O domingo amanheceu diferente.
Não houve despertador, nem compromissos, nem aquela ansiedade silenciosa que costumava me acompanhar mesmo nos dias livres. A luz da manhã atravessava as cortinas da sala, desenhando faixas claras no chão de madeira. Por alguns segundos, fiquei deitado no sofá, olhando o teto, tentando entender aquela sensação nova de pertencimento.
Manuela dormia ao meu lado.
O rosto relaxado, os cabelos espalhados pelo travesseiro improvisado, a respiração tranquila. Observei-a por um tempo maior do que seria razoável, como se quisesse memorizar cada detalhe daquele instante simples e precioso.
Levantei devagar para não acordá-la.
Fui até a cozinha com cuidado, como quem protege um segredo. Abri as janelas, deixei o ar fresco entrar e comecei a preparar o café. Não porque fosse algo extraordinário — eu fazia isso todos os dias —, mas porque, naquela manhã, havia alguém para quem eu queria fazer aquilo.
Preparei tudo com calma. Café passado na hora. Frutas cortadas. Pão aquecido. Arrumei a mesa como se estivesse recebendo alguém importante — e estava.
Quando voltei para a sala, Manuela já estava sentada no sofá, usando uma camisa minha, me observando com um sorriso preguiçoso.
— Bom dia — disse ela, a voz ainda carregada de sono.
— Bom dia — respondi. — Espero que goste de café feito por mãos um pouco enferrujadas.
Ela se levantou e veio até mim, abraçando-me por trás enquanto eu colocava as xícaras na mesa.
— Eu gosto de tudo que se faz com intenção — murmurou, apoiando o queixo no meu ombro.
Sentamos juntos. Próximos. Confortáveis. Era estranho como tudo parecia encaixado demais para algo tão recente. Conversávamos entre um gole e outro, trocando sorrisos, pequenos toques, beijos rápidos — como se já fôssemos um casal há muito tempo.
Em determinado momento, Manuela ficou em silêncio por alguns segundos, girando a xícara entre os dedos.
— Eu vou precisar viajar na próxima semana — disse, por fim.
Levantei o olhar, atento.
— Viajar?
— Trabalho. — Ela fez um gesto vago. — Alguns eventos. Coisas que não posso adiar.
— Quanto tempo?
— Uma semana.
Houve uma pausa breve. Não dramática. Apenas honesta.
— É pouco tempo — completou ela, percebendo minha reação.
— Eu sei — respondi. — Só… não esperava.
Ela sorriu de leve, compreensiva.
— É parte da minha vida. Sempre foi.
Assenti, mesmo sentindo um incômodo discreto se formar. Não era ciúme. Era ausência antecipada.
Manuela se levantou da cadeira, caminhou até mim e, sem dizer nada, sentou-se no meu colo ali mesmo, na mesa do café. Envolveu meu pescoço com os braços, aproximando o rosto do meu.
— Não faz essa cara — disse, antes de me beijar. — É só trabalho.
— Eu sei.
Ela me beijou outra vez, mais demoradamente.
— Então vem comigo.
— Como é?
— Viaja comigo — repetiu. — Fica comigo essa semana.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, analisando a proposta. Não era algo que eu costumava fazer. Cancelar compromissos. Mudar rotinas. Mas, ao olhar para ela ali, tão próxima, tão segura, a decisão pareceu simples.
— Eu vou — disse.
Manuela sorriu como alguém que acabou de ganhar algo precioso.
— Eu vou adorar passar uma semana inteira com você — murmurou, inclinando-se mais perto. — Fazendo… amor.
A provocação veio com um brilho travesso nos olhos.
Inclinei-me levemente para trás, segurando-a pela cintura.
— Acho que podemos começar agora.
Ela riu, surpresa, mas não recuou.
— Leonardo…
Não a deixei terminar. Levantei-me com ela nos braços, colocando-a sobre a mesa com cuidado, como se fosse algo valioso demais para ser tratado com pressa. O beijo veio intenso, decidido, carregado daquela mistura deliciosa de desejo e afeto.
A manhã avançava, a luz se espalhava pela sala, e o mundo lá fora parecia distante. Não havia urgência. Não havia culpa. Apenas dois adultos que se queriam — e que sabiam exatamente o que estavam escolhendo.
Quando o tempo voltou a existir, estávamos novamente próximos, rindo baixo, trocando carinhos simples, como se aquilo fosse apenas mais um capítulo natural do que começava a se construir entre nós.
Manuela apoiou a cabeça no meu ombro, suspirando satisfeita.
— Acho que essa viagem vai ser uma péssima ideia — brincou. — Vou me acostumar com sua presença todos os dias e vou sentir sua falta antes mesmo de ir.
— Então é melhor aproveitar — respondi.
Ela sorriu, beijando-me outra vez.
Naquele domingo, entendi que alguns relacionamentos não começam com promessas. Começam com domingos assim. Leves. Íntimos. Reais.
E eu estava exatamente onde precisava estar.
O domingo seguiu como se tivesse decidido desacelerar só para nós dois.
