Ressaca moral

3010 Words
Joana Blanc - Passei a noite virando de um lado para o outro na cama. A imagem da Daniela e Fernanda juntas não saía da minha cabeça. Quanto mais pensava nessa cena mais me sentia traída. Em que momento as duas se aproximaram a ponto de se tornarem íntimas? As duas se beijaram e pelo que entendi a Fernanda recusou ir além. Ainda assim ela beijou a Daniela enquanto éramos namoradas. Mesmo que o status do nosso relacionamento estivesse a poucas horas de mudar. De um jeito ou de outro a verdade é que sofri uma dupla traição e não esperava isso de nenhuma delas. Por um momento me ocorreu que a Daniela recusou o meu pedido de casamento por sentir que tinha muito mais chances de dar certo com a Fernanda. Levantei cedo e preferi começar meu dia correndo na esteira. Dessa vez transformei a minha tensão em suor e não em lágrimas. Após um treino de pouco mais de uma hora resolvi algumas questões do Grupo com a minha assistente do escritório. Comecei o dia em ritmo acelerado e em seguida troquei mensagens com a Rebeca e pedi que ela fosse ao meu apartamento em Boa Viagem e recolhesse tudo que pertencia a Daniela. Não queria ter que mexer nos pertences dela e correr o risco ficar presa em lembranças do que vivemos. Quando estava pronta para deixar o hotel liguei para o Alexandre e combinei de ir ao apartamento dele. Estávamos pensando em como lidar com a questão do filho que ele não conhecia e o objetivo era sermos discretos ao conduzir essa situação delicada. Por sorte a Ranieri se dispôs a nos ajudar e contar com o apoio dela depois do que vivemos era uma ironia do destino. Conversamos os três e pensamos em uma estratégia amena para conduzir o encontro do Alexandre com a mãe do filho dele. Não tinha como ser uma ocasião totalmente confortável, mas o mínimo que esperávamos era que os dois tivessem uma conversa madura. - Blanc. Podemos falar em particular? A Ranieri chamou minha atenção enquanto o Alexandre estava ocupado em uma ligação. - Hoje estou em um dia desagradável Ranieri. É uma conversa urgente? Questionei a encarando e senti que ela tentou enxergar algo no fundo dos meus olhos. - Obviamente não sei o que está acontecendo na sua vida. A única coisa que tenho a dizer é que eu gostaria de ser sua amiga um dia. Nunca conheci alguém como você e sou uma pessoa difícil de fazer amizades. Existe a possibilidade de deixamos o passado totalmente no passado e quem sabe sairmos juntas para conversar uma vez ou outra? Dei risada vendo que a proposta dela não era tão absurda assim. - Você continua estranha. Mas tínhamos conversas divertidas e eu nunca me recuso a fazer novas amizades. E vou levar em consideração que você é madrinha do meu provável sobrinho. - Como a esposa do Alexandre ficou com essa história? - A Madalena é muito madura. Ela ama o Alex mais do que qualquer pessoa nesse mundo e com o tempo certamente vai amar o Danilo. A relação deles é forte o suficiente pra passar por essa situação complicada. Sem dúvida todos cometemos erros na vida e o Alex atingiu o limite. - Alguém magoou você. Seus olhos são muito expressivos Joana. Ela observou me encarando de um jeito estranho. Os anos não mudaram algumas habilidades dela. A Ranieri sempre foi observadora. - Magoei muitas pessoas nessa vida. Posso suportar algumas mágoas também. Sorrimos uma para a outra e ela colocou a mão na barriga. - Meu menino está agitado. Quer sentir? A pergunta dela me pegou de surpresa. - É um convite estranho demais. Até mesmo para você que é naturalmente estranha. Rimos juntas. - Percebi que olhou muitas vezes para a minha barriga desde que chegou. Pensei que queria colocar a mão nela. Dizem que passar a mão na barriga de uma grávida ajuda com a sorte. Está precisando disso Blanc? Dei risada e fiz um sinal negativo com a cabeça. - Caso a sua autoestima continue a mesma apenas posso deduzir que se sente a grávida dos desejos. Como o poço dos desejos. Entendeu? Brinquei a fazendo dar risada. - Joana. Sua assistente consegue um voo para mim? O Alexandre chamou minha atenção. - A Rebeca consegue qualquer coisa. Ligamos para ela no caminho. Tenho que me preparar para uma reunião e não quero ficar presa no trânsito da cidade. Ele concordou em partirmos e eu me despedi