Estacionei o carro alguns metros antes da casa dela.
Não foi falta de vaga. Foi necessidade de respirar.
A rua era silenciosa, arborizada, daquelas que parecem escolhidas a dedo por quem gosta de discrição, um condomínio muito bonito, as casas não tinham portão, ali ninguém temia nada, tinham seguranças em toda parte. As luzes amareladas dos postes desenhavam sombras suaves no asfalto, e as fachadas das casas tinham aquele ar de sofisticação que não grita riqueza — apenas a sugere.
Olhei o número mais uma vez no celular, mesmo já sabendo que estava certo.
Era ali.
Desci do carro devagar, segurando a garrafa de vinho com cuidado, como se ela fosse parte de um ritual. Ajustei a camisa, respirei fundo e caminhei até o portão. Antes de tocar a campainha, parei.
Aquela pausa…
Aquele segundo suspenso no tempo…
Eu não lembrava da última vez que tinha sentido isso antes de entrar em algum lugar.
Toquei a campainha.
O som ecoou baixo, elegante, combinando perfeitamente com o ambiente. Esperei. Ouvi passos do outro lado, leves, seguros.
A porta se abriu.
E ali estava Manuela.
Por um instante, tudo ao redor pareceu perder definição.
Ela usava um vestido claro, de tecido fluido, nada exagerado, nada chamativo — mas absolutamente impossível de ignorar. O cabelo estava solto, caindo naturalmente sobre os ombros, como se ela não tivesse feito esforço algum… e talvez justamente por isso estivesse tão bonita.
O sorriso que ela me deu não foi ensaiado. Foi genuíno. Aquele sorriso que nasce primeiro nos olhos.
— Leonardo — ela disse, com a voz calma, macia. — Que bom que você veio.
— Eu não perderia isso — respondi, sentindo minha própria voz sair mais baixa do que o habitual.
Ela abriu mais a porta, me dando passagem.
— Entra.
O interior da casa me envolveu imediatamente.
O cheiro.
A iluminação.
O silêncio confortável.
Era uma casa ampla, mas não fria. Elegante, mas não distante. Tudo parecia ter sido escolhido com intenção — móveis de linhas limpas, obras de arte discretas nas paredes, uma paleta de cores suaves que trazia calma. Nada ali era excessivo, nada tentava provar nada a ninguém.
Era o reflexo perfeito dela.
— Sua casa é linda — comentei, sincero, enquanto ela fechava a porta atrás de mim.
— Obrigada — ela sorriu. — Eu gosto que seja um lugar onde as pessoas se sintam bem. Onde dá vontade de ficar.
Aquilo ficou ecoando na minha cabeça.
Onde dá vontade de ficar.
Ela me conduziu alguns passos adiante, e então percebi o movimento vindo da cozinha. Um homem de roupa impecável finalizava algo no fogão, concentrado, silencioso, quase como se estivesse num palco invisível.
— Ah — ela disse, percebendo meu olhar. — Esse é o André. Ele é meu chef.
O chef levantou o olhar e sorriu educadamente.
— Boa noite.
— Boa noite — respondi, um pouco surpreso, mas mantendo a compostura.
Manuela percebeu e riu de leve.
— Hoje eu quis fazer algo diferente. Nada de correria, nada de improviso.
— Eu me sinto… honrado — respondi, sincero.
Ela me olhou por um segundo a mais do que o necessário.
— Fico feliz.
Entreguei o vinho a ela.
— Trouxe isso. Espero que goste.
Ela pegou a garrafa com cuidado, lendo o rótulo.
— Você tem bom gosto — comentou. — Muito bom gosto.
Não sei se falava do vinho.
Provavelmente não só dele.
Seguimos para a sala. Um espaço amplo, iluminado por luz indireta, com sofás confortáveis, uma mesa baixa de madeira clara e janelas grandes que deixavam a noite entrar sem esforço. As cortinas estavam semiabertas, e a cidade parecia distante dali.
Ela serviu o vinho com calma, movimentos precisos, naturais. Entregou-me a taça, nossos dedos se tocando por um segundo breve — mas suficiente para que eu sentisse aquele pequeno choque elétrico percorrer minha mão.
Sentamos.
