Capítulo 2
Marcela narrando
Um ano havia se passado desde que fui obrigada a me casar com Roberto. Aos olhos dos outros, éramos o casal perfeito: ele, o policial exemplar; eu, a esposa dedicada que sempre estava ao lado dele em eventos e premiações. Mas por trás das portas fechadas, eu vivia o pior pesadelo da minha vida.
Nunca mais tive notícias do meu pai. Sempre que perguntava, Roberto me lembrava com frieza que aquele homem tinha me entregado como pagamento e sequer cogitou me levar junto. Eu era apenas uma moeda de troca.
— Você está linda hoje — ele disse, enquanto eu terminava de tirar um pelo de seu paletó.
Sorri fraco.
— O jantar de hoje é especial. — Seus olhos brilharam com orgulho. — Vou receber um prêmio.
— Parabéns — murmurei, fingindo interesse.
Ele se aproximou e passou a mão pela minha barriga.
— Logo nosso filho vai estar aqui conosco.
Engoli em seco. Havia descoberto minha gravidez duas semanas antes. Estava de três meses. E talvez fosse apenas por isso que ele andava mais calmo, mais atencioso. Mas eu sabia a verdade: nem sempre era assim. Ele descontava em mim os problemas da delegacia, me humilhava, e nunca escondeu suas amantes, principalmente Marisa.
No jantar, ao entrar de braço dado com ele, meus olhos logo encontraram Marisa e seu irmão Kaio, parceiro de Roberto na delegacia. Ele me obrigou a sentar junto deles. Marisa me encarava com aquele olhar venenoso que sempre me causava enjoo.
— Eu não sabia que você tinha voltado dos Estados Unidos — uma senhora comentou com ela. — E seu casamento? Sua filha?
— Estou divorciada há anos. — Marisa sorriu, pousando a mão no ombro de Kaio. — Agora voltei para ficar com meu irmão.
As palavras dela me causavam repulsa. Não era ciúmes de Roberto, porque jamais conseguiria sentir algo assim por ele. Era simplesmente nojo.
— Preciso ir ao banheiro — murmurei.
— Não demore — respondeu, sem disfarçar a ordem.
No banheiro, joguei água no rosto, tentando controlar a respiração. Mas a porta se abriu. Marisa entrou com seu sorriso debochado.
— Olá, Marcela. Que bom te ver sem um olho roxo. Ou você só escondeu com maquiagem?
— Me deixa em paz. Eu nunca fiz nada contra você.
— Fez, sim. Você é casada com ele.
— Peça para ele se separar de mim. Eu juro que não vou ficar triste. — sorri amarga.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Não entendo porque ele não se livra de você.
— Obsessão — respondi. — Você não faz ideia do quanto eu só queria me ver livre.
O sorriso dela sumiu.
— Faz duas semanas que ele não me procura. Sei que a culpa é sua. O que você fez?
— Nada. — Respirei fundo. — Eu estou grávida.
Marisa me encarou, incrédula.
— Mentira.
— Infelizmente é verdade. — Minha voz falhou. — Estou grávida daquele homem nojento que você deseja por luxo, enquanto eu só sinto nojo cada vez que ele me obriga a deitar com ele.
A porta se abriu. Meu coração gelou. Roberto estava ali.
— Sai, Marcela — disse firme, os olhos duros.
Passei por ele em silêncio, apavorada com a possibilidade de que tivesse escutado tudo.
De volta ao salão, fingi normalidade. Bebi um gole de água, mantendo o sorriso vazio no rosto. Minutos depois, Roberto foi chamado ao palco para receber seu prêmio. Subi com ele, ouvi seus elogios à minha "dedicação", e, para meu espanto, ele anunciou a gravidez diante de todos. Fomos aplaudidos, celebrados como casal perfeito. Eu, por dentro, me sentia enterrada em um abismo sem saída.
(...)
De volta em casa, tirei os sapatos e soltei o cabelo. O calor do Rio parecia grudar em minha pele. Roberto entrou no quarto, colocou a arma sobre a mesa e veio até mim. Abriu meu vestido com calma, como se saboreasse o momento.
— Você disse que sente nojo de mim. — Sua voz era baixa, mas ameaçadora.
— Eu… — gaguejei, mas ele tapou minha boca com força.
— Sente nojo de mim? Do meu filho? — pressionou. — Tudo bem. Vou resolver seus problemas.
Antes que eu reagisse, ele me jogou na cama e puxou o cinto.
— O que você vai fazer? — perguntei em pânico.
— Algo que você nunca vai esquecer.
A primeira cintada queimou minha pele. Gritei. Ele bateu de novo, mais forte, mais c***l. O som ecoava pelo quarto, cada golpe me arrancando lágrimas e dor.
— Por favor… — chorei.
Ele se inclinou, o olhar gelado.
— Você não vai precisar carregar um filho meu.