da Ranieri com um abraço. Aproveitei para passar a mão na barriga dela e brinquei ao falar com o bebê. - Não seja estranho como a sua mãe. Apenas seja inteligente e habilidoso assim como ela. Pisquei um olho para a Ranieri e ela ficou rindo. - Vocês duas são amigas agora? Estou imaginando que se colocasse a Ranieri e a Fernanda no mesmo lugar seria como um encontro da turma do colégio ou do time de handebol. O Alex disse em tom sarcástico. - Estou aqui pra ajudá-lo e não para ser sua diversão Alexandre. O encarei falando em tom sério e em seguida comecei a dar risada. - Está tenso hoje. Tem motivos para isso? Continuei brincando com ele. - Gostaria que você fosse comigo a Brasília. Ele declarou fazendo uma expressão de assustado. - A mãe do Danilo pode ficar desconfortável com uma comitiva da família Blanc. - Ela me pediu para ir sozinho. É provável que o pedido tenha sido pensando na Madalena. - Você tem que fazê-la acreditar que não tem intenção de tirar o filho dela. Deixe isso muito claro antes de pedir pra fazer o teste de paternidade. - Estou começando a sentir meu coração acelerado. Fico nessa tensão quando estou na última volta de uma corrida importante. Não dá pra saber o que pode acontecer até a bandeirada final! Ele estava visivelmente nervoso e espantosamente empolgado. - Menos adrenalina e mais cautela meu irmão. Mesmo a Ranieri afirmando que o Danilo era um Blanc ainda precisávamos ter certeza. Despedi-me do Alexandre e passei a manhã ocupada com assuntos do Grupo. Estava prestes a reunir o conselho e decidir sobre o futuro da Homes. A Fontana não pretendia continuar como diretora por muito tempo e o Otávio tinha desistido da ideia de ir morar na Suíça depois de conversar com a minha mãe. A Marina sempre fazia de tudo para manter a família por perto. Entre um compromisso e outro não tive muito tempo para pensar na situação com a Daniela, mas ao voltar para o quarto do hotel e ficar completamente sozinha comecei a sentir a mesma dor que me corroeu por toda madrugada. Seria difícil passar por isso sem beber uma garrafa de vinho ou conhaque todas as noites antes de dormir. Daniela Andrade - Sai do apartamento da Fran e mandei uma mensagem para a Isabel. Segundos depois recebi uma resposta programada avisando que ela estava em um voo e que ficaria fora de contato por algumas horas. Com a Isa viajando eu pensei que devia mesmo ir conversar com a Paola. Tinha que seguir a sugestão da Fran e mostrar que estava abalada demais para explicar porque meu namoro com a Joana acabou. Sabendo que a Paola era muito amiga dela eu não podia dizer nada do que falei a Fernanda ou acabaria com as minhas chances de continuar trabalhando no ateliê caso a Joana cogitasse pedir minha demissão como prova de amizade. Segui até a mansão da Paola e ao encontrá-la recebi um abraço caloroso. Ela estava com um sorriso animado nos lábios e com um brilho contagiante no olhar. Senti que tinha algo especial acontecendo e perguntei sem pensar em ser discreta. - Vamos ter outro bebê. A Nayara está grávida. Estou sem conseguir dormir tamanha emoção! Ela contou me dando outro abraço. - Parabéns pra vocês duas! Eu devia ter avisado antes de aparecer de surpresa. Afirmei envergonhada. - Está tudo bem Dani. Você é a primeira pessoa pra quem eu conto. O engraçado é que a Joana ficou sabendo pela Nayara assim que ela recebeu o resultado do exame de sangue. - Não quero estragar seu momento com minhas preocupações. Falei sem graça e ela encarou meus olhos com desconfiança. - Você parece nervosa. Tem alguma coisa acontecendo que eu deva saber? - A Joana e eu terminamos. Nosso namoro não fazia mais sentido. - Vocês terminaram ou apenas se desentenderam? Ela perguntou segurando minhas mãos e me convidando a sentar. - Não quero ficar falando desse assunto, mas tenho certeza que acabou de verdade. A Joana vai seguir a vida dela e no momento a minha única preocupação é se isso pode afetar a relação que nós duas temos no trabalho e fora dele. Preciso muito dessa segurança Paola. Talvez esse seja um dos momentos mais incertos da minha vida e sinceramente estou confusa. Também me sentindo culpada por vir aqui e sem querer atrapalhar seu dia. Falei tudo de uma vez e ela ficou me olhando e esperando