Memórias

1882 Words
Capítulo 02 Acordei no chão do quarto de minha avó. As memórias que haviam me sido tiradas ainda me causando dor, agora mais amena. Mirana! Meu nome é Mirana. Coloquei minhas mãos sobre o rosto e comecei a chorar e a tremer. Atlântida, meu pai, as pedras Temerazi, minha avó não era minha avó. Era minha mãe. Aquilo tudo era demais. Eu era uma criança quando parti de Atlântida, mas ainda me lembrava de meus amigos, seus ensinamentos. O palácio que ficava escondido no fundo do oceano, envolvido por um escudo, que impedia que a água invadisse nosso reino. As naves que ao passar pelo portal se tornavam submarinos, e a guerra. Os gritos, meu pai correndo ao lado dos soldados, me apertando forte em seu peito e pedindo que corrêssemos. “Não se esqueça nunca do seu dever como Temerazi.” foi a última coisa que ele me disse em meu ouvido antes que partíssemos. E isso foi tudo o que minha mãe me obrigou a fazer. Ela me fez esquecer quem eu era, para me proteger, e carregou o fardo dos Temerazi nos ombros por todos esses anos sozinha. Ah, mamãe! Isso foi um erro, essa era a minha missão. Comecei a repassar as minhas lições sobre as pedras diversas vezes, elas pareciam tão distantes. Soquei a lateral da cama de minha avó. “Os donos da sabedoria tinham apenas uma característica física que os diferenciava de todos nós. Seus olhos incrivelmente verdes que em algumas ocasiões pareciam brilhar como as esmeraldas contra o sol.” Levantei-me em um pulo, de repente me recordando de um certo rapaz no cemitério. Dimitri!  Comecei a procurar o contato de Dimitri às pressas. Minhas mãos tremiam enquanto eu levava o aparelho até o ouvido. Não demorou muito uma voz surgiu do outro lado da linha. -Alô! -Não precisa mais mentir, eu sei o que você é. – respirei fundo tentando parecer confiante perante a um Supremo- Vamos, me diga o seu verdadeiro nome. – ele soltou uma risada rouca. -Mas eu não menti para você, Mirana! -arrepiei-me ao escutar meu nome. Tantos anos sem ser chamada assim, eu estava tão bem adaptada à Luna. Talvez por que a verdade ainda não me pareça real, pelo menos não completamente. Mas as memórias estavam ali, e eu não podia negá-las. Não eram como um sonho, elas eram, aconteceram e faziam parte de mim. -Luna! Me chame de Luna! -Tudo bem, Luna! – o sarcasmo em sua voz era tão nítido que fazia meu sangue ferver – Eu não menti para você. Meu nome é de fato Dimitri Bertoliny. Justamente por meu nome ser tão parecido com o de vocês que fui enviado para esta missão. Mas isto não é o que importa, o que importa é... Você e seu povo estão prontos para cumprir com a promessa e devolver as Temerazi? Ou teremos que partir para métodos menos gentis? -Não há necessidade! -falei engolindo em seco e torcendo para que ele não percebesse meu pavor – Eu tenho pleno conhecimento dos meus deveres como... como... - de repente eu me dei conta. Meus pais faleceram, e dessa vez não era mentira ou uma memória manipulada. Eles de fato, partiram! -Como rainha de Atlântida, não é? – a voz dele de repente pareceu suave e empática. Mas eu não queria sua pena, não precisava dela. -Acho que prefiro o termo... descendente! – Dimitri respirou fundo. Ele pigarreou e então voltou a agir como antes. -Se denomine da maneira que desejar. Rainha, descendente Temerazi ou Atlante. O seu dever conosco não muda. -Não tenho dúvida alguma sobre qual é o meu dever. Nosso reino não fez como os outros que esconderam as Temerazi, usufruímos sim de seus benefícios tendo plena consciência de que ela nunca foi nossa. A Temerazi Atlante está comigo, porém as outras permanecem escondidas e, portanto, desaparecidas. -Foi me informado que todos os Marcados tem a informação de suas localidades. – disse ele ríspido. Marcados, era assim que nos chamávamos, pois quando os Supremos surgiram na Terra, eles usarem as Temerazi para marcar pessoas especificas, selecionadas e consideradas dignas por eles, para serem marcadas em seu sangue pelas joias. Essa marca e poder concedidos seria passado de geração em geração, para lembrar sempre de nosso compromisso com eles. Foram as marcas em nosso sangue que nos fizeram sermos os líderes e consequentemente reis e rainhas de nosso povo. Maias, Egípcios, Rapa Nui, Olmecas, e os Atlantes. -Isso não é verdade. Temos sim mais chances de encontrá-las justamente por nosso sangue estar marcado pelas Temerazi, elas nos chamam mas eu não sei exatamente onde elas estão. Mas eu... eu irei encontra-las, e irei devolvê-las. -Você quer dizer nós iremos encontra-las. Seu povo já provou desconhecer por completo o valor da fidelidade e honra, tentando nos impedir de resgatar algo que é nosso em primeiro lugar. Não vou correr o risco de te deixar ir sozinha só por ser uma jovem bonitinha de cabelos pretos e olhos azuis, então não vem com esse papinho de que você é diferente dos outros porque eu não irei acreditar. -Eu tenho 2.200 anos de idade. Não sou tão jovem assim não acha?