Entre Gôndolas e Promessas

1374 Words
Claire se espremeu entre as gôndolas abarrotadas do supermercado e assumiu seu posto no caixa. O uniforme azul-claro, já meio gasto, grudava desconfortavelmente em sua pele. Puxou o cabelo castanho para trás e respirou fundo antes de ativar a esteira. O movimento da manhã estava no auge. Clientes entrando e saindo, carrinhos lotados, crianças chorando. Claire sorriu mecanicamente para a primeira cliente do dia, uma senhora de cabelo curto e olhar impaciente. — Bom dia. A mulher não respondeu, apenas jogou os produtos no balcão. Ok. Hoje vai ser um desses dias. Passou os itens pelo leitor de código de barras com agilidade: macarrão, molho, frango congelado e um pacote de biscoitos. — Dá $72,90 — disse Claire. A mulher abriu a bolsa, revirou algumas notas e estendeu o dinheiro sem nem olhar para ela. Claire pegou, conferiu o troco e entregou o cupom fiscal. — Obrigada, tenha um bom dia! A mulher já estava saindo. Os próximos clientes seguiram o mesmo padrão. Alguns m*l olhavam para ela, outros resmungavam sobre os preços altos como se fosse culpa dela. Claire apenas assentia com a cabeça e seguia trabalhando, no automático. Até que um homem de uns sessenta anos se aproximou do caixa. Tinha a barriga saliente, uma corrente dourada no pescoço e um sorriso carregado de segundas intenções. — Bom dia, princesa — disse ele, apoiando-se no balcão. Claire engoliu a vontade de revirar os olhos. — Bom dia. CPF na nota? — Só se você me der o seu. Ela apertou os lábios e forçou um sorriso profissional. — O senhor precisa de sacolas? — Preciso de um jantar na sua companhia. — $ 38,50. Débito ou crédito? Ele riu, claramente se divertindo. — Adoro mulher difícil. Claire manteve a postura. Aquilo acontecia quase todos os dias. Ignorar era a melhor estratégia. O homem pagou, pegou as sacolas e ainda piscou para ela antes de sair. Ela respirou fundo, contendo o incômodo que ameaçava subir pela garganta. Faltava pouco para o intervalo. No refeitório do supermercado, Claire se sentou com a bandeja de almoço: arroz, feijão e um frango empanado meio murcho. O cheiro de comida misturada ao da geladeira velha tornava o ambiente pouco acolhedor, mas era melhor do que nada. Julie, sua amiga e colega de trabalho no bar, apareceu com uma bandeja idêntica e se jogou na cadeira ao lado. — Pelo amor de Deus, me diz que o seu dia também tá uma merda — resmungou. — Sempre está — Claire respondeu, enfiando uma colherada de arroz na boca. Julie tomou um gole do suco e se inclinou para frente, animada. — Olha, talvez eu tenha um jeito de você ganhar uma grana extra. Claire ergueu os olhos. — Estou ouvindo. — Meu primo, o Caio — aquele bartender que você já viu no bar — vai trabalhar em uma festa chique hoje à noite. Ele me falou que estão precisando de garçonetes. A grana é boa. Claire parou de mastigar. — Quanto? — Quinhentos. Dinheiro, na hora. Ela arregalou os olhos. — Quinhentos? Julie assentiu com convicção. — Sim. Mas a gente tem que estar lá às dez. Dá para ir direto do bar, depois do expediente. Claire hesitou por um segundo. Seu corpo já estava cansado só de imaginar a maratona: supermercado, bar, festa... Mas quinhentos reais podiam pagar um exame da mãe. Talvez dois. — Eu topo. — Sabia que você ia aceitar — Julie riu. — Depois te mando as informações direitinho. Claire assentiu, voltando a focar no almoço. Mais um trabalho. Mais uma luta. De volta ao caixa, ela contou mentalmente as horas até o fim do expediente. O fluxo de clientes variava entre os irritantes e os indiferentes, mas Claire seguiu no automático, escaneando produtos, entregando troco, agradecendo mecânica e educadamente. Quando o relógio marcou as seis da tarde, sentiu o peso do turno inteiro nos ombros. Tirou o uniforme às pressas e saiu do supermercado. Antes de ir para o bar, precisava passar no hospital. Pegou um ônibus apertado e sujo, onde se segurou como pôde entre os solavancos. Quinze minutos depois, desceu na porta do hospital, sentindo o