alguma informação a mais. - Você trabalha comigo porque conquistou o seu lugar no ateliê. Entendo que seja um momento difícil pra você. Também compreendo que focar no trabalho possa lhe trazer tranquilidade. Sendo assim não fique preocupada com essa questão. Nosso vínculo profissional e de amizade não depende desse namoro. A Fran acertou na dica e me ajudou a resolver mais um problema. - Obrigada por tudo Paola! Eu tenho que organizar as minhas coisas em um apartamento novo e pensar em como vai ser a minha vida de hoje em diante. Só quero dizer que estou feliz com a notícia do seu bebê com a Nayara. Vocês duas merecem tudo que existe de melhor nesse mundo! Obrigada por ter me recebido às pressas e desculpa esse meu jeito atrapalhado! Afirmei sorrindo e querendo ir embora antes que ela pensasse em perguntar detalhes do que aconteceu. A Paola e eu tínhamos esse lado curioso em comum. A sorte é que ela estava distraída com a novidade do bebê e eu senti que no fundo ela acreditou que o fim do meu namoro com a Joana não passava de mais uma briga de casal. Acho que todos que nos conheciam ficariam pensando o mesmo até perceber a verdade. Não tínhamos volta. A Joana estava livre da responsabilidade que carregava ao pensar em como alinhar os planos e sonhos dela aos meus pensamentos indecisos e atrapalhados. Era uma questão de tempo para todos perceberem que nós duas nunca seríamos compatíveis. Voltei para o apartamento da Fran e nós duas sentamos para conversar um pouco. Combinamos sobre as despesas e os deveres da casa. Eu pedi a ajuda dela para conseguir fazer algumas tarefas que não estava acostumada. A Fran era uma pessoa muito fácil de lidar e a paciência dela de algum jeito me desacelerava. Com o tempo ficaria bem morando com ela. O mais difícil era não ter um quarto com toda privacidade com a qual estava acostumada desde pequena. Sempre tive meu espaço e precisava dele para conseguir estudar e trazer trabalho para casa. Certamente teria que ficar no ateliê até mais tarde quando tivesse que preparar alguma apresentação ou qualquer outra coisa que a Regiane pedisse. - Pensei em perguntar se as meninas vão sair essa noite. Você quer ir comigo? Perguntei olhando para a Fran e ela meneou a cabeça mostrando pouca empolgação. - Você não precisa se preocupar comigo. Vou ficar assistindo minha série e comendo pipoca. Prefiro sair em ocasiões especiais. Aniversários ou outras datas comemorativas. A resposta dela até me deixou desanimada. Desejei a companhia da Jessy e a Vanessa para sair e aproveitar a noite carioca. - Se você for podemos ir e voltar de carro. Eu quero beber e não vou pode ir dirigindo. Diz que vai fazer só mais esse favor por mim! Pedi quase implorando e ela ficou rindo. - Posso abrir uma exceção dessa vez. Você me ajuda a vestir alguma roupa que combine? Sorri animada. - Claro. Eu até sei o que você pode usar. Só preciso ir pegar no meu carro. Vai ser uma noite das meninas. Você vai acabar gostando mais de sair do que de ficar em casa sozinha. Ela fez uma careta engraçada e coçou a cabeça como se tivesse agoniada com a ideia. - Fica tranquila. Qualquer coisa se ficar chato voltamos cedo e assistimos a sua série. A minha proposta a deixou mais conformada. - Vamos aproveitar essa noite e a festa só acaba quando o dia amanhecer! Declarei rindo e fazendo graça para ela sorrir também. Fernanda Porto - Acordei pensando na Joana e em como ela estava lidando com o que tinha acontecido. Antes de sair da cama mexi no celular e desejei ligar ou mandar uma mensagem para ela. Depois de uma noite de sono o ocorrido na cobertura parecia mais um delírio coletivo do que a realidade. A Daniela no fundo não queria magoar a Joana e perder a namorada. Ela apenas não sabia como lidar com os próprios sentimentos e insegurança. Se isso estava claro para mim era provável que a Joana tivesse a mesma percepção. A separação das duas não fazia muito sentido e a minha presença naquele cenário caótico certamente foi uma distração para ambas. Essa conclusão me colocava em uma situação delicada. Não queria interferir nos problemas afetivos da Joana e ao mesmo tempo tinha quase que um dever moral nessa circunstância. Antes do almoço liguei para o escritório dela no Recife e descobri