Coração acelerado

2218 Words
Fernanda Porto - Virei de frente para a Joana e encarei os olhos dela em silêncio. Ela não estava fazendo nenhum esforço para esconder os próprios sentimentos e essa sinceridade dela mexia com as minhas emoções. Enxergar sua vulnerabilidade e sofrimento por conta da separação recente. Sentir que mesmo de coração partido ela estava disposta a mostrar que a nossa ligação era verdadeira. Todas essas nuances da Joana me deixavam encantada e em alerta. Isso porque a dor nos olhos dela escancarava um pedido por carinho sincero. - Fico sem forças nos seus braços. Sinto uma necessidade incontrolável de ser sua mulher. Eu sempre quis ser somente sua Joana. Não sinto vergonha de admitir o quanto sou louca de amor por você. O meu sentimento não mudou. Porém não somos mais adolescentes inconsequentes. Em duas situações deixamos a atração falar mais alto e atropelamos os sentimentos uma da outra. Não vamos mais agir desse modo. Eu não vou dar ouvidos ao desejo e sei que você também não. Quero cuidar de você essa noite. Será que posso? Perguntei encarando os olhos dela e sorri quando ela respondeu assentindo com a cabeça antes de colar o rosto no meu. Demos um beijo colado e suave. Um beijo que durou apenas alguns segundos e que para mim teve um significado que podia facilmente ser descrito com milhões de palavras. Tudo o que eu sempre quis se encaixava nesse carinho. - Estou cansada. Não dormi direito na noite de ontem. A minha cabeça não para de ficar indo e vindo do passado para o presente. Eu queria a Dani de verdade e ela se desfez dos meus sentimentos. Sinto que cometi muitos erros pra que chegássemos a essa situação e não consigo entender o que aconteceu. Ela se preocupou em me deixar magoada porque assim não temos volta. Mas não conseguiu ser honesta e dizer o que aconteceu pra nos perdermos. Nunca pensei que fosse consolar a Joana sofrendo por outra mulher. Mas era disso que ela precisava e eu não tinha como fugir dessa situação e deixá-la sozinha. - É possível que a Dani também não entenda como vocês se perderam nessa relação. É preciso ter muita maturidade pra enxergar os erros que cometemos e ter clareza enquanto as escolhas que fazemos. Você e eu sabemos disso. Talvez o tempo lhe ajude a entender o que aconteceu ou lhe faça decidir deixar tudo no passado e preferir seguir em frente. Pensei um pouco na minha situação com a Flores e em como me senti ao perceber que fui enganada. Por um tempo tentei avaliar todo contexto por trás do nosso noivado, mas depois me dei conta de que tentar entender algo que passou nem sempre era uma opção saudável. - Não vou engolir meu sofrimento dessa vez. Sofri por você aos poucos e uma hora o surto aconteceu de qualquer maneira. Eu fiz tudo que estava ao meu alcance nessa relação. Fiz o que era possível pra dar certo e não adiantou. Não sei dizer se os meus erros foram por falta ou por excesso. De qualquer jeito acabou. Apenas não quero seguir em frente criando ilusões e repetindo padrões. Não posso ceder a satisfações momentâneas como o sexo e a bebida. Mas não conheço outro caminho. Agora mesmo estou pensando em beber mais doses de conhaque e percorrer seu corpo com a minha boca. Posso sair daqui e evitar o sexo. Porém sei que vou acabar bebendo. Não vou conseguir dormir direito. Não consigo dormir com essa angústia crescendo dentro de mim. Ela desabafou olhando nos meus olhos e eu me agarrei nela. - Você não vai sofrer sozinha. Não vou deixar que beba mais. Vamos ficar na cama e comer sorvete. Posso escolher um filme engraçado para assistirmos. Comédia brasileira. Tem umas boas que eu aposto que você nunca assistiu. Posso fazer carinhos nos seus cabelos até você dormir. Isso ainda lhe deixa calma? Perguntei sem soltá-la. - Deixa sim. Mas você não tem essa obrigação Fernanda. Não precisa me confortar nesse momento. Tenho medo que isso acabe lhe machucando de algum jeito. - Eu me declarei pra você naquele réveillon no celeiro e não consegui mais ser sua amiga. Sei muito bem que isso nos afastou porque você precisava da minha amizade. Posso ser sua amiga agora e ficar ao seu lado nesse momento difícil. Não vou deixá-la sozinha Joana. Aceite meu carinho e durma aqui comigo. Não vai