Convite Inesperado

1042 Words
A mensagem de Manuela ainda brilhava na tela do meu celular. Pequena, simples, e mesmo assim tinha o poder de me roubar o foco de tudo ao redor. Eu a lia pela terceira vez, talvez pela quarta — e, a cada leitura, parecia que as palavras mudavam de tom. Na primeira, eram só agradecimento. Na segunda, havia charme. Na terceira, um convite disfarçado. Fiquei ali, sentado na poltrona do consultório, a caneta entre os dedos, olhando para o nada enquanto a mente tecia hipóteses. Como ela teria reagido ao ver o buquê? Teria sorrido? Ficado surpresa? Ou simplesmente pensou que eu estava sendo educado demais? Suspirei, encostando o celular sobre a mesa. Era um gesto mínimo — apenas flores e um cartão. Mas, depois de anos de rotina seca, o mínimo parecia enorme. Estava prestes a retomar um relatório quando a porta se abriu abruptamente, sem aviso. — Bate à porta, Nathan — murmurei, sem nem precisar olhar. — É assim que funciona em locais civilizados. — Civilizados? — a voz dele veio carregada de ironia. — Meu caro doutor Duarte, civilizado é quem não esconde segredos de um amigo fiel como eu. Levantei os olhos. Nathan estava encostado no batente, com aquele ar insolente e o mesmo sorriso de sempre — o sorriso de quem sabe que vai causar confusão. Terno impecável, gravata torta, o cabelo desgrenhado de propósito. A elegância dele era a de quem não precisa se esforçar — o tipo de charme que irritava e divertia ao mesmo tempo. — Não estou escondendo nada. — Ah, não? — ele fechou a porta atrás de si, cruzando os braços. — Então quer dizer que é normal um médico sóbrio, viúvo e metódico mandar flores para uma mulher misteriosa e não contar pro melhor amigo? Suspirei. — Marta. — Exatamente, Marta — ele confirmou, sorrindo. — Uma funcionária exemplar, mas com a língua mais solta que tampa de panela. — Ela não tinha o direito… — Tinha sim, Leonardo! — ele me interrompeu, rindo. — Depois de anos te vendo feito um monge tibetano, qualquer sinal de vida sentimental é notícia de primeira página! Balancei a cabeça, exasperado. — Você não tem mais o que fazer, Nathan? — Tenho, claro. Mas nada é mais divertido do que ver você tentando fingir que não está interessado nessa tal de Manuela. O jeito como ele pronunciou o nome dela — arrastando, provocando — me fez sorrir, mesmo que a contragosto. Nathan percebeu. — Ahá! — apontou o dedo, teatral. — Eu vi esse sorriso. — É o reflexo da luz. — Reflexo, é? — ele se jogou na poltrona à frente da mesa. — Me poupe, Leo. Você está sorrindo feito adolescente que acabou de receber bilhete na escola. Revirei os olhos. — Você é insuportável. — Eu sou o realista da história. E o realista está dizendo: chama essa mulher pra sair antes que outro chame. Tentei manter a compostura, mas ele falava com aquela convicção irritante que, no fundo, sempre acabava me vencendo. — Nathan, eu nem sei se ela quer isso. Ela só mandou uma mensagem de agradecimento. — Agradecimento? — ele arqueou a sobrancelha. — “As flores são lindas, o bilhete é elegante, está me deixando em desvantagem”? — ele recitou, palavra por palavra, imitando uma voz feminina exagerada, enquanto lia no meu celular. — Isso é flerte, Leonardo! — Isso é educação. — Educação é o que ela aprendeu em casa. Isso aí é química. Ri baixo, sem querer. — Você tira conclusões rápidas demais. — E você pensa demais. — Ele se inclinou pra frente, apoiando os cotovelos na mesa. — Escuta: quando a vida te dá uma mulher interessante, que te faz rir e ainda manda vinho francês, você não agradece com silêncio. Você agradece com jantar. — Você é mesmo impossível. — E você é um caso perdido. — Nathan levantou, ajeitando o paletó. — Mas eu me recuso a ver o homem que salvou vidas deixar escapar uma chance de salvar a própria. Fiquei quieto por alguns segundos. Ele se aproximou da mesa e bateu de leve na tampa do celular. — Pega esse aparelho e faz o que eu sei que você quer fazer desde que leu a mensagem. — Nathan... — Agora, Leonardo. Havia uma firmeza divertida no tom dele, e — por algum motivo — me rendi. Peguei o celular. Abri a conversa com Manuela. O cursor piscava, vazio. Por um instante, pensei em desistir. Mas então, lembrei do olhar dela na gala, do riso leve, do jeito sincero com que me agradeceu por tê-la acalmado no trânsito. E escrevi. “Manuela, acho que já podemos trocar flores e bilhetes por um jantar. Que tal?” Olhei para a tela. Nathan se inclinou para ler por cima do meu ombro. — Direto, elegante e irresistível. Perfeito. — Ele sorriu. — Envia. Respirei fundo e toquei “enviar”. O som discreto da mensagem partindo ecoou na sala como um pequeno disparo. Nathan ergueu os braços, triunfante. — Finalmente! Aleluia! — deu uma risada alta. — Senhoras e senhores, Leonardo Duarte voltou ao jogo! — Você é ridículo. — Ridiculamente eficiente — respondeu, pegando o celular dele. — E por falar nisso… — O que está fazendo? — Mandando mensagem pra Marta dizendo que você finalmente criou coragem. Ela vai adorar saber. — Nathan! — protestei, mas ele já digitava. — Calma, doutor. Ela merece o crédito por ter me contado o segredo, não? Suspirei, vencido. Nathan era impossível — mas, ao mesmo tempo, era o único que conseguia arrancar de mim risadas genuínas. Ficamos ainda alguns minutos ali, ele contando histórias absurdas sobre seus “encontros desastrosos”, e eu tentando não rir demais. Quando ele finalmente foi embora, deixando um rastro de sarcasmo e perfume caro, o consultório ficou em silêncio novamente. Mas o silêncio já não era o mesmo. Era leve, quase ansioso. Olhei outra vez para o celular. A mensagem ainda não tinha resposta. O pequeno “visto por último há 2 minutos” me fez sorrir. Manuela tinha lido. Agora, restava esperar. E, pela primeira vez em muito tempo, eu queria sinceramente que o tempo não demorasse a passar.
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