Nikolas
— Dr. Magnusson? — Sua voz, baixa e modesta, ecoou em meus ouvidos. — Você está ouvindo?
Eu estava, mas sentia uma curiosa sensação de estar desconectado do meu corpo. Ainda não era noite e eu já estava agitado por causa de toda a cafeína no meu organismo. As últimas noites tinham sido agitadas e sem dormir. Mas esse não era o motivo principal.
Minha audição tentava compreender as palavras que a oradora à minha frente moldava com sua boca macia e pequena. Eu nunca tinha visto alguém tão inconvencionalmente bonita. Seus olhos eram de um cinza espectral, quase glaciais em sua transparência. Ela parecia um fantasma vivo.
O arco de suas sobrancelhas continha a pergunta que ela havia feito e esperava que eu respondesse, só que eu não a tinha ouvido direito. Ela estendeu a mão para tocar a pele nua do meu pulso. Dei um pulo e dei um passo rápido para trás, recuperando a consciência.
Eu estava do lado de fora do laboratório, com os braços cheios de anotações para a aula de hoje. Uma aula para a qual eu estava, por todos os meios, muito atrasado. Fiz uma careta.
— Desculpe, estou muito atrasado. — Comecei a andar rapidamente, esperando que aquela criatura estranha me deixasse em paz. Não me importava com a forma como ela me fazia sentir. Exposto. Sim, essa era a palavra certa.
Ela não pareceu se importar nem um pouco com a minha relutância em entretê-la e começou a andar ao meu lado. Orgulhosa demais para o meu gosto, pensei amargamente. Seu ego claramente compensava sua pequena estatura.
Legal, Nikolas. Invente todos os motivos que puder para odiá-la antes mesmo de conhecê-la.
Fiz uma careta. Talvez eu estivesse sendo muito duro com a novata.
— Você estava dizendo...? — perguntei, esperando que ela repetisse o que havia perguntado inicialmente.
— Sim, Dr. Magnusson. Li seu artigo sobre tratamentos com células regenerativas. É bastante inovador — começou ela, com um tom que refletia interesse genuíno. — A parte sobre o uso de células-tronco pluripotentes para reparar tecidos danificados foi particularmente fascinante.
Hum. Tínhamos muitos alunos sérios neste instituto. E também havia alguns outros com uma propensão particular à bajulação. Mas por que a novata me bajularia? O que ela ganharia com isso?
Por enquanto, fiz a gentileza dela.
— Esse é um dos aspectos mais promissores. A capacidade dessas células de se diferenciarem em qualquer tipo celular nos oferece inúmeras possibilidades terapêuticas.
— Mas seu artigo mencionou riscos potenciais — ela ressaltou.
E aconteceu. Lembrei-me das horas que passei confinado no laboratório de pesquisa, parado, imóvel, com o foco exclusivamente na placa de Petri sob o microscópio.
As horas tardias eram irrelevantes em comparação com o que eu esperava aprender. Infelizmente, as células na placa de Petri não se multiplicaram da maneira controlada e precisa que eu esperava. Em vez disso, espalharam-se pela placa como um universo incontrolável em expansão. Elas haviam se desviado do caminho pretendido. Se não fossem controladas, isso significava que poderiam levar a teratomas, tumores com intenções imprevisíveis.
— É um desafio significativo — comentei friamente, embora internamente estivesse impressionado com o quão minuciosa ela era. — Mas estou explorando técnicas de edição genética que podem ajudar a aumentar a precisão da diferenciação celular.
A novata ficou em silêncio por um momento. Viramos uma esquina.
— Então, editando genes específicos — continuou ela —, você teoricamente guiaria as células-tronco com mais precisão?
— Sim.
— Engraçado como achamos que podemos controlar a vida — observou ela calmamente. — De certa forma, você está brincando de Deus, não é?
Parei no meio do caminho.
— Por que você diz isso?
— Você está traçando caminhos para criaturas vivas que são externas a você — ela respondeu lentamente. Seus olhos cinzentos não demonstravam nenhum sentimento, nenhuma luz. Era estranhamente perturbador. — É uma forma de estar no controle.
Pigarreei, desconfortável.
— Se quiser — disse eu, mais para mim do que para ela —, pode assistir a uma das minhas aulas e ter uma ideia do que fazemos aqui.
— Ah, tá. — Ela franziu a testa. — Posso ser ouvinte das aulas dos outros?
— Claro que sim — respondi, apressadamente. — Somos todos uma grande e feliz família aqui.
Eu tinha chegado à minha sala. Os alunos estavam entrando, alguns lançando olhares curiosos em nossa direção. A novata parou ao mesmo tempo que eu e me lançou um olhar morno. Havia um lampejo do que parecia muito com desgosto em seus olhos.
Droga, ela me faz sentir como se eu estivesse de volta à escola e prestes a ter as calças abaixadas.
— Não que eu esteja te forçando nem nada — apressei-me em acrescentar. — É só algo que você pode fazer, se quiser.
