Era meu primeiro dia com uma terapeuta, devo admitir que isso era muito estranho para mim. Mesmo com os anos de exército e na agência, vivendo a vida de muitas pessoas, nunca conversei com alguém sobre as coisas que fiz e que fizeram comigo. Admito que estava indo, porque foi quase uma condição imposta pelo Parker para que me perdoasse.
- Então, quer me contar alguma coisa? - perguntou Marta, a terapeuta. Já fazia longos vinte minutos que estávamos sentadas em silêncio.
- Acho que não. - ela me interrompeu.
- Sabe senhorita Hank, já recebi muitos militares ou agentes antes nessa sala. Deve saber que tudo que me falam, não sai daqui. Não estou aqui para julgar você. - eu a interrompi desta vez.
- Mas me ajudar. Já escutei muito isso - falei.
- Acredite, meu próximo paciente é só daqui a uma hora. Até lá, podemos ficar em silêncio.
- Vim porque um amigo impôs tal condição para me perdoar.
- Perdoar porque?
- Por ter ido embora sem se despedir e sumir por seis meses. - ela me encarou atenta e eu balancei a cabeça.
- Não costuma dar satisfação da sua vida para pessoas próximas a você? - perguntou e eu assenti.
- Parker é a única pessoa mais próxima de mim. - ela me interrompeu de novo.
- Você gosta dele? - a encarei confusa e ela prosseguiu. - Digo, mais do que como amigo. - acabei rindo e a encarei.
- Não, ele é um amigo muito próximo.
- Alice você marcou diversas consultas, o que fez você vir hoje? - ela perguntou tranquila e eu suspirei.
- Acreditaria se eu dissesse que foi por causa de um sonho? - forcei um sorriso e ela indicou para que eu continuasse. - Sonhei que estava trabalhando com minha equipe num caso de um incendiário, um assassino.
“O fogo estava alto, eu estava literalmente presa no fogo e não tinha para onde eu pudesse fugir, Jesse quase morria tossindo e eu o encarei com ternura, com medo, não conseguiria viver ou morrer com a ideia de que ele morreria ali.
- Sai daqui - ordenei com os olhos lacrimejados e ele negou outra vez.
- Não vou deixar você - disse ele ansioso. Eu apenas suspirei e sabia que tinha poucas chances de convencê-lo a sair dali.
- É uma ordem Stockler, vai agora. - ordenei outra vez e ele me olhou assustado. - Sou sua superiora e você não vai deixar de escutar. Sai agora. - falei e logo vi Parker com alguns bombeiros. - Tira ele daqui - falei para o Parker.
- Alice... - disse Parker e eu apenas neguei. - Vamos Jesse - disse Parker o puxando e ele se desvencilhou de Parker, mas foi segurado por outros bombeiros.
- Vai - falei quase num sussurro e a força, Jesse e - Parker saíram do depósito. Logo comecei a tossir, quase podia sentir a fumaça nos meus pulmões.
- Vamos tirar você daí - disse um dos bombeiros, ele tinha olhos azuis feito oceano e transmitia tranquilidade. Um dos outros bombeiros apenas negou para ele.
- Tá tudo bem - falei sincera e voltei a tossir. - Saiam, não precisamos de mais mortes.
- Não vamos desistir.
Não pude conversar muito, minha tosse só se intensificou e logo tudo escureceu as minhas vistas. Não sabia se era a morte chegando, se fosse, até que não era tão dolorida quanto imaginei que pudesse ser, eu a aceitaria tranquila, como se fosse a o final da minha história, e não me arrependeria de nenhuma de minhas escolhas. Estava em casa.
- Ela vai acordar? - ouvi a voz de um homem, mas não conseguia abrir os olhos ainda, parecia meu grogue.
- Claro que vai - respondeu uma mulher. - Alice é forte.
- Ela não devia ter nos tirado de lá antes - essa voz eu reconheci, Jesse.
- Olha - abri os olhos e vi Parker bem em cima de mim, queria rir, mas sentia dor. - Ela acordou - disse ele animado.
