A mensagem de Manuela ainda brilhava na tela do meu celular.
Pequena, simples, e mesmo assim tinha o poder de me roubar o foco de tudo ao redor.
Eu a lia pela terceira vez, talvez pela quarta — e, a cada leitura, parecia que as palavras mudavam de tom.
Na primeira, eram só agradecimento.
Na segunda, havia charme.
Na terceira, um convite disfarçado.
Fiquei ali, sentado na poltrona do consultório, a caneta entre os dedos, olhando para o nada enquanto a mente tecia hipóteses.
Como ela teria reagido ao ver o buquê?
Teria sorrido? Ficado surpresa?
Ou simplesmente pensou que eu estava sendo educado demais?
Suspirei, encostando o celular sobre a mesa.
Era um gesto mínimo — apenas flores e um cartão.
Mas, depois de anos de rotina seca, o mínimo parecia enorme.
Estava prestes a retomar um relatório quando a porta se abriu abruptamente, sem aviso.
— Bate à porta, Nathan — murmurei, sem nem precisar olhar. — É assim que funciona em locais civilizados.
— Civilizados? — a voz dele veio carregada de ironia. — Meu caro doutor Duarte, civilizado é quem não esconde segredos de um amigo fiel como eu.
Levantei os olhos.
Nathan estava encostado no batente, com aquele ar insolente e o mesmo sorriso de sempre — o sorriso de quem sabe que vai causar confusão.
Terno impecável, gravata torta, o cabelo desgrenhado de propósito.
A elegância dele era a de quem não precisa se esforçar — o tipo de charme que irritava e divertia ao mesmo tempo.
— Não estou escondendo nada.
— Ah, não? — ele fechou a porta atrás de si, cruzando os braços. — Então quer dizer que é normal um médico sóbrio, viúvo e metódico mandar flores para uma mulher misteriosa e não contar pro melhor amigo?
Suspirei.
— Marta.
— Exatamente, Marta — ele confirmou, sorrindo. — Uma funcionária exemplar, mas com a língua mais solta que tampa de panela.
— Ela não tinha o direito…
— Tinha sim, Leonardo! — ele me interrompeu, rindo. — Depois de anos te vendo feito um monge tibetano, qualquer sinal de vida sentimental é notícia de primeira página!
Balancei a cabeça, exasperado.
— Você não tem mais o que fazer, Nathan?
— Tenho, claro. Mas nada é mais divertido do que ver você tentando fingir que não está interessado nessa tal de Manuela.
O jeito como ele pronunciou o nome dela — arrastando, provocando — me fez sorrir, mesmo que a contragosto.
Nathan percebeu.
— Ahá! — apontou o dedo, teatral. — Eu vi esse sorriso.
— É o reflexo da luz.
— Reflexo, é? — ele se jogou na poltrona à frente da mesa. — Me poupe, Leo. Você está sorrindo feito adolescente que acabou de receber bilhete na escola.
Revirei os olhos.
— Você é insuportável.
— Eu sou o realista da história. E o realista está dizendo: chama essa mulher pra sair antes que outro chame.
Tentei manter a compostura, mas ele falava com aquela convicção irritante que, no fundo, sempre acabava me vencendo.
— Nathan, eu nem sei se ela quer isso. Ela só mandou uma mensagem de agradecimento.
— Agradecimento? — ele arqueou a sobrancelha. — “As flores são lindas, o bilhete é elegante, está me deixando em desvantagem”? — ele recitou, palavra por palavra, imitando uma voz feminina exagerada, enquanto lia no meu celular. — Isso é flerte, Leonardo!
— Isso é educação.
— Educação é o que ela aprendeu em casa. Isso aí é química.
Ri baixo, sem querer.
— Você tira conclusões rápidas demais.
— E você pensa demais. — Ele se inclinou pra frente, apoiando os cotovelos na mesa. — Escuta: quando a vida te dá uma mulher interessante, que te faz rir e ainda manda vinho francês, você não agradece com silêncio. Você agradece com jantar.
— Você é mesmo impossível.
— E você é um caso perdido. — Nathan levantou, ajeitando o paletó. — Mas eu me recuso a ver o homem que salvou vidas deixar escapar uma chance de salvar a própria.
Fiquei quieto por alguns segundos.
Ele se aproximou da mesa e bateu de leve na tampa do celular.
— Pega esse aparelho e faz o que eu sei que você quer fazer desde que leu a mensagem.
— Nathan...
— Agora, Leonardo.
Havia uma firmeza divertida no tom dele, e — por algum motivo — me rendi.
Peguei o celular.
Abri a conversa com Manuela.
O cursor piscava, vazio.
Por um instante, pensei em desistir.
Mas então, lembrei do olhar dela na gala, do riso leve, do jeito sincero com que me agradeceu por tê-la acalmado no trânsito.
E escrevi.
“Manuela,
acho que já podemos trocar flores e bilhetes por um jantar.
Que tal?”
Olhei para a tela.
Nathan se inclinou para ler por cima do meu ombro.
— Direto, elegante e irresistível. Perfeito. — Ele sorriu. — Envia.
Respirei fundo e toquei “enviar”.
O som discreto da mensagem partindo ecoou na sala como um pequeno disparo.
Nathan ergueu os braços, triunfante.
— Finalmente! Aleluia! — deu uma risada alta. — Senhoras e senhores, Leonardo Duarte voltou ao jogo!
— Você é ridículo.
— Ridiculamente eficiente — respondeu, pegando o celular dele. — E por falar nisso…
— O que está fazendo?
— Mandando mensagem pra Marta dizendo que você finalmente criou coragem. Ela vai adorar saber.
— Nathan! — protestei, mas ele já digitava.
— Calma, doutor. Ela merece o crédito por ter me contado o segredo, não?
Suspirei, vencido.
Nathan era impossível — mas, ao mesmo tempo, era o único que conseguia arrancar de mim risadas genuínas.
Ficamos ainda alguns minutos ali, ele contando histórias absurdas sobre seus “encontros desastrosos”, e eu tentando não rir demais.
Quando ele finalmente foi embora, deixando um rastro de sarcasmo e perfume caro, o consultório ficou em silêncio novamente.
Mas o silêncio já não era o mesmo.
Era leve, quase ansioso.
Olhei outra vez para o celular.
A mensagem ainda não tinha resposta.
O pequeno “visto por último há 2 minutos” me fez sorrir.
Manuela tinha lido.
Agora, restava esperar.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu queria sinceramente que o tempo não demorasse a passar.