acontecer nada entre nós duas. Eu prometo de todo meu coração que amanhã você vai acordar sem nenhum remorso ou arrependimento. A campainha do quarto tocou e quando eu me levantei ela fez o mesmo. - Deve ser a comida que pedi. A propósito você ganhou a aposta. Trinta minutos. Afirmei sorrindo. - Demorou mais do que devia. Amanhã cuido disso. - O que tem a dizer sobre a proposta que fiz de dormirmos juntas? Questionei segurando a mão dela. - Eu vou pegar uma roupa confortável no meu quarto. Vai ser como quando éramos adolescentes e eu dormia desejando agarrar você. Ela declarou rindo e me deixando sem graça. - Quando você fica corada me deixa excitada. - Vou resistir ao seu charme essa noite. Nada do que diga vai me deixar molhada. Afirmei rindo. - Posso não deixar sua calcinha molhada e fazer o seu coração ficar acelerado. A Joana estava mexendo comigo de propósito. - Escolha uma roupa confortável e coloque mais perfume. Vou mostrar que sou resistente. Declarei sorrindo e a fazendo dar risada. Abri a porta para receber meus pedidos e quando a Joana passou a colaboradora do hotel a reconheceu. Estranhei a mudança de postura dela e deduzi que os funcionários do hotel estavam escondendo alguma coisa importante da direção do Grupo. - Amanhã vocês podem enviar o café da manhã para duas pessoas? Chamei a atenção da moça. - Podemos sim. Tem algum pedido em especial? - Façam o melhor suco de laranja que conseguirem. A Joana gosta de começar o dia com um bom suco. Também vamos querer omeletes com presunto de Parma e torradas amanteigadas. Caso seja possível uma salada de frutas bem apresentada vai deixar a Blanc muito contente. - A que horas devo trazer o café da manhã? - Ás nove da manhã. Esperamos uma apresentação digna desse hotel. Afirmei sorrindo e ela ficou nervosa. Estava certa de que tinha algo errado acontecendo. Após alguns minutos a Joana voltou com sua necessaire e um conjunto de moletom preto com cinza aparentemente confortável. Ela colocou mais perfume e chegou deitando na cama e ficando totalmente à vontade. Sorri olhando para ela e pensando que seria uma prova de fogo resistir ao seu charme e ao desejo de beijá-la e ficar com seu cheiro grudado no meu corpo. - O que vamos assistir? - Minha vida em Marte. É uma comédia super leve e tem uma mensagem proveitosa no final. - Nunca assisti. Devíamos ter pedido pipoca. - Temos queijos e embutidos. De sobremesa sorvete de chocolate Belga. Sorrimos uma para a outra e ficamos em silêncio. - Vamos continuar caladas como duas bobas ou assistir ao filme? Ela perguntou rindo e eu me mexi apressada pra não mostrar que fiquei sem jeito. - A moça reconheceu você quando saiu do quarto. - Devia ter esperado antes de sair. Não preciso ter meu nome envolvido em nenhum boato. - Como assim? O que poderiam falar de você? - As pessoas são criativas. Falaram muito a meu respeito quando assumi a liderança do Grupo. Duvidaram das minhas capacidades e habilidades. Obviamente contava que isso fosse acontecer por vários motivos. Sou o perfil perfeito para inventarem boatos. Por isso preciso tomar um cuidado a mais em todas as minhas escolhas. Provavelmente a Dani não entendeu o que isso significava. Quando nos conhecemos saímos algumas vezes e não existia necessidade de compartilhar a carga do meu trabalho nos nossos encontros. Mas em um namoro é diferente. Ela precisava ser compreensiva com a minha agenda de viagens e compromissos. Assim como fiz de tudo para respeitar o trabalho que ela ama. Enfim... Não vou mais falar dela. Percebi que depois de todo desabafo ela ficava sem graça. Como se tivesse fazendo uma bobagem. Pensei em um jeito de deixá-la confortável. Talvez a fazendo sentir que estávamos trocando desabafos ao invés dela ser a única a falar. - Você tem muita responsabilidade em mãos Joana. Lembro que o seu pai trabalhava muito e naquela época ele liderava uma empresa com vários negócios pelo país. Agora sendo um Grupo a situação deve ter mudado muito. Tenho certeza que o seu dia não acaba quando você volta pra casa. A Dani precisava de tempo pra entender a dinâmica do seu trabalho. Dificilmente você vai encontrar uma mulher como a Marina. Ela escolheu ser mãe e esposa ao invés de ter uma carreira. Eu sei o