que ela estava em São Paulo. Troquei mensagens com o Alexandre e depois de fazer um drama consegui que ele me enviasse o endereço do hotel onde ela estava hospedada. Imediatamente comprei uma passagem para São Paulo e deixei as minhas coisas no flat do Rio de Janeiro. A minha intenção era ter uma conversa franca com a Joana e explicar a parte que me cabia na situação. Ao chegar de viagem passei no trabalho da minha irmã e ela me recebeu sem entender a surpresa. Sentamos para conversar e quando contei o que me trouxe a cidade ela ficou indignada. - Sei muito bem o que você pensa Amanda. Mas a Joana tem que saber que da minha parte não existi nenhum interesse na Daniela. Você sabe que detesto ficar como errada em uma situação. - Essa sua síndrome da perfeição sempre afastou a Joana e vai continuar afastando Fernanda. Você não perceber o absurdo que está fazendo? Não acha que devia dar espaço pra Joana? Está mesmo preocupada com os sentimentos ou só quer se sentir bem com os seus? - Qual seria o problema em falar como me sinto? - A questão é que não devia ser sobre você. Nem tudo é sobre você Fernanda. Ainda mais nessa ocasião. A Joana certamente está sofrendo. Ela não vai querer ninguém se metendo na vida dela. Sinceramente minha irmã. Esse comportamento é invasivo. Não consegue perceber? - Você ficaria quieta no meu lugar? Quer dizer que devo deixar a Joana pensar que tenho alguma coisa com a Daniela? - Está mentindo pra si mesma. O tempo não resolveu essa obsessão que você tem na Joana. A sua preocupação aqui é mostrar para ela que está disponível? - Nunca foi segredo que eu amo a Joana. Mas é diferente agora. Estou preocupada com ela. - Apenas mande uma mensagem. Não corra atrás dela. Deixe-a sofrer com o fim do namoro. Todo mundo passou por isso algum dia. Quando a Joana quiser conversar ela vai lhe procurar. - Entendi. Eu vou pensar no que disse. Prometo. - Você vai ficar na minha casa ou em um hotel? - Prefiro ir para um hotel. Mas vamos marcar de almoçar juntas amanhã ou depois? - Segunda seria perfeito. Inclusive fui convidada para ir à inauguração de restaurante no terraço de um edifício na avenida paulista. O André não pode ir. Você pode fingir que é uma irmã legal e me acompanhar? Ela brincou e fez um drama convincente. - Depende. Você acha que só tem vinho da concorrência? Perguntei em tom sério e ela pensou que fosse verdade. - Não sei. Você pode falar dos seus vinhos. A proprietária e minha amiga. - Como assim nunca falou dos meus vinhos Amanda? Continuei pegando no pé dela. - Talvez ela não tão minha amiga assim. Frequentamos o mesmo salão. Mas se formos juntas você pode fingir que é uma enóloga famosa da Europa e não a minha irmãzinha chata! - Eu não sou chata. Um pouco difícil dependendo do dia. Você é bem mais complicada. Eu faço vinhos e você faz o quê mesmo? - Crianças. Muito mais importante. Não sei se percebeu que pessoas são importantes. Vinhos não se tomam sozinhos. Estou garantindo uma nova safra de clientes pra você! - Agora que disse isso vou criar um vinho sem álcool para bebês. - Isso existe há muito tempo. Chama-se suco de uva. Rimos juntas. Sentia falta dessas bobeiras com a Amanda. Deixei-a continuar com seu trabalho de povoar o mundo e segui para o hotel. Tomei um banho demorado e fiquei pensando na nossa conversa. Cheguei a escolher uma roupa e acabei desistindo de ir falar com a Joana. Ela realmente ficaria desconfortável se a procurasse. A Amanda tinha razão em dizer que era invasivo. Cancelei meus planos e resolvi pedir algo para comer no quarto enquanto assistia uma competição de culinária que era muito desastrosa. Não conseguia entender como uma pessoa afirmava que sabia fazer bolos e sequer sabia que exista uma variedade de fermentos. Literalmente fiquei brigando com a televisão e rindo dos pobres coitados em desespero. Dei tanta risada que cheguei a sentir minha barriga doer. Depois do programa estava pronta para dormir quando alguém bateu na minha porta. Pensei que fosse alguém do hotel e fiquei paralisada quando vi que era a Joana. - O Alexandre disse que você estava me procurando. Você veio me ver e desistiu? Fixei meu olhar no dela e pensei no que responder.
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