Killed me

"Finalmente, finalmente eu consegui o que eu sempre quis". Anos atrás... Eu quero saber por quê? por quê a minha mãe me ignora tanto? Eu amo e admiro tanto ela, que eu quero ser igualzinha a ela quando eu tiver a mesma idade que a dela. A minha mãe é simplesmente incrível e única, apesar da idade ela ainda continua linda, digo isso porque eu mesma vi uma foto de quando ela era jovem. E pensando bem agora ela não tem muitas fotos antig... - Mara! você não está ouvindo a porta? - Ah! desculpa mamãe eu tava destraida, já vou abrir.- E mais uma vez sou tirada dos meus pensamentos. Caminho em direção a porta de entrada da casa, mas ainda assim consigo ouvir o que a minha mãe diz, "garota tola." Foi isso o que ela disse, baixo mais alto o suficiente para eu conseguir ouvir, mas eu não me importo a minha mãe já é assim, mas ela é uma ótima pessoa. Abro a porta e dou de cara com um homem exausto, a gravata pendendo do colarinho como se tivesse desistido do dia.O meu pai anda tão exausto ultimamente. Há algo no jeito como ele entra em casa como se cada passo pesasse mais do que o anterior. Eu o ajudo com o casaco, e ele me agradece com um sorriso que não chega a existir. Sua mão passa pelo meu cabelo, rápida demais, quase impessoal, como se o carinho tivesse se tornado apenas um hábito. -Como foi o seu dia querida?- Ele pergunta - mas antes mesmo que eu consiga responder, ele já está caminhando pela sala, com o olhar distante, perguntando onde está a minha mãe.Respondo rápido que a mamãe está na cozinha, mas não sei se ele me ouviu. O som dos passos dele se mistura ao silêncio da casa — um silêncio que parece sempre à espera de alguma coisa que nunca chega. Dobro o casaco com cuidado, e o deixo sobre a cadeira. Depois subo as escadas devagar, o corrimão frio sob os meus dedos, em direção ao quarto de Chloe — minha irmã mais nova, a única que está sempre alegre. Paro diante da porta do quarto e bato duas vezes, bem de leve, esperando ouvir a voz dela me dando permissão para entrar. Quando finalmente escuto o “pode entrar”, abro devagar a porta e encontro Chloe sentada à mesa, estudando, o rosto iluminado pela luz amarela do abajur. Ela não percebe que estou ali — e por um instante fico apenas observando, como se aquele pequeno momento de silêncio fosse o lugar mais seguro do mundo.Ela é exatamente o que os meus pais querem. O que eles gostam. Chloe é linda — uma beleza fácil de entender, uma beleza que o mundo aceita sem esforço. Mas o que mais encanta nela é o brilho leve, a forma como tudo parece mais simples quando ela sorri. Ela é a alegria dos meus pais. Saio dos meus pensamentos quando ela me chama, com aquele pequeno sorriso e os olhos que parecem sempre saber onde a luz se esconde. Eu sou a mais velha, mas às vezes queria ser como ela. Talvez, se eu fosse... a minha mãe também me olharia assim. Pergunto a Chloe como vão os estudos. Ela já é uma adolescente, mas às vezes ainda falo com ela como se fosse uma criança — talvez porque, de algum modo, eu precise que ela continue sendo. Me pergunto se toda irmã mais velha faz isso, ou se é algo que vem com o medo de crescer sozinha. Será que eu também vou ser assim quando tiver um filho? Digo a ela que o papai já chegou. Ela fecha o caderno depressa, o lápis cai no chão e, antes que eu consiga dizer qualquer coisa, ela sai correndo pelo corredor, gritando “papai!” com uma alegria que enche a casa. Quase esbarra em mim na porta. Se eu não tivesse me afastado a tempo, teria me atingido com a força da pressa — a pressa de quem ainda acredita que o amor sempre espera por ela. Assim que ela sai correndo, eu ainda fico encostada na porta por alguns segundos. O quarto da minha irmã parece respirar leveza — os livros abertos, o perfume doce que fica no ar, o cobertor amarrotado sobre a cama. Tudo nela é vida. Fico olhando por um tempo, até que lembro que preciso ajudar a mamãe a colocar a mesa. Desço as escadas depressa, o som dos meus passos ecoando pela casa, e então paro. Diante de mim, uma cena bonita demais para ser minha: o papai sentado à mesa, com Chloe ao lado, os dois conversando e rindo de alguma coisa que eu não ouvi. A mamãe está próxima, observando com um sorriso pequeno — o tipo de sorriso que eu nunca ganhei. É uma imagem linda. Mas, de algum modo, só me faz sentir ainda mais sozinha. Caminho até a mesa com um pequeno sorriso, tentando parecer parte daquela alegria que ainda flutua no ar. A mamãe traz o resto da comida — arroz, feijão e frango assado, o mesmo de sempre — mas, quando me vê, o sorriso dela se apaga, como se alguém tivesse apagado a luz dentro dela. Eu não entendo. O que foi que eu fiz? Durante o jantar, tento me colocar na conversa entre o papai e a Chloe, mas parece que sempre chego atrasada nas palavras. Eles riem, trocam olhares, e eu fico tentando acompanhar — tentando encontrar um lugar entre eles. Há coisas na vida que ninguém faz por nós. A gente é que precisa abrir o próprio caminho, mesmo que seja no escuro.