— O que você deseja? — Ela me lançou a pergunta, repentina e inesperada.
— Hã? — Eu estava perfeitamente ciente de que estava começando a soar como um peixe fora d'água.
Ela mordeu o lábio inferior, examinando meu rosto com aquele olhar cinzento.
— Quer dizer, você gostaria que eu assistisse a uma de suas aulas?
Eu estava perdido.
— Claro, se você quiser — repeti mais uma vez. — Como eu disse, precisamos fazer com que os novos participantes se sintam em casa.
— Fazendo-os assistir às aulas? Isso... não é a mesma coisa que cerveja e conversa, mas quando em Roma, eu acho. — Sua resposta foi seca a ponto de ser servida com gelo.
Certo, esse ser estranho estava me dando nos nervos. Franzi as sobrancelhas para ela.
— Estou mesmo atrasado. Então, se você não quiser ir a esta aula...
— Por favor, com licença.
— O senhor está muito longe de casa, Dr. Magnusson — ela respondeu, interrompendo completamente a conversa.
Eu pisquei.
— Você já se sentiu solitário?
Que p***a é essa?
Afastei-me dela. Egoísta e intrometido. Não precisava mais daquela mulher na minha vida. Ela era problema.
— Obrigado por me acompanhar até a aula — gritei por cima do ombro. — Mas você parece não ter limites. Eu valorizo minha privacidade.
A resposta dela me fez parar no mesmo instante.
— Tudo bem. Vou te deixar em paz.
A maioria teria se apressado em se desculpar ou se ofendido com a minha escolha de palavras. Eu esperava que ela respondesse com algo estridente e mais afetado. Quase tropecei ao me virar para olhá-la. Ela recuava com um passo lento e imperturbável, quase se afastando. Não pareceu nem um pouco ofendida.
Observei-a caminhar languidamente para longe, só me lembrando de que tinha uma aula para dar quando uma mão familiar bateu no meu ombro. Loius, com cara de quem não montava em um ser vivo havia três dias. Conhecendo Loius, aquilo era semelhante a uma vida inteira de abstinência. Ele parecia nitidamente irritado.
— O que a novata te disse? — ele perguntou, emburrado a ponto de fazer beicinho. Franzi a testa.
— Eu não estava ouvindo. — Por algum motivo, eu não queria compartilhar nada da nossa conversa. Pelo menos ainda não.
Loius respondeu com um olhar petulante.
Suspirei fundo. Não havia como escapar da discussão inevitável em que ele revelaria tudo o que faltava na minha vida. Mas isso teria que esperar.
— Loius, falo com você depois da aula.
Antes que ele pudesse pensar em uma resposta que me impedisse, eu desapareci.
Foi muito mais difícil me concentrar no tema da aula de hoje. Fiquei feliz quando ela terminou e saí, sentindo o aroma de cafeína que pairava no ar da noite. Ótimo. Café seria uma distração bem-vinda de tudo aquilo. Dela.
— Estamos tendo essa discussão, Nikolas.
Ah, droga.
Loius estava lá fora, encostado na parede com um sorriso especulativo no rosto.
— Preciso de café — comentei.
— Quem disse que não? — Ele se afastou da parede, e nós dois começamos a caminhar em direção ao pequeno refeitório do instituto, localizado no último andar, que também abrigava as unidades de Oncologia e Medicina Regenerativa.
Mantivemos um silêncio estoico até que eu tivesse uma xícara de bebida quente nas mãos. Sentei-me num assento no canto, perto de uma janela. Loius pegou um croissant e uma xícara de chá com leite.
— Eles fazem isso de manhã.
— E daí? — perguntou ele, erguendo uma sobrancelha. — Não os torna menos folheados ou deliciosos.
Ele mordeu o pão amanteigado, arrancando cerca de metade de uma só vez.
— Você também mastiga como uma hiena raivosa — observei casualmente, tomando o café escaldante. Tomei um gole. Estava quente o suficiente para rivalizar com a sensação do inferno. Mas eu gostava assim. — Continue — suspirei relutantemente.
— Ela poupou mais tempo a você do que a mim — ele reclamou imediatamente.
— Não estou surpreso. Você não parece o tipo dela.
Loius praguejou em italiano curto e colorido. Decidi que não merecia resposta.
— Seu i****a — continuou ele, falando com a boca cheia de pão. — Não sou eu que vou me engasgar com a comida.
— Ela literalmente se aproximou de você por conta própria, e você nem pensou nisso?
— Pensando em quê, Loius? — Esfreguei os olhos, cansada. Eu tinha muito trabalho para fazer, e aquela hora da noite geralmente era o único descanso que eu tinha.
Não hoje, não quando Loius estava praticamente respirando no meu pescoço, sabendo que eu não podia simplesmente levantar e ir embora.