- Vou chamar o médico - disse Matthew que também estava no quarto.
- Como se sente? - perguntou Jesse, parecia abatido.
- Bem - respondi quase num sussurro.
Logo a médica entrou e disse que inalei bastante fumaça, mas não o suficiente para precisar passar por cirurgia, mas que me sedaram até que meus pulmões ficassem limpos o bastante. Que ficaria em observação durante a semana e que provavelmente sentiria falta de ar dependendo do que fizesse.
Durante a semana o pessoal passava em vários momentos no hospital e se intercalam quem passaria a noite, mesmo que falando diversas vezes que não tinha necessidade, que não era nenhuma inválida. Na tarde de terça, dois dias antes de ter alta, tive a visita mais inesperada, um homem cujo o qual jamais esquecia os olhos.
- Oi, espero não estar atrapalhando - disse ele entrando no quarto e eu apenas sorri.
- Não está. Acho que devo um muito obrigado por ter me salvado - falei e ele me entregou um buquê de rosas.
- Estava apenas fazendo meu trabalho - disse ele tranquilo. - Aliás, sou Andrew.
- Alice - apertamos as mãos e ele sorriu. - Não estou acostumada com pessoas me salvando, quase sempre sou eu quem as salva - falei convicta e ele sentou na beira da cama ainda sorrindo.
- Eu sei como é. Mas fico muito feliz que esteja bem.
- Graças a você, pelo que parece - eu ri em silêncio. - costuma visitar suas vítimas?
- Nem um pouco - sua voz saiu suave. - Precisava ver você de novo. - por alguma razão senti minhas bochechas ficarem vermelhas e ele sorriu. - Queria convidar você para sair, aceitaria um jantar?
- Eu até aceitaria - ele me encarou entristecido. - - Mas não sei quando terei alta, então esse convite, terá que ser refeito quando eu sair.
- Tudo bem, é justo - ele riu e acabei fazendo o mesmo.”
Ao terminar de contar o sonho, a terapeuta continuava me encarando, enquanto eu mexia meus dedos distraidamente. Seu olhar parecia tão tranquilo que me irritava. Depois de um longo suspiro, ela finalmente falou algo.
- Um sonho e tanto, mas porque. - a interrompi.
Porque nunca me senti tão vulnerável, tão atingida por não estar com ele.
- Jesse? - eu apenas assenti. - Você tem sentimentos por ele? - concordei. - Porque não fala para ele?
- Porque no nosso trabalho, não podemos ficar juntos. E se tem uma coisa que nós dois gostamos mais do que nossa própria vida, é nosso emprego.
- Você precisa aprender a lidar com seus sentimentos Alice, ou irá sucumbir a eles.
- Eu sei. Mas passar metade da vida não sentindo nada por ninguém é difícil.
- Mas você tem um melhor amigo, não? - apenas concordei. - É um começo já, ter alguém para conversar e ter um melhor amigo já é uma expressão dos teus sentimentos.
- Ainda que eu esconda tanta coisa dele? - perguntei curiosa e ela sorriu.
- Ter um amigo não te obriga a contar tudo sobre você. Sua vida diz respeito tão somente a você -
Alice, não é obrigada a compartilhar tudo com outras pessoas.
- Eu sei, é que. - suspirei. - Eu já amei antes, mas sabe, não consigo me lembrar da sensação e isso é sufocante.
- Como não se lembra? - perguntou calma, mas seu rosto era expressivo, um misto de confusão e curiosidade.
- Eu o amei tanto que quando fui embora, me tornei fria e insensível, esqueci meu passado e olhei para frente. Eu sinto que já amei, me lembro do que forcei a mim mesma esquecer, mas não consigo lembrar da sensação de amar alguém tanto que meu coração chega a doer. - pressionei meus lábios um no outro e a terapeuta me encarava.
- Quem era a pessoa que amou? Conte mais. - disse ela curiosa com um sorriso delicado e eu a olhei. - Mas na próxima semana, seu horário acabou. - disse analisando o relógio e eu assenti,