ela também pode dizer que eu o matei o seu antigo senhor ou algo assim… ela tem que morrer. — O seu desejo é uma ordem, minha senhora… não tem que explicar os seus motivos. — Espere, você é um demônio. Deve saber quais dos empregados eram inocentes sobre esse assunto e quais não…— Sondou Luna, esperançosa, de fazer uma limpa. — Sim, eu sei a esse respeito, milady. — Confessou o provável novo governante da mansão, já que a governanta seria morta. Ele mantinha-se numa postura invejável. Um belo rapaz de cabelo escuro curto com suaves ondas e olhos azuis bonitos. Se fosse outra época, Luna teria se apaixonado pela beleza sobrenatural dele. Não agora. Odiava todos os homens! Todos! Mas ele não era homem. Podia confiar que ele queria a sua alma e não o seu corpo nojento e sujo. — Faça uma boa limpeza, Hadria. Mate todos os que sabiam. — Estipulou impiedosa. — Se algum deles tiver crianças na família ou alguém que precise do salário deles, dê dez salários adiantados para compensar as mortes. Mas mate-os! — A voz dela tremia de ódio e fez um gesto da mão de dispensa. O demônio estudou fascinado aquela menina que tentava parecer mulher com a voz transitando entre infantil e adulta. Mesmo na cadeira de rodas com uma das pernas inúteis pelo pacto e com aquele rosto oval inocente, aqueles olhos grandes e negros amendoados e doces… as ordens dela eram firmes. O demônio gostava disso. Era um tipo de corrupção que não chegava à alma porque era uma atitude defensiva de salvar a si, mas demonstrava até onde ela iria agora e para salvar a própria pele. Não era egoísmo, era autoproteção. E uma alma que ansiava viver também ganhava um gosto ótimo. — A minha senhora…— Foi uma despedida solene — Sim… — Respondeu Luna sem entender que era uma dispensa, achando que ia ser contestada, mas com a voz menos trêmula de raiva e com algo mais aberto a receber uma sugestão. Quase como se quisesse que ele dissesse que a sua atitude era extrema. Hadria não faria isso. Porém, o demônio estremeceu pelo novo tom ao falar com ele após ouvir o quão desumana e tirânica ela podia soar. — Se precisar de qualquer coisa enquanto resolvo essa praga de ratos indesejáveis… apenas diga o meu nome e virei para você. . — Obrigada, Hadria. É bom ter-te comigo, mesmo que só queira a minha alma. — Agradeceu Luna sinceramente, a alma dela brilhou e cedeu até um doce e raro sorriso ao d***o. Então fechou a expressão e ficou séria como se fosse outra pessoa… — Agora vá e os mate! Hadria fez uma reverência e retirou-se do escritório. Luna foi olhar a documentação acumulada na mesa de Crowley e passou os olhos por alguns documentos do condado de Essex, cujo plantio de soja estava indo bem. ... Dez empregados mortos e com os corações perfurados ao redor da mesa de sacrifício. Quando ela surgiu na cena, Hadria que segurava uma espada, apenas observou que a parte da cadeira dela, uma tira de madeira que apoiava os pés quase se sujou do sangue escoando pelo gramado e agora sendo bebido pelas terra e irrigando internamente as roseiras. — Todos os empregados sabiam. — Se explicou Hadria sobre a cena. A lâmina da espada dele rubra de sangue. Havia corações arrancados de um lado e alguns olhos sem vida dos cadáveres estavam-lhe voltados. Havia uma criança no meio. — Então era pior do que cogitei. — Respondeu Luna, indiferente, avaliando o estrago e crispando os lábios. — Hadria, sei que precisamos de empregados novos… mas você dá conta do serviço da casa sozinho por um tempo? Desculpa pedir esse tipo de coisa a você. .