Não perto demais.
Não longe demais.
O tipo exato de distância que promete aproximação.
— Então… — ela começou, girando levemente a taça. — Como foi sua semana?
— Intensa — respondi, sorrindo. — Hospital cheio, decisões difíceis… mas hoje o dia terminou melhor do que começou.
Ela sorriu, inclinando levemente a cabeça.
— Imagino por quê.
Dei uma pequena risada, contida.
— E a sua?
— Produtiva — respondeu. — Reuniões, lançamentos, escolhas… mas confesso que hoje eu quis desacelerar. Por isso te chamei aqui.
A palavra te veio carregada de intenção.
Bebi um gole do vinho. Estava perfeito.
— Eu gostei disso — disse. — Desacelerar é um luxo que a gente esquece que pode ter.
— Pois é — ela concordou. — Às vezes a gente só precisa de uma boa conversa e uma noite tranquila.
Nossos olhares se encontraram.
Não havia pressa.
Não havia tensão exagerada.
Havia conforto.
E, ao mesmo tempo, algo pulsava ali embaixo, silencioso, esperando o momento certo.
A casa parecia respirar junto com a gente. O som distante da cozinha, o leve tilintar das taças quando se moviam, o perfume dela misturado ao aroma do vinho e da comida sendo preparada.
Tudo era calmo.
Tudo era bonito.
Tudo era promissor.
A sala estava tomada por uma luz suave, quase dourada, que vinha dos abajures estrategicamente posicionados. Não era uma iluminação feita para impressionar, era feita para acolher. O sofá era confortável, daqueles que abraçam o corpo, e eu me dei conta de que Manuela tinha o dom de criar ambientes que pareciam extensão dela mesma.
Segurei a taça com as duas mãos por um instante, observando o vinho deslizar lentamente pelas paredes do cristal. Havia algo de terapêutico naquele gesto simples. Manuela fazia o mesmo, girando a taça com elegância, os olhos atentos ao movimento, como se estivesse organizando pensamentos antes de falar.
— É engraçado — ela disse, quebrando o silêncio de forma natural — como a gente acaba vivendo sempre correndo… e quando para, percebe o quanto estava cansado.
Concordei com a cabeça.
— Às vezes, parar assusta mais do que continuar — respondi. — O trabalho acaba virando um esconderijo.
Ela levantou o olhar devagar, me observando com mais atenção agora. Não era curiosidade vazia. Era interesse genuíno.
— Você parece alguém que trabalha muito — comentou. — Não só por obrigação.
Sorri de leve.
— Trabalhar sempre foi… mais fácil.
Ela não respondeu de imediato. Apenas inclinou um pouco o corpo, apoiando o cotovelo no braço do sofá, como quem se prepara para ouvir algo importante.
— Mais fácil do que o quê? — perguntou, com cuidado.
Respirei fundo. O ar entrou pesado, saiu mais lento. Aquela era uma parte da minha história que eu raramente oferecia a alguém. Não por segredo, mas por respeito. Algumas dores não se expõem sem critério.
— Do que sentir — respondi, por fim.
O silêncio que se seguiu não foi constrangedor. Foi denso. Honesto.
— Eu sou viúvo — continuei, a voz firme, mas baixa. — Minha esposa morreu há alguns anos. Um acidente de carro.
Manuela levou a taça aos lábios, mas não bebeu. Apenas segurou, como se o gesto fosse uma âncora.
— Sinto muito — disse, sincera.
— Pouca gente sabe — respondi. — Não é algo que eu costumo trazer à tona.
Ela assentiu lentamente.
— Imagino.
Olhei para frente por alguns segundos antes de continuar. Não porque estivesse difícil falar, mas porque eu queria escolher bem as palavras.
— Depois que ela morreu… eu me afundei no trabalho. Hospital, empresas, reuniões. Tudo que pudesse ocupar minha mente. — Dei um pequeno sorriso sem humor. — Funcionou. Pelo menos por um tempo.
Manuela me observava em silêncio, sem interromper, sem pressa.
— E desde então… — pausei — eu não me envolvi com mais ninguém.
Ela piscou, surpresa. Não exageradamente, não de forma teatral. Apenas um leve movimento, quase imperceptível, mas carregado de significado.
