Capítulo 4

2168 Palavras
Serena O aperto que cresce no meu peito é sufocante, como se uma onda gigante estivesse prestes a quebrar sobre mim, arrastando-me com violência. Salvatore se torna uma mancha embaçada diante dos meus olhos, e as paredes da igreja giram em redemoinhos enquanto meus joelhos cedem. Por que isso está acontecendo comigo? Tudo que um dia me importou foi arrancado debaixo dos meus pés, e não há absolutamente nada que eu possa fazer. Quero explodir. Gritar. Que se dane tudo isso. Só preciso respirar fundo — uma, duas vezes — para me recompor. — Vai ficar tudo bem, Serena. Apenas faça o que eu mandei. — A voz de Salvatore é calma, estoica como sempre. Há algo no tom dele, naquela confiança silenciosa, que me diz que, mais uma vez, ele sabe muito mais do que eu. Em vez de dizer qualquer outra coisa, ele apenas acaricia meu ombro, me puxa para perto e deposita um beijo na minha testa antes de se afastar um passo. Viro-me então para encarar meu pai — o próprio Don Mancini — que me observa com uma mistura de frustração e impaciência. É o mesmo olhar que me lançava na adolescência, sempre que eu ousava desobedecer. Ele nunca aceitou um "não". E agora, ele exige minha submissão como se fosse óbvio. Mas minha raiva está fervendo, como um míssil guiado por calor, buscando um alvo — e todos ao meu redor são possíveis candidatos. — Serena, querida, o que você pensa que está fazendo… — começa ele. Eu o interrompo antes que possa terminar. — O que estou fazendo é sacrificar a minha vida por esta Família. E ninguém — absolutamente ninguém — tem coragem de me contar qual é o maldito plano! Meu pai suspira e se inclina em minha direção, sussurrando como se Dário não estivesse a poucos metros de nós. — Apenas faça o que lhe foi mandado. Você sabe que Shayra jamais hesitaria. Ela faria o que fosse necessário. Sem questionar. Não estrague isso para nós, Serena. — Shayra está numa cela imunda por exatamente isso: por fazer sem questionar! — rebato, tentando manter minha voz baixa. — Só... só me deixa em paz por um tempo. Não quero olhar pra nenhum de vocês. Nem pra você. Empurro meu pai com um gesto instintivo e me viro, saindo da igreja em passos duros, sem olhar para trás. Me pergunto se ele vai me impedir. Mas não. A única pessoa que me segue é meu novo marido. Me viro para detê-lo, e é aí que tudo muda. É quando reconheço o poder, a presença, a ameaça. Dário Castellano. Sua altura imponente. O rosto perigosamente bonito, marcado por uma cicatriz discreta em meio à barba — quase imperceptível de longe, mas ainda assim intrigante. Ele exala autoridade. Poder. Uma força que me paralisa. Cada passo que ele dá em minha direção é um passo que me afasta de mim mesma. A posição que minha família me colocou não se compara ao perigo que sinto agora, estando diante dele. Até que não há mais para onde recuar. Minhas costas pressionam contra a lateral do carro dele. O motorista está alguns metros adiante, fingindo não ver nada. Meu coração dispara. Será que ele vai me beijar de novo? Meu corpo clama pelo toque, pela proximidade dele — mas minha razão grita para que eu não me renda. — Vou te levar para casa, meu amor. — — Não me chame assim — aviso, ríspida. Mas ele apenas toca meus lábios com um dedo, silenciando qualquer outra palavra. — Vou te chamar como quiser, Serena. Precisamos que todos acreditem que este casamento é real. Todos. Agora. — Dário suspira, abrindo a porta para mim. — Entra no carro. Obedeço, deslizando para o assento de couro macio como seda. Um luxo que brilha para encobrir o horror por trás das cortinas. Essa vida glorifica a venda da alma em nome da lealdade. Dário contorna o carro e troca algumas palavras com seu motorista. Em poucos minutos, seguimos para um brownstone em Midtown Manhattan. O silêncio entre nós é tão espesso quanto as paredes do poder que nos cercam. Dário mexe no celular — e-mails, mensagens. Com quem ele fala? Sobre mim? Ou sobre negócios? Serei esposa... ou apenas fachada? Ao chegar, Dante — o motorista — abre a porta para mim. Dário já está de