— Sim, que tipo de servo eu seria se não fizesse nem isso. — Ótimo. Segure as contas um pouco, pelo menos até eu conseguir confiar em alguém além de você de novo. Certo? — Pediu ela quase se desculpando. — Sim, minha senhora. Não se preocupe, estou aqui para servi-la. Luna parecia ainda não acreditar em tudo que Hadria era capaz. Isso meio que ofende o demônio. — Agora limpe essa bagunça antes que alguém surja. A criança, a dê um enterro digno. Eu vou esperar-te em casa. — Informou e moveu a cadeira em direção à casa. De costas a cena macabra e selvagem — Aliás estou com fome. — Logo preparo algo para a senhorita comer. Deixe-me só colocar todo o lixo para fora primeiro para que a imagem desse jardim possa ser desfrutada por você, sem poluição visual. Os olhos de Luna impediram-se de passar pelo cenário macabro novamente e apenas moveu a cadeira de rodas em frente com frieza. — Antes eles do que eu. — Resmungou a jovem, parando de repente. — Quando terminar de tirar o lixo humano que se aglomeravam surdos e mudos aos gritos de horror com o qual construíram essa mansão, venha encontrar-me. ... Luna contemplou todas as suas comidas preferidas sobre a mesa de pequeno-almoço numa grandiosa sala com várias janelas e o clarão do dia. A mesa de madeira coberta com uma toalha de renda. Havia estantes com a prataria: Bandejas de prata cortadores de bolos e conjuntos, talheres e também mais conjuntos de vários tipos de chá. Sobre a mesa elegante, retangular, de dezesseis lugares, viu tortinhas de limão com creme e raspas de limão em cima, bolos de creme com morango e pães com linguiça e ovos. Chocolate quente num elegante bule transparente. Ela lambeu os lábios. Observou quando Hadria serviu do suco de laranja e não chá. Nem todo inglês tem que gostar de chá. Ela não gostava mesmo. — Quando você faz isso, eu sinto que todo o horror de ontem foi só um pesadelo. — Sussurrou Luna encantada pela mesa linda. O demônio sorriu de lado, muito lisonjeado. — Trate ontem a noite como um pesadelo, minha senhora. Não há nada de errado nisso. — Respondeu o demônio num conselho enquanto a servia elegantemente de chocolate quente na xícara, sabendo que o paladar dela era infantil ainda. — Mas agora tudo isso pertence a você. Você é por direito a condessa de Essex, já que o seu marido não tinha herdeiros. Além de ter o condado que produz a maior quantidade de grãos da rainha, agora também foi vista pelas sociedades secretas das quais o seu marido fazia parte. Não é comum mulheres entrarem, mas estão interessadas em você pelo poder financeiro que agora detém. — Eles todos sacrificam mulheres…?— Perguntou Luna, rangendo os dentes. — Não. — Respondeu o demônio. — A maioria deles estão em busca do saber supremo das regras, o limiar que compõe o mundo humano e espiritual, o pós-morte. O que o seu muito bem falecido marido fazia era tentar dominar-me como se eu fosse um cachorro para ter uma boa colheita e plantio. — Respondeu Hadria com um leve franzir de sobrancelhas. — A parte do ritual de estuprar mulheres e matá-las era para que as algemas nas quais me prendeu fossem mais fortes do que as da minha própria corrupção e eu alimentasse-me do desespero das almas dela, sem encostar neles ou cobrar o preço deles e mesmo assim os cedesse os seus desejos. Covardes negociando com a alma de terceiros. — Por que não tentou fazer um pacto com outra antes de mim, Hadria? Teve três antes de mim, não é? — Quinze. A diferença é que as outras doze eram meras prostitutas, as outras três nobres. Isso porque Crowley percebeu a diferença de quando sacrificava ninguém para a sociedade e quando sacrificava aqueles de sangue nobre na colheita. Quando matava só prostitutas, metade da colheita apodrecia. Quando matou a primeira jovem nobre e arrancou a virgindade dela de forma hedionda junto aos outros, bem, a colheita inteira se salvou. Nenhuma delas clamou por vingança a quem estivesse escutando como você fez e apenas oravam a Deus. A sua vingança poderosa liberou-me do controle deles e você fez um pacto comigo me cedendo tudo de si e não de outras pessoas para pagar o preço, por isso, o meu serviço a você é muito além do que jamais fiz por eles. Sirvo a você de livre espontânea vontade e a respeito porque você pagou o preço sem terceiros. — Respondeu Hadria. — Agora, coma, antes que esfrie, minha senhora.
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