coração acelerar. Os corredores brancos e frios sempre lhe causavam uma sensação de angústia. O cheiro de desinfetante era forte, quase sufocante. Ao entrar no quarto, viu a mãe deitada na cama. Os olhos estavam cansados, mas brilharam ao vê-la. — Oi, mãe. — Oi, querida — a voz dela saiu fraca, quase um sussurro. Claire se sentou ao lado da cama e segurou sua mão. Estava gelada. — Como foi seu dia? — a mãe perguntou. — Cansativo. Mas nada novo. A mãe sorriu de leve. — Você precisa descansar, filha. Claire apertou os lábios. — Descanso não paga contas. A mãe suspirou, mas não discutiu. Apenas apertou sua mão com carinho. Ficaram em silêncio por um momento, apenas de mãos dadas. Claire queria ficar ali a noite inteira, mas o relógio não parava. Ela beijou a testa da mãe, prometeu voltar no dia seguinte e saiu. Ainda tinha um turno inteiro pela frente. E, agora, uma festa luxuosa para servir. Claire chegou ao bar apressada, o corpo exausto depois de um dia inteiro no supermercado. A primeira coisa que notou foi o letreiro apagado. O lugar, que costumava fervilhar de música e movimento, estava silencioso. Julie a esperava na entrada, de braços cruzados e um sorriso de canto. — Chegou na hora certa. Claire arqueou a sobrancelha. — O que está acontecendo? Cadê todo mundo? Antes que Julie respondesse, Caio apareceu na porta. Alto, cabelos bagunçados e expressão relaxada, ele jogou um pano de limpeza sobre o ombro e disse: — Mudança de planos. O bar não vai abrir hoje. Todo mundo foi chamado para trabalhar na festa. Claire piscou, surpresa. — Todo mundo? — Todo mundo — confirmou Caio. Por um instante, ela sentiu um peso sair dos ombros. Trabalhar direto nos dois empregos antes da festa teria sido exaustivo. Mas com o bar fechado, ela ganharia um pouco mais de tempo para respirar — e se preparar. Julie bateu palmas, animada: — Isso significa que podemos tomar um banho decente antes de ir. Claire soltou um suspiro de alívio. O banheiro do bar era pequeno e desgastado pelo tempo, mas naquela noite parecia um refúgio. Claire deixou a água quente escorrer sobre seu corpo, tentando lavar junto a tensão acumulada dos últimos dias. Quando saiu do chuveiro, encontrou Julie já se trocando. Sobre o banco, estavam os uniformes da festa. Claire pegou o seu, sentindo o tecido entre os dedos. Era diferente do uniforme áspero do supermercado ou do bar. A seda escorregava suavemente sobre a pele, os detalhes eram refinados. Elegante, caro. Uma peça de qualidade evidente. — Isso aqui deve custar mais do que meu aluguel — murmurou, impressionada. Julie riu. — Você viu onde vai ser a festa? Aqueles ricaços não economizam. Claire vestiu o uniforme e se olhou no espelho. O caimento era perfeito, realçando sua silhueta de forma sutil. Pela primeira vez em muito tempo, ela se viu diferente. Julie apareceu ao seu lado, penteando os cabelos com os dedos. — Senta aí. Vou fazer um coque bonito em você. Claire obedeceu e fechou os olhos, relaxando enquanto Julie prendia seus fios castanhos com habilidade. — Pronto — disse Julie, satisfeita. Claire se virou para o espelho e se surpreendeu. O coque estava impecável, elegante. Mas o que mais chamou sua atenção foi o olhar cansado que refletia de volta para ela. Aqueles olhos, fundos, ainda carregavam o peso de tudo. Julie pareceu notar. — Espera, ainda não terminamos. Pegou sua bolsa de maquiagem e começou a aplicar um pouco de corretivo nas olheiras de Claire. — Só um toque — explicou. — Você não precisa de muito. Claire sorriu. Pequeno, mas genuíno. — Obrigada. — Estamos juntas nessa — Julie piscou para ela. As duas se encararam no espelho, agora prontas. Claire sentiu diferente naquela noite, maquiagem não era algo habitual, se arrumar somente quando era necessário, comprar algo para si mesmo, era um luxo que não podia — Vamos nessa? — Julie perguntou. Claire respirou fundo e assentiu. Juntas, saíram para encontrar a equipe na van que as levaria até o evento.
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