Julia narrando
— Ele é muito calmo — Marisa comenta, entrando na sala. — Se você quiser, posso ficar com ele para você estudar.
— Ah, ainda consigo dar conta de tudo — respondo sorrindo.
— Mas eu vi que você está fazendo faculdade de Estética. Poderia fazer outros cursos junto. Eu fico aqui o dia todo sem fazer nada — ela insiste. — Não me custa cuidar de um neném tão lindo como o Pedro.
— Eu não quero incomodar e nem abusar da sua boa vontade — digo, sem graça.
Maiara aparece, escutando a conversa.
— Eu acho que você deveria aceitar, Julia. Você fala tanto em ter uma carreira, abrir sua clínica… Quem sabe fazendo outros cursos, ganhe mais experiência e já comece a conquistar clientes?
— Concordo com a Maiara — Marisa acrescenta. — Para mim não é abuso nenhum. Eu vou adorar.
Sorrio para as duas.
— Eu vou pensar com carinho, prometo. Só não quero que pareça que estou abusando.
— Você não vai estar não — Marisa rebate. — Vejo você tão nova, com esse bebê lindo, estudando e se esforçando. Isso é admirável. Você pensa no futuro do seu filho. — Ela olha para Maiara. — E tem um curso aqui perto com várias vagas abertas. Você deveria aproveitar.
Maiara sorri:
— Podemos ir lá agora. Assim Pedro já pega um solzinho.
— Então vou buscar minha bolsa — respondo animada.
— Depois podemos tomar um café, tem um lugar que quero te levar — Marisa sugere.
Não era exagero quando eu dizia que Maiara era um anjo na minha vida. Ela fez e continua fazendo muito por mim. Se não fosse por ela, eu não sei que rumo teria dado a minha vida… nem a do Pedro. Ainda carrego o medo de Kaio. Não sei que fim levou, se ainda me procura, se ainda tem ódio de mim. Voltar para o Brasil não é, nem de longe, uma possibilidade.
Maiara narrando
— O que houve? — minha mãe pergunta quando percebo que fiquei calada depois que Julia subiu para pegar a bolsa.
— Julia te contou sobre a vida dela, não contou?
— Sim. Ela falou sobre o morro… e sobre a mãe dela — responde.
Respiro fundo e pego o celular.
— Eu recebi essa mensagem. — Mostro o direct a ela. — Eu não sei o que fazer.
Minha mãe segura o telefone.
— Quando te enviaram isso?
— Há alguns dias, mas eu só vi hoje de manhã.
— Você já contou a ela?
— Ainda não… Julia está tão bem, mãe. E eles fizeram tanto m*l a ela. Mas… ela fala do pai do Pedrinho todos os dias.
Minha mãe me encara firme.
— Quer minha opinião, filha? Sua amiga está bem. Está crescendo, tem sonhos lindos, está na faculdade, vai abrir a estética e dar uma vida digna para o filho. Olha tudo o que ela conquistou vindo para cá. E o que teria se tivesse ficado lá? Só tragédias. Ela teria visto a mãe morrer, teria se envolvido nas guerras. Eu conheço mulheres de traficantes… nenhuma tem vida fácil.
Sem esperar minha resposta, começa a apagar as mensagens.
— Mãe, não! — protesto.
— Fique fora das redes sociais — ela continua, apagando até meu i********:. — Você quer prejudicar sua amiga e seu afilhado? Então vá lá e conte a verdade.
Fico em silêncio, olhando para ela.
Julia desce as escadas com brilho nos olhos, segurando a bolsa.
— Ai, meu Deus, estou animada! Já estou levando até o dinheiro da inscrição. Não sei nem como agradecer a ajuda de vocês. Estou feliz demais.
Minha mãe sorri e disfarça.
— Estou louca para fazer todos os procedimentos da clínica mais nova da cidade — diz para ela.
Talvez minha mãe tenha razão. Julia está feliz, conquistando coisas, sonhando alto. Eu jamais a abandonaria. E, como prometi, sempre estarei ao lado dela e do Pedro.
Do lado de fora, ficamos esperando enquanto Julia fazia a inscrição. Minha mãe se aproxima de mim.
— Pensou no que eu disse?
— Pensei.
Ela aponta para Julia.
— Olha lá… sua amiga conquistando o mundo. Eu conheço muitas mulheres que se envolveram com bandidos, filha. Todas sofreram. Julia é uma flor, como você. Eu não quero esse destino para nenhuma de vocês. Mesmo não tendo sido a melhor mãe, eu amo você demais, Maiara.
— Eu sei, mãe. Eu também te amo — respondo, emocionada.
Olho para Pedrinho no carrinho, rindo para as nuvens. O céu nublado tornava a caminhada ainda mais agradável. Cada vez mais esperto, cada vez mais meu afilhado querido. Eu amava Julia como a uma irmã. Amava Pedro como se fosse meu próprio filho.
Marisa narrando
Julia voltou radiante depois de se inscrever no curso. Nossa mãe não pôde fazer muito por nós porque aquele homem nojento, o velho Antônio, arrancou tudo dela. Mas agora ela tentava fazer diferente com Julia. Queria dar a ela a chance de estudar, de ter um futuro melhor.
E eu não iria dizer a Kaio que descobri o paradeiro da nossa irmã. Não. Eu iria apoiar Julia, ajudá-la a conquistar o mundo, mantê-la longe do morro.
Porque, se ela descobrisse a verdade, se soubesse que eles ainda estavam vivos… voltaria para o Rio de Janeiro.
E, se isso acontecesse, Maiara também voltaria.
No Rio de Janeiro, dentro do morro, eu sou uma traidora. Se descobrirem, se ligarem meu nome às minhas escolhas, poderiam se vingar da minha filha.
E eu jamais colocaria a vida da minha filha em perigo… por causa das minhas burradas.