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828 Palavras
Marisa narrando Dizem que a vida pode ser injusta conosco… ou nós é que a tornamos injusta com nossas escolhas. Qual caminho você seguiria para viver? O da razão ou o do coração? Durante toda a viagem, encarei Kaio em silêncio. No visor acoplado à poltrona, eu acompanhava os quilômetros que me afastavam do Brasil e me aproximavam dos Estados Unidos. A cada número que diminuía, a angústia aumentava. Eu deixava para trás uma vida que, apesar de tudo, eu gostava. Um relacionamento tranquilo, pessoas que sempre me quiseram bem… e que eu traí. Eu quebrei a confiança delas e agora jamais poderia pisar novamente naquele lugar. Minha vida de antes se foi. Será que tudo realmente valeu a pena? — Você está calada demais, minha irmã — Kaio quebrou o silêncio. — Só estou pensativa — respondi. — Arrependida? — ele insistiu. — Não. — virei o rosto para ele. — E você? Está arrependido por ter deixado ela viva? — Maria Luíza? — ele arqueou a sobrancelha, e eu assenti. — Eu nunca quis matá-la. — Por quê? — Minha vingança sempre foi contra ele… contra o pai dela — Kaio murmurou. Olhei fundo nos olhos dele. — Você destruiu a vida dela, Kaio. Do jeito que matou os pais dela, do jeito que fez o Perigo morrer bem na frente dela… Eu não sei o que é pior. Ele fechou os punhos. — Eu fiz o que era necessário. Você acha que eu não sofri quando mataram elas? Quando soube da morte da minha mãe? — A nossa mãe morreu pelas mãos da pessoa em quem você confiava — joguei na cara dele. — Não precisa me lembrar disso toda vez — respondeu, nervoso. — Então não vamos mais discutir — encerrei. Ele ficou em silêncio. Quando o avião pousou, me levantei, mas Kaio permaneceu sentado. — Você não vai descer? — Não. Vou continuar minha viagem. Boa sorte. — Para onde você vai? — Não posso revelar. Quero ir o mais longe possível, para que ninguém nunca me encontre. — Espero que a gente nunca mais se veja, Kaio. Porque sempre que nos encontramos, é para se vingar de alguém. Ele me encarou uma última vez. — Boa sorte com a Maiara. Se um dia eu encontrar Julia… eu prometo que aviso. Engoli em seco. — De coração, espero que nunca a veja. Ela não merece a sua sombra na vida dela. — Boa sorte — repetiu, e eu peguei minhas coisas, descendo do avião. Um carro me esperava, mas dispensei o motorista. Preferi um táxi até a casa de Maiara. No caminho, inquieta, girava a aliança de Bn nos dedos. Eu queria ter escrito algo a ele, pedido perdão… mas o que eu fiz era imperdoável. Quando desci diante da casa, caminhei devagar até a porta. Respirei fundo e toquei a campainha. Quando a porta se abriu, meu coração quase parou. Não era Maiara. Era uma jovem de sorriso leve, cabelos pretos e olhos verdes. Traços tão familiares… os mesmos de nossa mãe. — Olá — disse ela, sorrindo. — Você deve ser a Marisa? — Oi… — respondi, atônita. Eu nunca a tinha visto pessoalmente, mas sabia quem era. — Sim. A mãe da Maiara. — Entre, por favor. Maiara está no banho. Pedro vomitou nela toda. — Ela riu suavemente. — Perdão, Pedro é meu bebê de dois meses. Quer conhecê-lo? Fui até o carrinho. — Uma criança linda. Ele se chama só Pedro? — Pedro Henrique — ela disse orgulhosa. — Em homenagem ao pai… que morreu sem saber da gravidez. — Eu sinto muito — respondi. Fiquei paralisada. O bebê era a cara do Pedro Henrique, o homem que sempre sofreu por ter deixado Julia ir embora, acreditando que estava morto. Agora ela tinha um filho dele… e ele jamais soube. O destino tem dessas ironias cruéis. Em meio a tantas pessoas no mundo, os caminhos de Julia e Maiara se encontraram. Tias e sobrinhas… sem saberem disso. — Mãe? — a voz de Maiara interrompeu meus pensamentos. — Achei que chegaria mais tarde. — O voo foi rápido — forcei um sorriso. Ela me abraçou forte, com carinho verdadeiro. — Estava com saudades. — Eu também. Estou feliz por estar aqui com você — respondi. Nunca soube demonstrar muito os meus sentimentos, nem mesmo para a minha filha. Mas naquele momento percebi que precisava aprender. Enquanto Julia embalava o pequeno Pedro Henrique e Maiara arrumava algo para comermos, eu apenas observava. Elas ainda não sabiam a verdade. Eu as protegi disso por toda a vida. Maiara não sabia de Kaio, nem da verdadeira história da nossa família. Só ouvira falar uma vez de uma tal “tia Julia”, durante uma discussão minha com o pai dela… que sempre me proibiu de contar mais. Ele dizia que, se eu ousasse revelar, me afastaria para sempre da nossa filha. E eu nunca duvidei que ele cumpriria a promessa.
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