Depois do café, ninguém teve pressa de fazer nada. A louça ficou na pia, o celular esquecido sobre a mesa, e a única decisão realmente importante foi escolher um filme qualquer para deixar passando na televisão. Não importava o gênero. Poderia ser comédia, drama, algo antigo que nenhum dos dois estivesse realmente assistindo.
O sofá nos recebeu de novo, largo o suficiente para caber dois corpos que pareciam ter esquecido a própria individualidade.
Manuela se aninhou contra mim, a cabeça apoiada no meu peito, uma perna jogada sobre as minhas. A camisa larga que ela usava — ainda minha — escorregava pelo ombro, revelando mais pele do que precisava. Não era provocação consciente. Era i********e recém-descoberta, confortável demais para ser contida.
— Isso é perigosamente bom — murmurou ela, mexendo distraidamente na barra da minha camiseta.
— O quê? — perguntei, fingindo não entender.
— A sensação de que não existe mais nada pra fazer hoje.
Sorri, beijando o topo da cabeça dela.
— Domingos servem pra isso.
O filme seguia passando, diálogos sendo ditos para ninguém ouvir de verdade. A mão dela começou a desenhar caminhos lentos sobre meu peito, como se estivesse apenas explorando, conhecendo. O toque não tinha pressa, mas carregava intenção.
Virei o rosto, encontrando o dela. O beijo veio natural, inevitável. Primeiro calmo, depois mais profundo, mais cheio de vontade. Manuela se movimentou sobre mim, buscando proximidade, como se aquele espaço mínimo ainda fosse insuficiente.
O sofá rangeu levemente quando nos ajeitamos melhor. Ela riu baixo, um riso cúmplice, antes de me beijar outra vez, mais demorado. As mãos dela seguraram meu rosto com firmeza, como quem não pretende ir embora tão cedo.
Não houve palavras. Só respirações que se encontravam.
O mundo foi ficando menor. O filme virou apenas som de fundo. A tarde avançava do lado de fora, mas ali dentro o tempo parecia dobrar sobre si mesmo.
Quando voltamos a nos ajeitar no sofá, já mais próximos, mais entregues, Manuela repousou a testa na minha.
— Eu nunca faço isso — confessou, a voz baixa. — Ficar assim… o dia inteiro.
— E está sendo r**m?
Ela sorriu, beijando meu maxilar.
— Está sendo perigoso.
A resposta dela ficou suspensa no ar por segundos antes de ser interrompida por mais um beijo, mais intenso, mais cheio. O tipo de beijo que não pede permissão porque já foi concedida.
Os movimentos eram lentos, quase preguiçosos. Nada apressado. Era como se estivéssemos descobrindo o corpo um do outro com a curiosidade de quem não quer perder detalhe algum. As mãos exploravam, os corpos se ajustavam, se reconheciam.
Quando nos afastamos novamente, o filme já estava na metade. Nenhum de nós saberia dizer exatamente o que havia acontecido na trama.
Manuela deitou de lado, me observando.
— Você percebe que estamos agindo como adolescentes? — disse, divertida.
— Adolescente nenhum sabe aproveitar um domingo assim.
Ela riu e se aproximou outra vez, beijando-me com aquela familiaridade recém-nascida que só existe no início de algo muito bom.
A tarde se estendeu assim. Entre carinhos, conversas baixas, beijos que começavam suaves e terminavam cheios de vontade. Entre momentos de silêncio confortável e risadas inesperadas.
Às vezes ficávamos apenas deitados, observando o teto, com os corpos entrelaçados. Outras vezes, o desejo voltava a se impor, pedindo atenção, pedindo presença. E nós atendíamos sem culpa, sem pressa, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
O sofá virou território compartilhado. O cobertor foi usado, abandonado, recuperado. O filme acabou. Outro começou. Nenhum terminou sendo realmente assistido.
Em determinado momento, já com a luz do fim de tarde entrando pela janela, Manuela estava deitada sobre mim, o rosto apoiado no meu peito, desenhando círculos lentos com os dedos.
— Eu gosto de você — disse, sem olhar para cima.
Não foi uma declaração grandiosa. Não precisou ser.
— Eu também gosto de você — respondi, com uma certeza que me surpreendeu.
Ela ergueu o rosto, os olhos brilhando com algo que era mais do que desejo.
— Gosta mesmo?
— Gosto do jeito que você ocupa os espaços. — Passei a mão pelos cabelos dela. — Gosto do silêncio contigo. Gosto desse caos tranquilo.
Manuela sorriu daquele jeito que parecia guardar segredos.
— Então é bom você se preparar — disse. — Porque eu pretendo ocupar mais domingos assim.
Puxei-a para mais perto, roubando um beijo lento, cheio de promessas que ainda não precisavam ser ditas em voz alta.
A noite caiu sem que percebêssemos direito. A cidade acendeu suas luzes, e nós continuamos ali, como se aquele domingo tivesse sido criado só para ensinar uma coisa simples e poderosa:
Quando duas pessoas se encontram no tempo certo, até um sofá velho vira cenário de começo.
E eu sabia, com uma certeza tranquila, que aquele era apenas o primeiro de muitos domingos que ainda viriam.