Estou paralisado a sua frente.
- Não é um humor n***o. É uma realidade. Quanto menos pessoas se apegarem a mim, melhor.
- Você está fugindo do mundo?
- Estou deixando de vivê-lo. Assim não me dói saber que não viverei mais aqui.
- Esse pensamento é triste e horrível para uma pessoa jovem como você.
- Luana te contou tudo?
Me abaixo e fico de joelhos, encarando enormes olhos azuis.
- Não me interessa o que me digam.
Subo minha mão e levo uma mecha de seu cabelo para trás de sua orelha.
- Ainda tenho a minha fé.
- Perdi a minha faz algum tempo.
- Percebi!
Acaricio seu rosto.
- Posso te pedir uma coisa?
- Não vamos t*****r no balcão da cozinha. Estou cansada demais e lá no sofá parecia mais confortável.
Está com um lindo sorriso no rosto.
- Te deixo deitada no balcão e faço todo o ato. Você só precisa revirar os olhinhos.
- Acho que não sei mais como fazer isso. Faz tempo que meus olhos se mantém firmes no mesmo lugar.
- Certo! Estava tratando isso de sexo como brincadeira, mas agora ficou séria a coisa.
Faz tempo que não tem um orgasmo?
- Muito tempo!
Minha boca quase despenca e vai ao chão.
- Ninguém tem interesse em f********o com alguém doente como eu.
- Isso não é verdade!
Dou um belo sorriso e recebo em troca um tapa no braço.
- Você deve ter alguma doença. Quem em sã consciência se envolveria com alguém que vai morrer.
- Priscila!
Seguro firme seu rosto, mantendo seus olhos nos meus.
- Meu pedido é sobre isso. Me prometa que quando estiver comigo não falará sobre morte, doença e nada referente a sua situação.
- Você quer que eu finja que nada está acontecendo?
- Quero que deixe de pensar no que está acontecendo. Tente ao menos curtir nossa amizade.
- Faz anos que vivo em torno da minha doença. Não me peça para deixar de pensar nela. Por anos ela vem comendo meus sonhos, esperanças e me deixando com medo.
- Eu sei! Por isso mesmo estou pedindo que deixe de pensar comigo. Pelo menos tente e aproveite nossos momentos.
Fica calada, mas mantém os olhos nos meus.
- Posso evitar falar da doença, mas não posso evitar meu humor n***o. Esse já está gravado em mim.
- Com o tempo ele some.
- Talvez quando estiver em um...
Avanço em sua boca e a beijo antes que diga caixão. Não a beijo de verdade. Apenas selo seus lábios aos meus, impedindo que continue. Afasto minha boca e vejo que está de olhos fechados. Sua língua percorre suavemente onde meus lábios tocaram. Seus olhos se abrem e ela sorri.
- Cada vez que seu humor n***o aparecer, vou te calar com um beijo.
Digo firme para que entenda.
- Vai me calar assim?
- Sim...
Morde o lábio inferior e me olha de um jeito arteiro.
- Quantas vezes meu humor n***o precisa aparecer, para que o beijo evolua para algo mais?
- Olha só! Tem alguém aqui com pensamentos safados.
- Seria você?
Pergunta irônica.
- Não sou eu quem está saindo beijando os outros.
- Para de falar besteiras.
- Você sabia que essa situação é completamente fora do normal? Poderia imaginar que era alucinação por causa dos remédios, mas sua boca me mostrou que não é.
- Que situação? Eu te beijar?
- Você ser um completamente estranho pra mim e estar enfiado a essa hora da noite dentro da minha casa, me beijando e me convencendo a ser feliz.
Estreita os olhos pra mim.
- Você pode ser um assassino de garotas a beira da morte e...
Beijo-a novamente, para não continuar falando sobre morte. Solto sua boca e ela ri.
- Mas eu não me importo se for me matar...
Faz um bico esperando um beijo e dou, tentando não rir.
- Porque já vou morrer mesmo.