quanto é complicado. Acabei me envolvendo com a Flores porque era prático namorar alguém que sentia atração pela terra e pelos vinhedos assim como eu. Não vamos conseguir viver o que os seus pais ou os meus vivem. Ou até o que os meus avós viveram. Vamos precisar ser pacientes pra desenvolver um relacionamento com alguém que tenha os próprios objetivos de vida. - Caso fossemos um casal como seria? Ela perguntou me olhando com atenção. - Você continuaria sendo a Diretora do Grupo Blanc e eu a proprietária de uma fazenda produtora de vinhos. Talvez o nosso relacionamento fosse acontecer aos poucos e no dia que evoluísse para um casamento seríamos um casal com mais de uma casa. Afirmei rindo. - Respondeu muito bem. Mas quando vamos assistir ao filme? Sorri pegando a comida e levando pra cama. Sentei ao lado dela e coloquei o filme. Até pensei que ela fosse dormir como fazia antigamente. Mas isso não aconteceu. Enquanto assistíamos ao filme toda vez que passava algo engraçado eu olhava pra ela e ficava sorrindo como boba ao ver seu sorriso. Eu só queria amar a Joana e viver a minha vida toda ao lado dela. Queria ser mais que a namorada dessa vez. Percebi que precisava ser a amiga com quem ela sentisse vontade de passar o tempo. A mulher com quem ela queria dormir todas as noites e acordar todas as manhãs. Eu queria que ela enxergasse que éramos o destino uma da outra. - Gostei do filme. Você escolheu muito bem. Precisava assistir algo que me fizesse rir e inspirasse nesse momento. Eu preciso disso pra mim. Preciso de um tempo pra descobrir mais a meu respeito e para aproveitar as pessoas que eu amo. Estou incluindo você Fernanda! Ela disse sorrindo e me abraçando depois que o filme terminou. - É importante perceber a diferença entre solidão e solitude. Eu sempre tive muito medo de ficar sozinha e tive que aprender a aproveitar o silêncio e a minha companhia. É melhor do que viver entrando e saindo de relacionamentos tóxicos ou complexos. - Está me dizendo que se tornou cautelosa? Se eu dissesse que devíamos tentar agora. Vamos sair daqui e falar pra todo mundo que estamos juntas. Você diria que é cedo demais? Conhecia a Joana e sabia que ela estava me testando. - Está cedo. A maior prova é que você sequer tirou o anel de compromisso do dedo. Observei chamando a atenção dela. - Apenas você e a Rebeca sabem que meu namoro acabou. - Rebeca é a sua assistente? A Dani falou dela. - Sim. Eu pedi pra Rebeca juntar as coisas da Daniela que estão no meu apartamento no Recife. Não tirei o anel porque quero contar sobre o fim do namoro a algumas pessoas. Principalmente aos meus pais. Eles estavam apostando na Daniela. Meu pai até sabia do pedido de casamento. Agora tenho que lidar com esse fim e vou tentar fazer isso sem chamar atenção. Chegar sem esse anel de compromisso levantaria questionamentos. - Não tem que me explicar Joana. Eu apenas respondi a sua pergunta casca de banana. Está me testando. Conheço você muito bem. Porque não pergunta o que quer saber de verdade e para de ficar plantando verde pra colher alguma informação madura. Chamei a atenção dela. - Está bem tarde. Vou me preparar para dormir. Lembra do que me prometeu? Ela estava falando do carinho nos cabelos. - Vou mexer no seu cabelo até você dormir Joana. Afirmei rindo. - Excelente. Agradeço sua disposição! Ela piscou um olho e sorriu de um jeito cínico. Arrumei a cama e os lençóis para o nosso conforto. Deixei poucas luzes acesas e coloquei uma música instrumental suave que me ajudava a dormir. Depois que ela saiu do banheiro também me preparei e coloquei um pouco mais do meu perfume. Em seguida deitamos abraçadas e eu fiquei mexendo no cabelo dela perto da nuca. Ficamos em silêncio e eu prestei atenção no som da respiração e nos batimentos do coração dela. Tantas vezes desejei dormir em seus braços. Tantas noites eu dormi sentindo falta desse abraço e da nossa troca de carinhos. Faria qualquer coisa pra ter isso outra vez e agora que tinha essa chance estava decidida a aproveitar. - Amo você loirinha! Ela sussurrou me abraçando e beijando minha testa. Senti meu coração acelerar e segurei o choro quando entendi que essa loirinha não era eu.
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