Passei o resto da manhã tentando trabalhar, mas a cada dez minutos meu olhar escapava para o celular, como se tivesse vontade própria. Eu não queria demonstrar ansiedade — nem pra mim mesmo — mas a verdade é que aquela espera tinha um peso doce, quase viciante. Cada vibração que não era ela me tirava um suspiro.
Até que, no início da tarde, o celular vibrou de novo.
Eu olhei.
E parei.
Manuela.
“Jantar está ótimo para mim.
Mas pensei… se você não se importar…
Podemos fazer na minha casa?
Fica mais íntimo.
E mais tranquilo também.
O que acha?”
Meu cérebro desligou por dois segundos.
Depois ligou de novo, em modo explosão suave.
Na casa dela.
Mais íntimo.
Eu li as palavras umas cinco vezes, cada vez encontrando nuances diferentes — todas igualmente perigosas pro meu autocontrole.
Antes que eu pudesse respirar fundo e decidir o que responder, a porta do consultório abriu com a energia de sempre:
— ENTÃO, ELA RESPONDEU?!
Nathan apareceu como um cometa m*l-educado, jogando a própria mochila no sofá e vindo direto pra frente da minha mesa.
— Eu sabia que você ia me agradecer por ter te pressionado — ele disse, apontando o dedo pra mim como se estivesse dando uma bronca orgulhosa.
Eu virei o celular discretamente pra que ele não visse de imediato, mas foi inútil — Nathan tinha visão de águia quando se tratava de fofoca alheia.
— MOSTRA.
Suspirei, entregando o celular.
Ele leu.
Ficou imóvel por um segundo.
E depois explodiu:
— NA CASA DELA? — colocou as duas mãos na cabeça. — Leonardo, pelo amor de Deus, isso é MAIS do que um sim. Isso é um hino nacional inteiro de convite!
— Nathan…
— NÃO! — ele interrompeu, andando de um lado para o outro. — Você tem ideia do que isso significa? Casa, jantar, i********e… é praticamente um convite pra você dormir lá! Com ela!
Eu respirei fundo, tentando me manter composto.
— Não é isso.
Ele estendeu a mão na minha direção, como quem manda calar.
— Leonardo… para. Eu conheço mulheres. Ok? — Apontou pra si mesmo. — Eu sou especialista. Quando uma mulher convida pra casa dela num segundo encontro, significa: eu gostei de você e quero te ver de verdade.
— E você faz parecer que ela me convidou pra um motel — retruquei, rindo baixo.
— É QUASE isso — ele rebateu, dramático. — Só que com charme, elegância e sofá confortável. Meu Deus, eu tô feliz demais. Isso é lindo. É poesia. É o início do seu futuro casamento, cara!
Revirei os olhos.
Mas antes que eu pudesse responder, outra memória voltou à superfície e escapou da minha boca antes que eu filtrasse:
— Ela me beijou ontem.
Nathan congelou como se tivesse levado um choque elétrico.
— COMO?! — Ele bateu a mão na mesa. — E VOCÊ NÃO COMEÇOU A CONVERSA DO DIA ME DIZENDO ISSO?
— Eu ia chegar lá.
— I-A? — Ele repetiu, ofendido. — O homem foi BEIJADO pela mulher mais elegante que eu já vi na vida e “ia” me contar? Leonardo, pelo amor de Deus, onde ficou o romantismo? Onde ficou sua consideração pelo meu coração?
Eu ri, e ele se jogou no sofá, teatral, com uma mão na testa e a outra no peito.
— Como foi? — perguntou, sério de repente.
— Como foi o quê?
— O beijo — respondeu, apontando pra mim como quem exige detalhes de um crime. — Foi beijo-beijo? Ou beijo educado? Mão no rosto? Mão no pescoço? Quem inclinou primeiro? Vamos, Leonardo, eu preciso saber pra calcular o nível de perigo emocional.
— Perigo emocional? — perguntei, rindo.
— Sim — ele disse, categórico. — Você tá prestes a perder a compostura por essa mulher. Quero dados.
Suspirei.
— Foi… natural. Gentil. Não foi um exagero. Nem rápido demais. Ela me segurou pelo rosto.
