"O que houve?", ela pergunta, em tom direto.
Eu aceno para ela. "Nada. Coisas de trabalho. Não é da sua conta."
"Besteira", ela retruca, cruzando os braços. "Você tem esse olhar."
Sinto uma pontada de arrependimento pela minha impertinência, mas a reprimo. Melhor mantê-la à distância. Não preciso que ela fique grudenta agora que ficamos.
"Que olhar?", pergunto, fingindo ignorância.
"O olhar de 'Estou me afogando no meu próprio drama, mas sou teimosa demais para pedir ajuda'", ela diz, seus lábios se curvando em um meio sorriso.
Não consigo deixar de rir, apesar do meu humor. "Você me entendeu, hein?"
"Nem de perto", ela responde, seu sorriso desaparecendo. "Mas é bem óbvio quando algo está te corroendo."
Volto para o meu computador, esperando que ela entenda a indireta. "Não é nada, sério. Só um longo dia."
Ouço seu suspiro, seguido pelo suave pisar de seus pés enquanto ela se aproxima. "Cole", ela diz, sua voz mais suave agora. "Você não precisa me dizer, mas também não minta para mim."
Fecho os olhos, sentindo o calor da presença dela atrás de mim. Seria tão fácil me inclinar para trás, deixá-la entrar. Mas não posso. Não vou.
"Agradeço a preocupação", digo, mantendo minha voz neutra. "Mas já cuidei disso."
Eu me viro para encará-la, pronta para terminar essa conversa, quando o telefone dela toca. Ela olha para ele, seus olhos se arregalando.
"Merda", ela murmura, já se movendo em direção à porta. "Tem outro resgate. Eu tenho que ir."
"Espera, o quê?" Eu me levanto, alarmes soando na minha cabeça. "Tessa, de jeito nenhum você vai fazer isso de novo. É muito perigoso."
Ela faz uma pausa, mão na maçaneta, e olha para mim com fogo nos olhos. "Com licença?"
Cruzo os braços, mantendo-me firme. "Você me ouviu. Depois do que aconteceu da última vez? Não é seguro."
"E desde quando você decide o que eu faço?", ela desafia, elevando a voz.
Sinto minha frustração aumentando. "Só estou tentando te proteger!"
"Eu não preciso da sua proteção, Cole", ela retruca. "O que eu preciso é que você pare de agir como um babaca controlador."
As palavras dela me atingiram como um tapa. Abro a boca para discutir, mas ela me interrompe.
"Sabe de uma coisa? Estou saindo daqui. Tenho animais para salvar."
Antes que eu possa responder, ela sai pela porta, me deixando ali parado, atordoado e em conflito. Parte de mim quer correr atrás dela, para fazê-la entender. Mas outra parte sabe que ela está certa. Estou sendo um babaca.
Afundo de volta na cadeira, passando a mão pelo cabelo. Como deixei as coisas ficarem tão complicadas?
"Droga", murmuro, pegando minhas chaves e correndo para fora da porta. Não tem como eu deixar ela enfrentar isso sozinha.
Eu a alcanço antes que ela se afaste. Ela olha para cima, sua expressão é uma mistura de surpresa e aborrecimento. Ela abaixa a janela. "Eu vou com você", eu grito.
Ela balança a cabeça. "Ótimo."
Eu meio que espero que ela se afaste enquanto eu viro a traseira do carro, mas ela não o faz. Ela também não fala comigo. Ela aumenta o volume da música — algo pop e ridículo que eu tenho certeza que ela está usando apenas para me irritar — e canta alto junto.
Paramos em uma casa decadente nos arredores da cidade. Os vizinhos não são próximos e a casa em si fica recuada na propriedade. Ainda bem que não a deixei vir aqui sozinha.
O quintal está coberto de mato, cheio de lixo e peças velhas de carros. O cheiro me atinge assim que saio do carro — uma mistura nauseante de urina, fezes e decomposição.