pé, olhando a rua com atenção. Seu guarda-costas — ou futuro conselheiro — analisa tudo com os olhos, atento a cada rosto. O prédio é um brownstone clássico, elegante, como os outros ao lado. Sei que Dário oficialmente mora no vinhedo, mas este lugar, em pleno Manhattan, é um símbolo. Um território que deveria ser nosso. Ele segura minha mão. E, por um momento, examino rostos também, como se pudesse prever traições. Entramos. O barulho da cidade desaparece assim que a porta preta se fecha. E eu perco o fôlego. O interior é um espetáculo de luxo contido. Tijolos expostos, uma escada flutuante branca, vidro fosco, aço e madeira escura. Estendo a mão para uma porta, curiosa, mas Dário me detém. — Dante vai te mostrar a casa. Esta é a porta do meu escritório. Nunca entre aqui sem permissão. No resto da casa, você pode ir onde quiser. Ele desaparece lá dentro. E me deixa com Dante. — Dante? Você tem um sobrenome? — pergunto, ainda com as emoções à flor da pele. — Vitale, Sra. Castellano. Por favor, venha comigo. — Serena. Apenas... Serena. Ele assente. — Serena. Caminhamos. Tiro os saltos. O chão de madeira escura é quente sob meus pés. A sala é ampla, moderna, com estantes embutidas, livros — muitos de Direito —, e uma cozinha integrada que me desperta uma vontade súbita de cozinhar algo. Cozinhar sempre foi meu refúgio. — Obrigada. E onde vou dormir? Minhas roupas estão aqui? Posso sair? Voltar para casa? As perguntas saem em rajada. Dante responde com um gesto em direção à escada. No segundo andar, ele aponta para três portas. — Essa é minha. Se sentir perigo, é o quarto mais seguro da casa. — Perigo? — pergunto, os olhos arregalados. — Dário confia sua vida a mim. Isso inclui proteger você. Se algo acontecer, este será seu quarto do medo. E eu estarei... defendendo essa Família. Ele abre a porta. Cômodo simples, mas com telas exibindo quase todos os cantos da casa. Depois, aponta para a porta do meio. — Este é seu quarto. O outro é do Dário. Recomendo fortemente que não entre sem permissão. Um som ecoa em seu bolso, fazendo-o pegar o telefone. Ele sai abruptamente para o quarto, me deixando sozinha, sentada no silêncio desconfortável de ser a esposa de Dário Castellano. A p***a da esposa dele. Penso em Dante atendendo ligações, provavelmente de Dário, que ainda está nesta casa. A ideia me incomoda. Isso me faz puxar meu telefone. Quero ligar para meu pai e xingá-lo. Ou talvez conversar com minha mãe — se ela tiver alguma opinião própria além de repetir os mandamentos do Don Mancini. Queria que Shayra pudesse atender ligações, mas, infelizmente, essa liberdade não existe dentro de uma instituição prisional. Disco o próximo melhor número, alguém que não tem pele nesse jogo, mas que sempre me mantém com os pés no chão. Quando minha melhor amiga, Rosana Remington, atende, sou invadida por um alívio instantâneo ao ouvir sua voz. — E aí, menina. Já faz um tempinho. Como você tá? — Igual merda, dia diferente. Só que hoje... hoje eu sou a Sra. Castellano. — Espera aí. Repete isso. O humor de Rosana é sempre direto, afiado, tipicamente nova-iorquino — e me faz sentir falta da liberdade da nossa juventude. — Você ouviu bem, Rosana. — Isso é algo que você pode falar no telefone? Ou a gente precisa marcar um encontro? Rosana é uma das poucas pessoas na minha vida que, mesmo distante, posso contar tudo. — Está tudo certo. É... legítimo. Acabei de passar quase meia hora com o padre Andrew na Igreja de São Cristóvão jurando amor eterno ao Dário Castellano. Assinei os papéis. Tudo protocolado na prefeitura. — p**a merda. — Ela suspira fundo antes de continuar. — Ele é gato, mas que p***a é essa, Serena? Achei que pelo menos eu ia ser sua madrinha ou algo assim. — Ótimo, Rosana. Faz tudo ser sobre você, por favor. — Reviro os olhos, olhando ao redor do quarto. O ambiente não está exatamente vazio. O piso de madeira cinza claro se estende em espinha de peixe por debaixo de uma cama queen elegante. As paredes de tijolo aparente são tão escuras quanto as da sala, e os móveis brancos e brilhantes lembram os