A sobremesa chegou como um encerramento solene, quase cerimonial, daquele jantar que já tinha se tornado algo muito maior do que comida boa e conversa agradável. Era delicada, visualmente impecável — algo com frutas, creme, textura suave e um perfume leve de baunilha que se espalhou pela mesa antes mesmo da primeira colher tocar o prato. A chef explicou rapidamente, com a mesma elegância silenciosa de antes, e se retirou, deixando novamente aquele espaço só nosso.
Manuela observou o prato por alguns segundos antes de comer, como se estivesse apreciando não apenas a sobremesa, mas o momento inteiro.
— É bonito demais para estragar — comentou, sorrindo.
— Mas se não estragar, perde o sentido — respondi, pegando a colher. — As melhores coisas são feitas para serem aproveitadas.
Ela me olhou de um jeito diferente depois disso. Um olhar atento, quase curioso, como se estivesse tentando encaixar aquela frase em algum lugar mais profundo.
Comemos devagar. Não por etiqueta, mas porque ninguém parecia ter pressa. As colheres se moviam com calma, os sabores se revelavam aos poucos, e entre uma colherada e outra surgiam pequenos silêncios cheios de significado. Não eram constrangedores. Eram… macios. Confortáveis.
Em determinado momento, nossos olhares se cruzaram enquanto mastigávamos, e Manuela riu baixinho, levando a mão à boca.
— O que foi? — perguntei.
— Nada — respondeu. — Só pensei que isso tudo está sendo muito… fácil.
— Fácil é bom — falei. — Complicado demais cansa.
— Concordo — ela disse, apoiando a colher no prato. — Acho que já passei tempo suficiente cansada.
Aquilo ficou ecoando em mim. Não como um peso, mas como uma permissão. Permissão para estar ali, inteiro, sem defesas exageradas.
Quando terminamos, Manuela se levantou primeiro, recolhendo os pratos com um cuidado quase doméstico, apesar de claramente não precisar fazer aquilo sozinha. Ainda assim, fez. Observei aquele gesto simples com atenção — havia algo profundamente íntimo em ver alguém naquele contexto, fora das armaduras sociais.
— Vamos pra sala? — ela sugeriu, depois de deixar tudo organizado. — A lareira já deve estar boa.
Assenti, sentindo um calor antecipado que não vinha apenas do fogo.
A sala de estar estava diferente agora. As luzes ainda mais baixas, a lareira acesa lançando sombras vivas pelas paredes, a música tocando num volume discreto, quase como um segredo. Um jazz suave, elegante, daqueles que não pedem atenção, apenas companhia. O vinho já estava ali, servido em taças que refletiam a luz do fogo.
Sentamos no sofá. No começo, com uma distância respeitosa, natural. O sofá era amplo, confortável, revestido de um tecido macio que convidava à permanência. Peguei a taça, dei um pequeno gole, sentindo o sabor mais intenso agora, talvez por causa do ambiente, talvez por causa dela.
Conversamos mais um pouco. Sobre viagens que ainda não fizemos. Sobre livros que marcaram épocas diferentes da vida. Sobre músicas que evocavam memórias específicas. Manuela falava com as mãos, com o corpo inteiro, e eu me pegava observando pequenos detalhes: o jeito como ela cruzava as pernas, como inclinava a cabeça ao ouvir, como o sorriso dela surgia antes mesmo da risada.
Em algum momento — não saberia dizer exatamente quando — ela se aproximou. Não foi abrupto. Não foi anunciado. Apenas aconteceu. Um pequeno deslocamento no sofá, quase imperceptível, até que o braço dela tocou o meu. Depois, o joelho. Depois, aquele espaço invisível entre dois corpos simplesmente deixou de existir.
Meu coração acelerou, mas meu corpo permaneceu calmo. Eu não queria quebrar nada. Não queria apressar. Virei levemente o rosto em direção a ela, e nossos olhares se encontraram de novo. Dessa vez, mais demorados. Mais densos.
— Leonardo… — ela começou, mas não terminou a frase.
Não foi necessário.
Coloquei a taça na mesa de centro com cuidado, como se qualquer movimento brusco pudesse espantar aquele instante. Levei a mão ao rosto dela devagar, dando tempo para que ela recuasse se quisesse. Não recuou. Pelo contrário: inclinou-se levemente em minha direção, os olhos presos nos meus.
Toquei sua face com os dedos, sentindo a pele quente, real. Meu polegar deslizou de leve pela linha do maxilar, num gesto quase reverente. Ela fechou os olhos por um segundo, como quem reconhece algo esperado há muito tempo.
Aproximei meu rosto do dela sem pressa. Senti sua respiração misturar-se à minha, o perfume sutil que ela usava, o calor que vinha do corpo dela e da lareira ao mesmo tempo. E então, finalmente, a beijei.
Foi um beijo inteiro. Presente. Não havia ansiedade nele, nem hesitação. Nossos lábios se encontraram com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, como se soubessem exatamente o que fazer. Um beijo de novela, sim — mas não exagerado, não performático. Um beijo carregado de sentimento, de admiração, de vontade contida.
Ela respondeu imediatamente, a mão subindo até meu pescoço, os dedos se fechando levemente ali, como se quisesse me manter perto. Inclinei um pouco mais o corpo em direção a ela, aprofundando o beijo com cuidado, respeitando o ritmo que construíamos juntos. Nossos lábios se separavam por um segundo apenas para se reencontrarem, cada vez com mais i********e.
Havia carinho naquele beijo. Havia desejo, claro, mas também algo mais profundo — uma espécie de reconhecimento silencioso. Como se, naquele instante, disséssemos sem palavras: “eu vejo você”.
Quando nos afastamos, foi devagar. Nossas testas ficaram encostadas por alguns segundos. Eu ainda sentia o gosto dela, o calor do toque, a vibração suave que permanecia no ar.
Manuela abriu os olhos primeiro. Estavam brilhando.
— Uau — ela sussurrou, quase rindo.
Sorri, sentindo uma felicidade tranquila se espalhar por mim.
— Eu ia dizer a mesma coisa.
Ela apoiou a cabeça no meu ombro, de um jeito natural, como se aquele gesto já fosse familiar. Passei o braço ao redor dela, puxando-a um pouco mais para perto, sentindo o encaixe perfeito daquele momento.
Ficamos assim por um tempo indeterminado. O fogo crepitando. A música seguindo. O mundo lá fora completamente irrelevante.
Eu sabia, com uma clareza quase assustadora, que aquela noite marcava algo novo. Não era só atração. Não era só romance. Era conexão. E, pela primeira vez em muito tempo, eu não sentia medo disso.
Eu me sentia… em casa.