- Dimitri bufou. Mesmo detestando admitir, eu não podia culpa-lo. Meus irmãos de Marca de fato não cumpriram com sua parte do compromisso, era meu dever reverter esse mau olhar perante os olhos dos Supremos. -Está bem! – eu disse – Não posso argumentar contra isso. Partiremos amanhã! – falei colocando a minha mãe na cintura e erguendo o queixo. Atitude i****a já que ele não podia me ver. -Partiremos hoje! Esteja pronta, eu entrarei em contato. – eu abri a boca para contestar mas ele já havia desligado. Era muito estranho, eu finalmente estava falando com um Supremos, alguém da raça que fez do meu reino e do meu povo o que ele é hoje. Espera! Eu fugi de Atlântida há 2000 anos, o que afinal era o meu povo hoje? O que aconteceu com o meu reino depois que partimos? Será que algum dia eu ainda poderia retornar? Meu povo ainda me receberia como sua rainha? Me aceitariam? Mordi os lábios e toquei na pedra turquesa que descansava sobre meu peito. Sem a pedra Temerazi eu ainda seria da realeza? E as outras joias? Como eu iria encontra-las? É verdade que elas chamam por nós, mas somente uma vez que estamos próximos a elas. Elas poderiam estar em qualquer lugar do Egito, em qualquer lugar da Ilha de Páscoa em qualquer lugar de... Ai meu Deus! Por onde eu devia começar? Uma vez quando era criança e ainda vivia em Atlântida, eu estava brincando de pique-esconde com meus amigos no palácio. Eu fui me esconder no gabinete Real de meu pai Poseidon, eu sabia que hesitariam em entrar ali, mas entrariam se necessário fosse para me encontrar. Pelo menos era isso que eu acreditava. Eu só queria ser a última a ser encontrada, e foi aí que comecei a sentir, a ouvir. A sensação calma e de paz. O cheiro de água salgada que eu só sentia perto dos portões de Atlântida. Uma leve brisa quente que eu queria descobrir de onde vinha. Eu ouvia o som de ondas quebrando na costa, na época eu não sabia identificar o que era de fato aquele som, afinal nunca tinha subido à superfície, sempre vivi no fundo do oceano. A única coisa que eu tinha certeza era que tudo era muito bom e que eu precisava encontrar. Comecei a revirar o escritório de meu pai até começar a sentir como se uma correnteza me puxasse. Eu fui parar de frente para uma parede, que tremeu e se abriu como mágica revelando uma passagem secreta. Eu comecei a descer as escadas no escuro, o caminho estava iluminado por luzes azul turquesa que vinham dos degraus. Quando mais eu descia, mais forte era a sensação de ser puxada. Por fim cheguei a um enorme salão oval branco e de mármore, com colunas gigantes em estilo grego e que bem no centro de um grande desenho de círculo dourado no chão estava um pedestal, também de mármore branco, com a pedra Temerazi flutuando em cima. O pedestal ainda era um pouco alto para mim, e o fato de ela estar flutuando também não me ajudou muito. Mas eu me estiquei e pulei até que finalmente consegui pegar. No instante em que a toquei, uma aura branca a tomou e de repente eu me sentia absurdamente forte. Mas então o poder começou a pesar dentro de mim, ele acumulava e crescia e com isso pesava cada vez mais. Eu precisava me livrar daquilo, eu não estava aguentando, era muito. Eu gritei e comecei a balançar os braços desesperada tentando me livrar daquela sensação h******l. Foi nesse momento que feixes de luz começaram a sair de meus dedos e então o peso começou a diminuir enquanto a luz saía. No entanto o mármore onde a luz tocava se partia e queimava. -Mirana! – meu pai gritou e eu me virei rápido. Os feixes quase o atingiram e ele também de certa forma parecia conseguir controlar o poder que saia de mim, mesmo que sem a joia. Ele correu até mim e a tirou de minha mão. -Mirana, isto é perigoso! – gritou ele furioso comigo. Eu abracei meu pai completamente assustada e com lágrimas nos olhos. -A culpa é dela, da pedra! Ela me puxou até aqui! – falei e comecei a soluçar com o choro que irrompia de minha garganta. -Puxou? – meu pai se ajoelhou a minha frente e segurou meus ombros, ele analisou com cuidado e preocupação – Mas... Tão cedo? – comecei a abrir o berreiro. -Não quero mais pegar nisso, nunca, nunca, nunca mais. – meu pai tinha cabelos pretos como o carvão e olhos azuis como o próprio mar, eu puxei ambas as características dele. Poseidon balançou a cabeça para mim. -Fugir do que te assusta é um erro, Mirana! Você deve tomar cuidado sim, analisa-lo, conhece-lo, pois o medo é de fato um mecanismo de defesa, porém, filha. Fugir de tudo que te traz medo não te acrescentará em nada, pois na maioria das vezes, o que mais te assusta é o que pode te trazer maior grandeza. – ele sorriu e acariciou meu rosto, funguei e comecei a me acalmar – O que nem sempre é bom, nem toda grandeza é boa, mas, vale a tentativa. – comecei a coçar meus olhinhos azuis molhados – Eu vou te ensinar, te treinar para que aprenda a controlar o peso da Temerazi Atlante, porém, isto tem que ficar somente entre nós. Prometi a sua mãe que a manteria longe da pedra até que se tornasse adulta. -Temerazi? Mas esse não é o nosso nome? – perguntei. -Sim, mas temos esse nome pois um pouco dessa joia corre em nossas veias. – ele ergueu a mão e a abriu para que eu pudesse olhar melhor a joia – Então por isso o nome dela é Temerazi, como nós. A lembrança me trouxe tanta paz, que logo o sono me atingiu. Fui tomar um banho e logo depois caminhei direto para a cama, onde deitei e me enrolei nos lençóis. Eu te amo, papai! E peguei no sono.  
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