— Nenhuma pessoa? — perguntou com cuidado, como quem pisa em terreno sensível.
— Nenhuma — confirmei. — Não por falta de oportunidades. Mas… eu simplesmente não quis.
Ela inclinou a cabeça, absorvendo aquilo.
— Isso é… raro — disse, pensativa. — Não no sentido moral. No sentido humano mesmo.
Sorri de leve.
— Eu sei. — Dei de ombros. — Mas, pra mim, fazia sentido.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, como se organizasse algo dentro de si. Então respirou fundo e apoiou a taça na mesa baixa à nossa frente.
— Acho que estamos mais parecidos do que eu imaginava — disse.
Levantei o olhar.
— Como assim?
Ela sorriu de leve, mas havia algo melancólico ali.
— Eu também fiquei sozinha por muito tempo.
Meu coração bateu um pouco mais forte, não por excitação, mas por reconhecimento.
— Você foi casada? — perguntei, fingindo a naturalidade que eu já tinha ensaiado mentalmente.
Ela assentiu.
— Fui. Por muitos anos. O pai da minha filha.
— Sophia… — disse, como se estivesse lembrando naquele instante.
Ela sorriu, um sorriso cheio de amor.
— Sophia — confirmou. — Ela tem dezenove anos.
Fingi surpresa, arregalando levemente os olhos.
— Dezenove? — comentei. — Nossa, você não aparenta ter uma filha dessa idade.
Ela riu, balançando a cabeça.
— Obrigada. Vou fingir que acredito totalmente nisso.
— Não é fingimento — respondi, sincero. — É constatação.
Ela relaxou um pouco mais no sofá.
— Sophia é tudo pra mim — continuou. — Ela mora fora atualmente, com o pai. Está estudando arquitetura.
— Deve ser difícil ficar longe — comentei, interessado. Como se não soubesse de tudo, através do Nathan.
— É — ela suspirou. — Mas foi uma decisão pensada. Eu não queria prender ela às minhas escolhas. Queria que tivesse o mundo.
Havia orgulho ali. E saudade.
— E o casamento… — comecei, com cuidado — acabou há quanto tempo?
— Alguns anos — respondeu. — Ele era muito controlador. Tudo tinha que passar pelo crivo dele. Quando me dei conta, eu já estava vivendo uma vida que não era minha.
Balancei a cabeça lentamente.
— Isso corrói qualquer relação.
— Corrói a pessoa — ela corrigiu. — Eu precisei de muito tempo pra me reencontrar depois da separação.
— E você… — hesitei por um segundo — também ficou sozinha desde então?
Ela me encarou, os olhos firmes, honestos.
— Sim — respondeu. — Nenhum envolvimento sério. Nenhuma entrega. — Deu um sorriso pequeno. — Acho que, no fundo, eu precisava aprender a ficar bem comigo mesma antes de dividir isso com alguém.
Aquela frase ficou ecoando dentro de mim.
Ficar bem comigo mesmo antes de dividir isso com alguém.
— Parece que a gente caminhou por estradas diferentes… mas chegou a lugares parecidos — comentei.
Ela assentiu, pensativa.
— Talvez por isso a conversa flua assim — disse. — Sem pressa. Sem máscaras.
Senti um nó leve se formar no peito. Um nó bom. Desses que não apertam, mas lembram que algo importante está acontecendo.
Peguei a taça novamente, dei um gole pequeno, mantendo os olhos nela.
— Fico feliz por você ter me contado isso — disse. — Não é algo simples de compartilhar.
— Nem você — ela respondeu, com um olhar que dizia muito mais do que palavras.
O silêncio voltou a se instalar entre nós, mas agora era outro tipo de silêncio. Um silêncio confortável, cúmplice. O tipo que não exige preenchimento imediato.
A casa parecia ainda mais acolhedora agora. O cheiro da comida vinha suave da cozinha, misturado ao aroma do vinho e ao perfume dela. E eu tive a certeza de que aquela noite não era apenas um jantar.
Era um encontro entre duas histórias que aprenderam a sobreviver… e talvez estivessem prontas para algo novo.
E eu, sentado ali, diante de Manuela, soube que aquela conversa era só o começo.