— É isso — Loius disse lentamente, com um olhar cúmplice. — Ela. Uma mulher, recém-chegada ao campus, procurando um mentor, talvez alguém para guiá-la, para lhe mostrar o caminho. Você precisa ver — ela obviamente se interessou por você.
Tomei outro gole e tentei me lembrar do que mais ela havia dito antes de se concentrar na pesquisa com células-tronco.
— Seu interesse era em células regenerativas.
— Tratamentos para crianças com câncer — lembrei em voz alta. — Ela estava curiosa sobre os potenciais efeitos colaterais na saúde mental de pacientes jovens.
Loius revirou os olhos com tanta força que perdi a visão da íris dele por um segundo.
— É sério que você está aí sentado me dizendo que ela está a fim do seu trabalho? Por que eu não pensei nisso antes?
— Você está sendo sarcástico — observei, cansado.
— E você está sendo um t**o — respondeu ele, gentilmente. — É novidade garotas bonitas bajulando rapazes mais velhos na Dinamarca?
Olhei para ele com os olhos semicerrados.
— Então, você está azedo? Vou arriscar um palpite e dizer que é porque você quer entretê-la, e ela não está interessada?
— f**a-se — ele respondeu bem-humorado.
— Não responde à minha pergunta.
— Bem, sim — respondeu ele, recolhendo as migalhas no prato. — Mas não vamos perder de vista o principal. Estou cuidando de você. Sempre cuidei.
É verdade. Loius e eu não tínhamos muitos anos de diferença. Na verdade, eu era mais velho que ele. Mas no nosso primeiro dia no Instituto, ele me viu definhando num bar com os olhos vermelhos e decidiu que precisava ser meu mentor.
Eu não tinha pedido por isso, mas com o tempo passei a apreciá-lo. Minha amizade com ele era como um casaco num dia frio. Era algo que você veste sem pensar muito, mas também algo de que não se pode abrir mão.
Empurrei a cadeira para trás e me levantei com um sorriso irônico.
— Claro, eu nunca questionei sua perspicácia, Loius. O dever me chama. Preciso ir para o meu laboratório. Mas, se ela me procurar novamente, com certeza darei a entender que você está completamente apaixonado, morrendo de inveja por ela falar de negócios com qualquer pessoa que não seja você.
Loius fez uma careta e se levantou comigo.
— Eu te estrangulo se fizer isso. Vamos, eu te acompanho até o laboratório.
— Ela me deixa desconfortável — eu disse a ele enquanto nos aproximávamos do meu laboratório. — Mas isso pode ser porque ela está caçando, e eu não estou disposto a brincar de pega-pega.
— Tá brincando comigo? — Loius zombou. — Essa é uma das melhores coisas de cortejar uma mulher!
— Você se torna disponível demais — retruquei.
— Sim, sim. Eu sou um prostituto e você é um santo — ele deu um sorriso irônico, fingindo estar ofendido.
— Estou dizendo que talvez você precise tentar uma tática diferente com esta. Mas não tenho dúvidas de que vai conseguir o que quer. Vai lá, agora. Vai ser um sacana em outro lugar. Tenho trabalho a fazer.
Ele me fez um gesto de dedo médio e foi embora, curiosamente calmo, de um jeito que eu vagamente desejava conseguir imitar, mas sabia que era incapaz de fazer.
Loius sempre seria o conquistador mais popular em qualquer lugar em que estivesse, e se ele quisesse ficar com aquela garota com aqueles estranhos olhos cinzentos, então, sem dúvida, ele conseguiria no final.
Entrei no meu laboratório. Era o meu mundo, mas, enquanto estava ali, não conseguia me livrar de uma crescente sensação de vazio. Eu estava no instituto havia seis anos, liderando pesquisas sobre câncer. Meu trabalho era a minha vida, mas, fora do laboratório, não conseguia me lembrar de uma única conexão pessoal que importasse.
Tentei sorrir no reflexo do vidro. Foi estranho, forçado. Talvez fosse minha falta de elegância social.
Loius disse que eu não conseguia nem ler os sinais de uma mulher.
Mas aquela garota de olhos cinzentos perguntou sobre o meu trabalho, depois sobre mim. Quase baixei a guarda. A imagem dela pairava em meus pensamentos. Loius provavelmente a encantaria em breve, e ponto final.
Mas algo me incomodava, uma anomalia na minha vida organizada. O nome dela, o propósito dela, por que ela falava comigo.
Balancei a cabeça. Distrações, elas vinham e iam. Eu lidaria com isso como lidei com meus pais. Como lidei com todas as pessoas, na verdade. Porque perto das pessoas, a única coisa persistente era a rejeição persistente. Mesmo nos relacionamentos mais ternos, a constante primordial era uma pessoa rejeitando algo na outra e se esforçando ao máximo para mudá-la.
Não. Minha vida estava ótima. Voltei aos meus slides.
A novata ainda não era um problema. Mas se ela se tornasse um, eu faria o que sempre fiz.
Eu encontraria uma maneira de me livrar dela.