Nathan abriu um sorriso tão grande que quase iluminou a sala.
— Ai, Leonardo… — balançou a cabeça. — Você está perdido. Perdido de um jeito lindo. Ela te segurou pelo rosto? Isso é nível avançado. Isso é conexão instantânea. Isso é “eu te vejo”.
— Não sei se tudo isso — respondi, mas minha voz já entregava que eu estava absorvendo cada palavra dele.
— Sabe sim — ele rebateu.
Eu peguei o celular de volta, olhei mais uma vez a mensagem dela, e Nathan percebeu o sorriso involuntário que se formou nos meus lábios.
— Eu nunca te vi assim — ele comentou, sentando de novo, mas dessa vez sem brincadeira. — Eu tô feliz por você. De verdade.
— Obrigado.
Ele ficou em silêncio por uns dois segundos.
Então:
— Ah, e antes que eu esqueça…
O tom mudou.
Ficou estranho.
Quase culpado.
— Hm… talvez eu tenha feito uma coisa.
Eu ergui a sobrancelha.
— O que você fez, Nathan?
Ele pigarreou.
— Uma coisinha.
— Nathan…
— Tá, tá, tá — levantou as mãos. — Eu posso ou não ter mandado investigar a Manuela.
Eu fechei os olhos por um segundo.
— Você fez o quê?
Ele colocou a mão no peito, ofendido:
— Eu precisava saber quem era a mulher que tava mexendo com meu melhor amigo! Você acha que eu ia deixar você sair por aí com uma psicopata? O mundo tá cheio de gente doida, Leonardo, eu tô te protegendo!
— Investigou… como? — perguntei, tentando não rir.
— Relaxa. Nada ilegal. — Ele acenou com a mão. — Pedi pro Vinícius dar uma olhada nas redes, nos registros públicos, ver se tinha algum BO, ex-marido louco, processo, essas coisas.
Suspirei, mas o sorriso já vinha vindo.
— E?
— E… — Nathan abriu um sorriso vitorioso — ela é perfeita.
— Ah, pronto — ironizei.
— Perfeita, Leonardo! — Ele repetiu, empolgado. — Solteira há uns dois anos. O ex? Milionário que mora em Paris. PARIS! — ergueu um dedo. — E antes que você fique intimidado: relaxa. O cara é um i****a. Aparentemente, vivia viajando, sem atenção pra família, aquela história clássica.
— Certo…
— Ah, e ela tem uma filha. — Nathan completou, como quem solta uma bomba e espera o impacto. — Se chama Sophia, 19 anos. Estuda arquitetura e urbanismo. Mora com o pai.
Fiquei em silêncio por um segundo, absorvendo aquilo.
Não era um “problema”. Era simplesmente… um dado novo. Uma camada a mais da pessoa que eu estava conhecendo.
— E você já sabe até o curso da menina? — perguntei, descrente.
Ele deu de ombros.
— Vinícius é bom no que faz.
Eu passei a mão no rosto, rindo.
— Você é completamente maluco.
— Sou — concordou, orgulhoso. — E sou seu amigo também. Então aceite meu presente: Manuela é uma mulher incrível. Solteira. Interessante. Independente. Com uma vida própria, história própria, raízes próprias. Não é qualquer uma. E, pelo que vi… vocês têm uma coisa. Real. Daquelas raras.
Engoli seco.
Ele acertou mais do que gostaria de admitir.
— Só toma cuidado pra não estragar — completou Nathan, mas sem deboche. — E, pelo amor de Deus, não vai travar quando chegar na casa dela.
— Eu não vou travar.
— Vai sim — ele riu. — Mas tudo bem. Travado você já conquistou um beijo. Imagina quando estiver funcionando normalmente.
Joguei a caneta nele.
Ele desviou — claro — e levantou as mãos como quem comemora gol.
E enquanto ele ria, eu encarava a tela do celular… e o convite dela brilhando ali.
Um jantar.
Na casa dela.
Íntimo. Tranquilo.
Manuela.
E pela primeira vez em muito tempo, senti que minha vida tinha acabado de virar uma esquina importante.
Uma esquina boa.
Uma esquina que eu não queria perder por nada.