Dessa vez avanço em sua boca e dou um verdadeiro beijo. Sua boca acolhe perfeitamente a minha e nossas línguas se encontram em um duelo delicioso por espaço. Sua boca é ainda mais gostosa de beijar do que eu imaginava. Suas mãos agarram minha nuca e sou puxado pra cima de seu corpo na cadeira. Priscila intensifica o beijo e geme quando meu braço circula seu corpo, trazendo seu corpo para o meu. Afasta a cabeça muito rápido em busca de ar e percebo que não está bem.
- Priscila!
Sua respiração é acelerada demais e começo a ficar assustado. Seus olhos estão fechados e suas mãos não soltam meu pescoço.
- Priscila, olha pra mim!
Abre os olhos e vai se acalmando.
- O que está sentindo?
- Vai... passar...
Encosta a testa em meus lábios e sinto ela fria.
- Você precisa deitar.
- Não...
Me abraça e fica em silêncio.
- Só... espera...
Fico agarrado ao seu corpo, esperando que ela fique bem. Talvez distraí-la com a conversa i****a ajude.
- O que quer comer? Pode pedir que faço.
- Nada... de... sopa...
- Tem certeza? Acho que vai ser melhor pra você.
Me afasta e encosta na cadeira.
- Não aguento... mais tomar... isso.
Abre um sorriso forçado.
- Peguei nojo.
- Vou ver o que tem na sua geladeira.
Apenas balança a cabeça que tudo bem.
- Vai ficar bem aqui?
- Sim...
Beijos sua testa e me ergo, mantendo meus olhos sobre ela.
- Me chama se sentir algo.
- Estou sentindo algo.
- O que?
- Pena de você. Vai ser difícil...
Puxa o ar com força.
- Me alimentar.
Termina a frase e me parte o coração sua fragilidade. Não parece nada com a mulher cheia de vida há duas semanas atrás na varanda do quarto do Elias, naquela festa. Me pergunto se seus dias são assim. Altos e baixos, dias bons e ruins ou se isso é algo que raras vezes ocorre. Decido não perguntar e tentar tirar a conversa sombria sobre sua doença da gente.
- Tenho esperança que goste da minha comida.
Vou para os armários ver o que tem e passo pela geladeira. Sei que me observa, pois meu corpo sente pequenos arrepios.
- Você parece dominar bem a arte de cozinhar.
- Sempre cozinhei com minha mãe.
Decido fazer algo leve. Um purê simples de batata com salmão na chapa. Pelo menos o purê deve comer. Vou fazê-lo bem suave e básico.
- Luana me falou de você algumas vezes, nas poucas vezes que nos falamos. Parece que ela também evita ter contato comigo, para não sofrer com a minha morte.
Balanço a faca em sua direção e ela sorri de forma arteira.
- Falou morte só para eu ir te beijar?
- Talvez!
Dá de ombros e solto tudo, indo até ela e lhe roubando um beijo rápido.
- Pare de me atrapalhar.
Sussurro e volto para a pia. Coloco as batatas na água fervendo e começo a limpar o peixe. Algo me deixa curioso.
- Você não tem irmãos?
Pergunto olhando pra Priscila.
- Não... sou filha única.
- Seu pais estão...
- Vivos...
Completa minha frase.
- Eles moram perto?
- Não...
Termino de limpar o peixe e o tempero. Verifico as batatas e ainda estão duras. Dá tempo de mais perguntas.
- Eles sabem da sua doença?
Priscila respira fundo e sei que tem algo errado.
- Eles sabiam!
Fico sem entender sua resposta.
- Como assim sabiam?
- Meu coração nunca foi perfeito. Durante anos eles sofreram comigo. Fiz três cirurgias e a última faz alguns meses.
Para de me olhar e encara suas mãos.
- Os médicos me disseram que não poderiam mais me ajudar e que só um transplante me salvaria. Pedi a eles que dissessem o oposto aos meus pais. Pedi para dizer que a cirurgia me curou.
Volta a me olhar e vejo lágrimas em seus olhos.
- Para os meus pais eu estou curada.