Os dias seguintes correram com a precisão de um relógio caro — frios, ordenados e silenciosos.
Nenhum novo evento, nenhuma notícia.
Manuela Vasconcelos havia desaparecido da rotina com a mesma elegância com que entrou nela.
Era curioso.
Em outras circunstâncias, eu teria esquecido.
Pessoas entram e saem de nossas vidas o tempo todo, e eu me acostumei a ver isso acontecer com naturalidade.
Mas havia algo nela que não se encaixava na categoria do efêmero.
O domingo chegou, e o apartamento parecia ainda mais vazio do que o habitual.
O som da chuva fina do lado de fora era o único ruído.
Fiquei diante da janela, observando as gotas escorrerem pelo vidro, lembrando sem querer da última vez que a vi — o vestido vermelho, o sorriso tranquilo, o modo como ela se despediu com aquele olhar que prometia continuidade.
Mas nada aconteceu.
Nenhum novo encontro, nenhuma mensagem, nenhum acaso conveniente.
E, por mais que eu tentasse fingir indiferença, havia um incômodo crescente dentro de mim — uma mistura de curiosidade e irritação.
Irritação comigo mesmo, por estar pensando em alguém que m*l conhecia.
O telefone vibrou sobre a mesa.
Nathan, claro.
Atendi com um suspiro.
— Diga, Nathan.
— Diga nada, Leonardo. Você tá sumido. Desde o evento, parece um monge em retiro espiritual.
— Estou trabalhando.
— Trabalhando? Ou fugindo da realidade?
— Não há nada de que eu precise fugir.
— Ah, não? — a voz dele ficou mais divertida. — E aquela mulher, a Manuela Vasconcelos?
Fiquei em silêncio.
— Sabia — ele continuou. — Eu sabia que ela ainda tá na sua cabeça.
— Está enganado.
— Mentira. Você tem a elegância de um mentiroso profissional, mas eu te conheço há tempo demais.
— Ela é uma mulher interessante, nada mais.
— Interessante o bastante pra te fazer esquecer o nome de três pacientes na sexta-feira passada?
— Eu não esqueci nomes.
— Marta me contou. Disse que você ficou olhando pro nada durante a consulta e chamou um garotinho de “Mateus” quando o nome dele era Miguel.
Fechei os olhos, respirando fundo.
— Você precisa parar de conversar com a minha equipe.
— Eu só faço o que o jornalismo investigativo exige. — A risada dele veio leve, debochada. — E, convenhamos, é fascinante ver o homem mais contido do hemisfério se desestabilizar por causa de uma mulher.
— Você dramatiza tudo. Foi apenas um evento.
— E se eu disser que ouvi comentários de que ela é uma das patrocinadoras principais do hospital?
— Isso não é novidade. Ela doou uma quantia significativa, segundo o relatório de captação.
— Então não seria estranho esbarrar com ela de novo, certo?
— Esbarrar, talvez. Procurar, não.
— Leonardo, você é um homem inteligente, mas às vezes confunde racionalidade com medo.
— Não é medo. É prudência.
— Prudência é o nome elegante que as pessoas dão pra covardia.
— Nathan...
— Escuta, eu não tô dizendo pra você aparecer na casa dela com flores. Mas custava mandar um e-mail de agradecimento pela disputa no leilão? Algo simples, civilizado... e estratégico.
— Seria invasivo.
— Invasivo? Você doou mais de trezentos mil reais na mesma noite. Se alguém tem crédito pra mandar um e-mail, é você.
Não respondi.
Nathan suspirou do outro lado da linha.
— Você não percebe, Leo? Às vezes, o destino precisa de um empurrão.
— E eu acredito que o destino sabe se virar sozinho.
— Aham. E foi por isso que você passou o domingo encarando a janela, com cara de quem perdeu o trem.
Revirei os olhos.
— Você não tem nada melhor pra fazer?
— Tenho, mas nenhuma atividade é tão divertida quanto ver você fingir que está no controle.
— E você devia parar de tentar entender o que não entende.
— Entender eu entendo. Eu só não sei por que você insiste em complicar o simples.
Houve uma pausa.
Depois, ele falou num tom mais baixo, quase sério:
— Sabe, Leo… tem gente que aparece na nossa vida só uma vez. E, se a gente hesita demais, passa o resto dos dias imaginando o que teria acontecido se tivesse feito alguma coisa.
Fiquei em silêncio.
A frase dele ficou pairando, como a fumaça do café recém-passado.
— Vou desligar — disse, finalmente. — Tenho pacientes amanhã cedo.
— Claro. Volte pro seu castelo de vidro. — Ele riu. — Mas um dia, Leonardo, você vai agradecer por eu ser insistente.
Desliguei antes que respondesse.
A semana começou e terminou sem novidades.
Atendi pacientes, participei de reuniões, revisei contratos.
Mas em todos os intervalos entre uma coisa e outra, ela voltava.
A voz, o perfume, a maneira como segurava a taça.
A naturalidade com que falava sobre a vida, como se o mundo fosse um palco e ela, a única consciente de estar atuando.
À noite, em casa, o silêncio parecia mais denso.
Peguei um livro qualquer, mas as palavras não se fixavam.
Era irritante essa sensação de estar sendo arrastado para um pensamento que eu não autorizava.
Não era paixão, nem fascínio — era curiosidade, e isso bastava para me tirar do eixo.
Nathan estava certo em uma coisa: eu havia me fechado demais.
Mas abrir espaço para o imprevisível parecia um risco que eu ainda não estava pronto pra correr.
O controle era meu último refúgio, e eu me agarrava a ele como quem se protege de um incêndio que ainda não começou, mas que já sente o calor.
Ainda assim, no fundo, havia algo diferente em mim.
Um desconforto silencioso, uma espera disfarçada.
Talvez fosse apenas o destino respirando perto demais.
E, por mais que eu insistisse em me manter racional, havia uma parte de mim — teimosa e inconfessável — que esperava, mesmo sem admitir, por um novo acaso.