Então, os golpes se concentraram em minha barriga. Tentei me proteger, mas era inútil. A força dele era muito maior.
Quando enfim se afastou, foi até o banheiro, como se nada tivesse acontecido. Eu tremia, nua, dolorida. Olhei para a cama… e vi o sangue escorrendo por minhas pernas.
— Não… — sussurrei, em choque. — Eu estou sangrando.
O desespero tomou conta. As cintadas já não importavam. Tudo o que eu sentia era o horror de perder meu bebê.
Eu passei a noite inteira com dor, sangrando, desesperada. Gritava, implorava por ajuda de Roberto, mas ele simplesmente não se importava. O sangramento ficava mais intenso, as dores mais lancinantes, e a única coisa que ele me disse antes de sair do quarto foi que eu teria que passar por tudo sozinha.
Ele era um monstro. E eu sabia que jamais perdoaria meu pai por ter me entregue a ele como pagamento de uma dívida. Eu, que sempre fiz tudo por ele, mesmo sem receber um gesto de carinho, mesmo demonstrando amor, fui entregue às mãos de alguém que só sabia me humilhar.
— Me ajuda… — implorei, chorando, mas a resposta não veio.
(...)
4 anos depois
Muitas coisas mudaram desde então. Depois que Roberto iniciou a guerra ao lado de Kaio, fomos obrigados a nos mudar para os Estados Unidos. Passamos anos lá, mas agora retornamos ao Brasil. Roberto tinha reconquistado seu cargo na delegacia e seu objetivo era claro: vingar a morte de Kaio e de Marisa. Pelo menos, era isso que eu ouvia dele repetir constantemente.
Nos mudamos para uma mansão em um bairro nobre no Rio de Janeiro, com dezenas de funcionários e seguranças. Mas nada mudou no nosso relacionamento: ele continuava a me agredir, a humilhar, a me controlar. O medo se tornou parte da minha vida; uma hora, eu teria que me libertar, mas não sabia como. Roberto acumulava poder e riqueza, e ele deixava claro que qualquer tentativa de fuga seria fatal.
— Vou te deixar na consulta — disse ele, cortando meus pensamentos.
— Você vai ficar comigo? — perguntei, a voz carregada de esperança.
— Não. Hoje preciso me apresentar oficialmente na delegacia. — Ele pausou, observando-me. — O motorista está de folga; você terá que ir sozinha.
A lembrança do aborto que ele me forçou a passar ainda me doía. Depois daquela noite, nunca mais consegui engravidar naturalmente. Os médicos confirmaram: seria impossível sem intervenção, mas a fertilização com meus óvulos e o esperma dele ainda era uma opção. Ele queria um filho a qualquer custo, e eu sabia que não mediria esforços para me obrigar a gerar sua descendência.
— Quando chegar em casa, me liga — ordenou antes de eu abrir a porta.
— Pode deixar — respondi, mais uma vez me submetendo.
No consultório, o Dr. Vinicius explicou detalhadamente o procedimento, o tratamento, a alimentação necessária e marcou meu retorno para os próximos exames. Saí tentando chamar um Uber, mas não havia nenhum disponível pelo aplicativo.
— Quer que eu chame um carro para a senhora? — um homem alto, cheio de tatuagens, mas impecavelmente vestido e perfumado, perguntou, olhando-me com atenção.
— Estou tentando pelo aplicativo, obrigada — respondi, desconfiada.
— O app parece não estar funcionando — insistiu, com um sorriso cordial. — Posso levá-la? Sou motorista da Uber.
— Não pego Uber de estranho — afirmei firme.
— Miguel — disse, estendendo a mão. — Sou conhecido aqui, pode confiar. — Ele apontou discretamente para um homem próximo. — E esse é Pedro Henrique.
— O Miguel — confirmou o outro.
— Viu? — continuou ele. — Eu prometo, senhora, não vou fazer nada. Só quero sustentar meus três filhos. Minha esposa morreu de câncer no ano passado.
— Sinto muito — murmurei, surpresa.
— Tenho três filhos: Joana, Joaquim e Janaina — disse, mostrando orgulhoso a foto deles no celular. — A mais nova tem dois anos e sente muita falta da mãe.
Meu coração se comoveu.
— Claro, pode me levar — respondi, ainda desconfiada, mas pensando nas crianças dele. — Meu endereço é no Jardim Botânico.
— Conheço bem — disse ele, abrindo a porta para que eu entrasse.
Sentei-me, ainda cautelosa, mas enviei uma mensagem para Roberto avisando que já estava no carro. O motorista, Miguel, puxou conversa, tentando quebrar o gelo:
— Você é carioca?
— Não, paulista — respondi.
Ele continuou falando, puxando assunto e fazendo perguntas discretas, tornando a viagem menos desconfortável e, de certa forma, humana. Pela primeira vez em muito tempo, senti um pouco de segurança fora do alcance de Roberto.