capítulo 3 Kevão

950 Palavras
CAPÍTULO 3 – O MORRO TEM DONO, E É O DEMÔNIO EM CARNE VIVA Narrado por Kevão A quebrada fervia de medo. O cheiro de pó, sangue azedo e esgoto podre misturava no ar. E eu, sentado no meu trono de plástico sujo, cuspia fumaça na cara da favela inteira. Sou o rei dessa merda. Não porque pedi. Porque arranquei no braço, no berro e na bala. Meu nome é Kevão. No papel é Kevin Elias dos Santos. Mas aqui no Morro Azul, papel não vale nem pra limpar a b***a. Aqui quem manda é quem mata mais rápido e sorri depois. E eu? Eu sou o sorriso do d***o nessa p***a de favela. ** Filho do Caveira. Homem que me ensinou cedo que abraço é armadilha. Que lágrima é convite pra morte. Vi meu pai quebrar braço, arrancar dente, enfiar faca no pescoço de n**o que tossia errado na frente dele. Eu cresci aprendendo que quem sente... morre. Que quem sonha... é enterrado de madrugada, num beco qualquer, embrulhado em lençol velho. ** Caveira caiu. Traído. Apodrecendo no buraco que eu mesmo mandei cavar. Chorei? Não. Cuspi na cova dele e fui t*****r com a primeira p**a barata que achei. Porque aqui, quem enterra inimigo, comemora no g**o. ** Hoje o Morro Azul respira por minha causa. Respira porque eu deixo. E quem ousa desafiar... nem respira mais. ** A boca tava no ritmo certo. Menor embalando papelote. Radinho chiando senha. Dinheiro pingando de mão suja pra mão suja. Eu tragava o cigarro como quem respira pecado. Até Rato se enfiar na minha frente. — Patrão... deu r**m. — Fala, c*****o — respondi sem tirar o cigarro da boca. — O Bira... o noiado... não pagou a parada. ** Fechei os olhos. Inalei a fumaça até queimar o pulmão. Soltei devagar, sentindo o gosto da morte. — Cadê esse filho da p**a? — Viela 7. Tá amarrado. ** Levantei devagar. Cada movimento meu era uma sentença assinada. Peguei a Glock, encaixei na cintura, e fui descendo a viela. Atrás de mim, a quebrada se calava. As mães puxavam filho pela camisa. As velhas trancavam as portas com tranca e reza. Sabiam. Onde Kevão pisa... a morte passeia de coleira. ** O beco fedia. Mijo, podre, resto de alma perdida. O Bira tava lá. Amarrado com fio de energia. Camisa rasgada. Calça suja de merda. Tremendo igual frango na mão de macumbeiro. ** Parei em cima dele. Dei um sorriso de canto. Aquele sorriso que até o d***o, lá do inferno, deve bater palma. — Qual foi, seu merda? Ele choramingou. — Patrão... eu... eu vou pagar... só me dá mais um dia... Dei uma gargalhada seca. Uma gargalhada que ecoou pelo beco morto. — Um dia? — Um dia pra cheirar mais? — Um dia pra morrer fedendo? Dei um chute no queixo dele. O Bira caiu de lado, cuspindo sangue e dente quebrado. ** Agachei perto dele. O cigarro ainda preso no canto da boca. Peguei o rosto dele com uma mão. Apertei até ouvir o osso estalar. — Aqui não tem fiado, filho da p**a. — Aqui a conta é paga no sangue. ** Levantei. Tirei a Glock. Sem discurso. Sem aviso. Só o clique frio da morte armada. ** O Bira gritou. Se mijou. Chorou. Eu só ri. — Chora mais, o****o. — Quero ver teu espírito se mijando quando tu bater na porta do inferno. ** E puxei o gatilho. PAH! A bala atravessou a testa dele. O crânio estourou como melancia podre. O sangue espirrou quente no meu tênis. Dei outro tiro. Só pra ver o corpo pular. Dei mais um. E outro. Até o tambor cantar. Porque aqui, no meu reinado, quem vacila... morre em silêncio sujo. ** Guardei a Glock. Cuspi no cadáver. — Alguém limpa essa merda. — falei pros menor, sem nem olhar. E voltei andando. Com o gosto da pólvora ainda queimando na boca. ** No caminho, os olhos me evitavam. As portas se trancavam. Era o medo que eu gostava. O medo que me alimentava. ** Cheguei de novo na boca. Me joguei no trono de plástico. Abri um sorriso cheio de nicotina, violência e desprezo. ** Rato se aproximou de novo. — Patrão… outra fita. — Fala logo, p***a. — Prefeitura vai subir amanhã. — E daí? — perguntei, cuspindo fumaça na cara dele. — Vão abrir oficina de dança pras criança. — Que se f**a. — Tem uma mulher vindo. Gordinha. Fala bonito. Rebeca, parece. — Conheço não — rosnei. — E nem quero conhecer. ** Ele coçou a cabeça. — Dizem que é irmã de um tal de Fábio. Fábio. Morto. E enterrado. Tanto faz. ** — Quer ensinar dança? — ri. — Vai ensinar a rebolar no próprio velório. Canela riu, nervoso. Outro tossiu no canto. ** — Deixa essa gorda subir — falei. — Quanto maior o salto… maior a queda. ** Fiquei ali. Sentado no trono. Fumando. Ouvindo o morro respirar meu nome. ** O Morro Azul é meu. Cada viela, cada buraco, cada sonho quebrado. E amanhã, quando essa otária pisar aqui achando que vai mudar alguma coisa... Eu vou sorrir. Eu vou rir do fracasso dela. Eu vou ver a esperança dela sangrar. ** — Amanhã... — falei alto, pra todo mundo ouvir — — Amanhã a favela vai sorrir bonito... (pausa) — Mas quem sorri mais sou eu... mijando no sonho de quem pensa que pobre tem salvação. ** E soltei a fumaça. Preta. Pesada. Cheirando a morte. ** Kevão. Filho do Caveira. Filho da p**a. Demônio parido pelo próprio morro. ** Amanhã... A esperança vai gemer antes de morrer. E eu? Eu vou gozar rindo em cima dela.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR