O restaurante já estava tão silencioso que chegava a ser engraçado. A trilha sonora suave, quase imperceptível, e o farfalhar de talheres ao longe vinham só de uma mesa isolada no canto — única outra ocupada além da nossa. Eu ri sozinho quando percebi que éramos, basicamente, as últimas pessoas ali.
Manuela percebeu ao mesmo tempo que eu. Ela deu aquela risadinha baixa, meio surpresa, ajeitando o cabelo atrás da orelha — um gesto que, por algum motivo bobo, me desmontava por dentro.
— Nós dois conseguimos esvaziar o restaurante — ela disse, brincando, apoiando o cotovelo na mesa e recostando o rosto na mão.
— Ou somos muito chatos… — respondi, com um sorriso que não consegui conter.
— Não, não somos — ela rebateu rápido, apertando os olhos de leve. — Acho que só… conversamos demais.
O jeito como ela disse isso fez meu peito vibrar de um jeito diferente. Como se “conversar demais” fosse algo íntimo, compartilhado, raro. A verdade é que eu nem lembrava da última vez em que tinha conversado tanto com alguém — e sem esforço, sem máscaras, sem protocolos sociais, só… sendo.
Eu não queria ir embora. E, pelos olhares, pelos sorrisos, pela forma como ela inclinava o corpo na minha direção, ela também não queria.
O garçom veio discretamente perguntar se queríamos algo mais — talvez o último suspiro antes da cozinha fechar — e nós dois dissemos “não” ao mesmo tempo. Rimos outra vez, cúmplices.
— Acho que devíamos libertar o pessoal — ela disse, pegando a bolsa.
— Acho que sim… — respondi, sem fazer o menor movimento para levantar. Ela percebeu.
— Vamos, doutor Leonardo. — Ela se levantou devagar, com um sorriso torto. — Ou vamos acabar ajudando a fechar o restaurante.
Levantei também, mas ainda com aquela sensação ridícula de que, se eu me movesse muito rápido, a noite ia acabar. A verdade é que eu estava… leve demais. Coisa rara pra mim.
O garçom nos agradeceu, Manuela agradeceu de volta, educada como sempre, e nós dois caminhamos lado a lado até a porta. Mas, chegando ali, algo aconteceu — ficamos presos.
Não literalmente, claro. A porta estava aberta, o vento da rua entrando, o estacionamento quase vazio. Mas nós dois simplesmente… paramos. Um de frente pro outro, sem saber muito bem como encerrar algo que estava tão confortável.
Era aquele tipo de momento que não precisava de palavra nenhuma pra dizer: eu não quero ir embora.
Ficamos ali conversando do lado de fora, como dois adolescentes adiando o adeus. O ar da noite estava agradável, aquele frio leve que pede aproximação. Manuela cruzou os braços, não por frio, mas por hábito — e ficou ainda mais linda.
— Sabe… — ela disse, olhando para o chão com um sorrisinho — eu não esperava que fosse me divertir assim hoje.
— Nem eu — confessei.
Ela levantou o rosto, me encarou, e aquele olhar… era diferente. Tinha brilho. Interesse. Talvez até curiosidade. E eu senti um pequeno arrepio percorrer minha nuca.
— Você é divertido — ela disse, como se estivesse fazendo uma constatação científica.
— E você é muito charmosa — completei, antes que minha razão me impedisse. Ela arqueou a sobrancelha.
— Charmosa?
— É.
— Como assim charmosa?
— Assim… — eu gesticulei, impotente — elegante, inteligente, cortês… Você tem uma presença que prende atenção.
Ela piscou devagar, como se deixasse minhas palavras entrarem. Depois riu baixinho.
— Eu vou fingir que acredito.
— Eu estou sendo sincero — respondi, firme.
O silêncio que veio depois não foi desconfortável. Foi… denso. Bonito. Parecia que a noite prendia a respiração com a gente.
E aí, por algum motivo que nem eu sei explicar, falei:
— Posso te acompanhar até o carro?
Ela hesitou por um segundo, mas não recuou.
— Pode — disse, com aquela voz baixa que me arranhava por dentro.
Fomos caminhando devagar pelo estacionamento do restaurante. As luzes refletiam no chão, criando aquele clima de filme — eu ao lado dela, ela perto, o perfume misturado ao da noite. E quanto mais caminhávamos, mais eu tinha certeza de que aquela mulher tinha aparecido na minha vida na hora certa.
Chegamos ao carro dela — um sedã preto elegante, muito a cara dela — e ela parou diante da porta, virando-se para mim. Não abriu ainda. Não entrou. Só ficou ali, olhando.
E, de repente, tudo ficou tão silencioso que eu ouvi o meu próprio coração.
Ela apoiou as costas na porta do carro, muito perto, e sorriu daquele jeito tímido que eu já sabia que era raro nela.
— Leonardo… — disse, quase como um suspiro.
— Hum?
Ela inclinou o rosto um pouco para cima. Eu sabia. Eu sabia exatamente o que aquele gesto significava. O que aquele olhar significava. E, mesmo assim, fiquei alguns segundos sem me mexer, talvez pra prolongar aquela tensão deliciosa.
Mas então ela deu o passo final.
Encostou a mão no meu peito, leve, apenas os dedos, como se quisesse pedir permissão, medir minha reação. Eu olhei pra ela, para aquela boca que me chamava desde a primeira frase trocada no bar da gala.
E ela sorriu.
Depois, sem pressa, se inclinou e me beijou.
Foi um beijo calmo. Elegante. Seguro. Um beijo que dizia eu quero, mas também dizia estou com você no tempo certo. As mãos dela subiram devagar para o meu rosto, e eu toquei sua cintura com cuidado, sentindo o corpo dela relaxar contra o meu.
Era quente. Suave. Delicado e intenso ao mesmo tempo.
Um daqueles beijos que não parecem o primeiro. Parecem o tipo de beijo que você dá em alguém que já conhece há tempo suficiente pra confiar — e desejar.
Eu podia jurar que o mundo tinha desaparecido. Era só ela, e a respiração dela, e o gosto suave do vinho ainda nos lábios, e o perfume que grudava no meu pescoço.
Quando ela se afastou, ainda segurando meu rosto entre as mãos, estava sorrindo daquele jeito que desmonta a gente.
— Obrigada pela noite — disse, baixinho.
Eu ainda estava com o coração tropeçando.
— Eu é que agradeço.
Ela riu, abriu a porta do carro, mas antes de entrar, me olhou outra vez por cima do ombro.
— Boa noite, Leonardo.
— Boa noite, Manuela.
Ela entrou. Ligou o carro. Eu dei um passo para trás. E quando ela saiu dirigindo, tive certeza de duas coisas:
Eu estava completamente perdido por aquela mulher.
Aquela noite ia me acompanhar por muito tempo.
Fiquei ali parado, sozinho no estacionamento vazio, com um sorriso i****a no rosto. Sentindo o sabor do beijo ainda na boca. Sentindo o corpo elétrico.
E, pela primeira vez em muito tempo, sentindo expectativa.
Aquela mulher tinha bagunçado meu eixo inteiro.
E eu não queria arrumar nada.