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Terror Narrando
- Estou aqui do alto do morro, pegando a vista mais linda da praia de São Conrado pela favela e fumando um pra clarear as ideias, tem dias que estou tendo pesadelos e essas porras não me deixam em paz, nem sei o que é dormir direito e pra ser sincero isso não me faz falta, vou deixar pra dormir quando morrer. Toda vez que estou meio perturbado da mente, venho pra cá ficar suave e apreciando essa vista, fico refletindo em vários bagulhos e quando começo a pensar muito, meto o pé. Odeio pensar, odeio lembrar e odeio tudo que me remete ao meu passado, na verdade essa p***a não era nem pra me assombrar, o que passou, passou. Não vivo no meu passado, vivo no presente, e por mais que minha realidade as vezes seja árdua, é aqui no agora que eu tenho que pensar.
- Já me passaram a planta que o cuzão do ferrugem quer invadir a Rocinha, antes mesmo dele dar o bote, eu vou pular lá primeiro e avermelhar aquela p***a. Ele é dono do Parada de Lucas, mas criou uma rivalidade comigo fora do comum, tudo bem que não somos da mesma facção, mas tudo isso por conta de mulher. Um dia estava no baile do Vidigal, o dono de lá é o Joaninha e ele é meu parceiro de maior cota, fui pra prestigiar mesmo o baile f**a que o mano faz. Apareceu uma loira, daquelas montadas mesmo, cavalona, p***a, me amarro. Não sou de dar em cima de mulher nenhuma, ainda mais em baile, não está escrito na cara de ninguém se é fiel ou não de alguém, então fico no sapato pra não cair na mancada, alandelon na favela é vala e eu sei como funciona o proceder, ainda mais que a lei quem faz é nós. Mas a mina veio com tudo pra cima de mim, jogando na cara, de cara já perdi o interesse, odeio mulher oferecida, minha vida sempre foi difícil pra conquistar os bagulhos, então o fácil não me satisfaz, não gosto. Mulher que joga na cara não tem valor nenhum e podem falar o que quiser de mim, que sou macho escroto ou machista, que se f**a, essa é a p***a da minha opinião.
- Fiquei de cantando bebendo e ela jogando muito na cara, depois de muita insistência e eu já estava doido pra aliviar meu saco, fui nela na salinha ali mesmo do camarote. Não passaria disso mesmo, uma f**a e fé em Deus. Mas a maldita era mulher do ferrugem, a desgraçada jogando na cara legal e é casada, vai entender uma p***a dessa. Fui levado enganado, ela disse que era solteira e eu confiei no papo dela, até porque acho que coisas assim não tem necessidade de mentir. E a postura dela não era de uma mulher casada e fiel de um dono de morro, esse bagulho chegou no ouvido dele, ele meteu a porrada na mulher e botou ela pra fora do morro, a safada veio aqui achando que eu iria dar abrigo pra ela, botei pra falar também e que se f**a, nem o nome dessa desgraçada eu sei. Depois disso ele fala para os quatro cantos da terra que vai arrancar minha cabeça, e eu to aqui esperando. Mas como ele é um cuzão e só tem traíra do lado dele, eu vou entrar lá primeiro, nessa madrugada mesmo. Aí eu quero ver ele bancar o herói e o brabo, tá achando que é assim, ameaçar bandido e ficar por isso mesmo. Odeio caozada no meu morro, aqui é um ponto turístico do RJ, deixo geral a vontade pra conhecer meu morro, não bato neurose com quase nada, isso aqui é a minha vida, esse povo é a minha família. Então não vai vir ninguém fazer bagunça aqui, chamando a mídia pro meu morro, não vai mesmo.
- Não sou muito de ficar na rua, os próprios moradores aqui quase não me ver, sou procurado então fico na disciplina, saio mesmo quando já tá geral entocado em suas casas, quem resolve a maioria das coisas é o GB, meu sub. Esse é um mano que eu confio pra c*****o, nunca entrou na mancada e fez duvidar da índole dele, então até que se prove o contrário, ele é leal e merece a minha lealdade, afinal, comanda essa p***a aqui junto comigo.
- Não sou muito de conversar, quase não falo nada, muito barulho e muita falação me irrita, sou um cara totalmente pavio curto, pra me tirar do sério não precisa nem fazer esforço. Então fico na minha e fé pra geral, tem gente que diz que é marra, eu digo que é postura e sem risadinha pra ninguém. Se eu ficasse nessa de ficar de sorrisinho pra geral, não estaria onde eu estou, ou melhor, estaria morto.
- Tenho minha casa aqui no morro, mas fico um tempo em cada lugar, sou tipo sombra pros cana, quando eles pensam que estou em um lugar, já estou em outro. É brabão de me pegar, não vai pegar nunca. Só se o maior lá de cima permitir, e eu nem sei se ele olha pra pessoas como eu, e tá tudo bem também. Se olhasse não deixaria eu passar tudo o que passei, não me faço de pobre coitado não, longe disso, mas se ele cura, salva e liberta as pessoas, não sei porque me deixou viver durante tantos anos no escuro, sozinho e a própria sorte.
- Também nunca vou entender essa cambada de desgraçados que fazem filho e deixam largados aí no mundo, eu não tenho a menor vontade de ser pai, os infelizes que me colocaram no mundo, não foram capazes de cuidar e educar, sumiram e f**a-se eu. Não quero fazer o mesmo com um filho meu, então prefiro não ter. Até porque não tem uma mulher a altura de mãe pra ser mãe de um filho meu, só tem essas mandada daqui que quer um patrocínio, fazer um filho com alguém ronca e achar que tem pensão vitalícia a vida inteira, não caio nesses laços, amor nem existe, nem o de mãe, quem dirá de mulheres.
- Nem sei o que é isso, nunca senti na minha vida nenhum sentimento bom. Tudo em mim é ódio ou raiva, vivi no meio disso, então não tem como eu dizer que amor existe se eu nunca tive ou experimentei de alguém. Pra mim isso é história pra boi dormir e acredita quem é bobo.