da cozinha. O calor suave sob meus pés me faz perceber que ele pensou em tudo. Dário fez isso... para mim. Ou será que esse quarto sempre foi assim, só esperando a mulher da vez? Afasto o ciúme que ameaça se formar e volto à ligação com Rosana. Sua voz agora soa mais baixa, empática: — Primeiro... Eu sei que você foi ao instituto prissional hoje. Como está a Shay? — A imagem da perfeição. Como sempre. Ela surtou com Ali. Aqueles malditos animais. Quis contar pro meu pai, mas deixei a parte dela de fora. Ninguém me disse que eu ia me casar com o Dário até eu estar entrando na igreja. — Que droga. Sinto muito, querida. Bom... pelo menos ele é bonito, né? — Ele demitiu o Salvatore, e ninguém me conta o que vai acontecer agora. — Ando até uma janela que dá para um quintal estreito. A cerca preta separa a casa de outra atrás. A vista é quase nula, mas a luz que entra atinge uma mesinha posicionada diante da vidraça. Uma lareira elétrica brilha na parede em frente à cama. O calor continua acolhendo meus pés doloridos. — Você precisa mostrar que é mais do que um rostinho bonito pra essa família. Mostre pro seu pai — e pro Dário — que você é tão valiosa quanto a Shay. Posso ajudar com algo? Dou uma risada fraca. — Só continue sendo você. O Dário parecia bravo quando percebeu que eu não fazia ideia do casamento. Como se tivessem escondido isso dele também. — Não se sinta m*l por isso. Esses homens querem mulheres dóceis. O fato de não te contarem nada complica o trabalho dele, seja qual for. Se você e Shay estão bem, você vai sobreviver. Mas chega de mim. Vá conversar com o seu marido. Dá pra ouvir as perguntas martelando na sua cabeça daqui. — Você tem razão. Talvez, se eu puder ajudar com alguma coisa entre as Famílias, consiga desfaçar esse casamento. — Isso aí, garota. Vai nessa. Te amo. Fica segura. — Também te amo. Desligo e termino de explorar o quarto. Um corredor leva a um closet aberto que se estende até um banheiro luxuoso, com mármore preto, pias duplas e um chuveiro embutido atrás de uma parede de vidro. Uma banheira com pés de garra repousa num canto. Quatro portas embutidas formam um corredor. Banheiros duplos: um meu e um dele. — Que chique. Ninguém deveria dividir banheiro mesmo. — Rio sozinha. Abro uma porta e encontro um armário de roupas de cama. A outra está trancada, mas parece levar ao quarto de Dário. Uma suíte Jack and Jill certamente supera dois banheiros minúsculos separado. Só o chuveiro parece acomodar cinco pessoas. Depois de me refrescar, prendo o cabelo num coque frouxo e vasculho o closet. Todas as roupas servem em mim. Novas. Etiquetas intactas. Isso tem o dedo do meu pai e do Salvatore. Segredos demais dos homens que deveriam me proteger. Isso me enlouquece. Ainda assim, visto uma calça de ioga e uma regata. Conforto acima de tudo. Há uma porta estreita entre o corredor e o criado-mudo ao lado da cama. Penso que seja outra despensa. Mas não — é um elevador. Não resisto. Entro. Espaço suficiente para três pessoas, no máximo. A casa tem três andares... curioso. Aperto o botão do porão, imaginando encontrar uma adega luxuosa. Quando a porta se abre, luzes brancas e vermelhas suaves inundam o espaço. A sala exala paixão. Poder. Domínio. Crua energia s****l. Um X preso à parede salta aos meus olhos. Poltronas, mesa, colunas ao redor de uma cama de plataforma com cabeceira de ferro. Um banco de couro preto aos pés da cama parece convidar — ou advertir. Meu coração dispara. No banco, objetos que poderiam ser brinquedos... ou armas. Um chicote preto, pesado, com três pontas trançadas, repousa ali. Intrigante demais para ser ignorado. — Com quem diabos eu casei? — murmuro. Estou absorta quando escuto passos. Dário aparece atrás de mim, rápido como um raio. Segura meu pulso com força, tira o chicote da minha mão e, antes que eu possa reagir, estou algemada à cabeceira da cama. Seu olhar de predador me fixa, intenso. Meu corpo inteiro arrepia ao imaginar as incontáveis maneiras pelas quais ele poderia me consumir.
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