Capítulo 19
Narrativa de Mabel
Chega o sábado, tudo preparado para fugirmos. Pegamos o restante dos nossos documentos, dobramos e enfiamos na bolsinha. Botamos uma roupa como se fosse para o baile: calça jeans e top — o meu azul, o da Esmeralda preto — uma jaqueta jeans por cima combinando com a calça. Ficamos de tênis. Escovamos nossos cabelos, passamos nosso melhor perfume e botamos na bolsa.
Esmeralda já tinha pego o dinheiro dela no cofre e levado para o apartamento no dia que alugamos. Fizemos tudo de caso pensado: dentro da mochila havia mais ou menos 350.000 em espécie, para que no dia nós pudéssemos fugir sem levantar suspeitas.
Não aguentei e tive que contar para minha mãe. Chamei minha mãe na sala, sentamos e eu falei para ela:
— Mãe, eu e a Esmeralda estamos indo embora.
Minha mãe regalou um olho enorme e disse:
— Por quê, minha filha?
Respirei fundo, falei para ela:
— A senhora sabe que eu sou apaixonada pelo Medusan, mas ele não dá a mínima pra mim, assim como o Falcão não dá a mínima pra Esmeralda. Ele quer ela por perto, não quer que ninguém toque, mas não faz questão de ficar com ela e nem faz questão da criança. Eu vou aproveitar e vou com ela, pra poder tomar conta dela também. Enquanto eles não chegarem aqui, a senhora não diz nada. Não vai atrás dele, mamãe, porque eu não quero saber dele. Talvez eu encontre uma pessoa melhor… um advogado, um médico, alguma coisa, mamãe, que não seja b******.
Minha mãe olhou e disse:
— Vão com Deus, minhas filhas. Peço a Deus que vocês encontrem o que tão procurando. Mas qualquer coisa que acontecer, vocês voltam correndo. Se não for pra cá, voltem pro apartamento de vocês. E sabe que eu tenho meu apartamento fechado. Aqui está a chave. Qualquer coisa que acontecer, vão para o nosso apartamento. Entendeu, minha filha?
Eu entendi o que minha mãe quis dizer, só que ela não sabe que nós alugamos um apartamento neutro para que ninguém soubesse, e ela também não sabe que nós vamos ficar 15 dias ainda esperando o meu passaporte sair. Se eu disser, talvez ela conte, mas prefiro não dizer. Só dela saber que estamos fugindo, tá ótimo.
Minha mãe foi no cofre, pegou 300.000 e me deu. Eu entendi que ela tinha um dinheiro guardado da antiga patroa, só não sei por que tanto dinheiro essa patroa dava pra minha mãe — no caso, a avó da Esmeralda.
Espalhei o dinheiro por dentro da calça, rodeando minha cintura. Esmeralda fez o mesmo, me ajudando, porque o dela já estava lá no apartamento. Subimos um novo, ia dar meia-noite. Subimos devagar, como se estivéssemos indo para a casa da amiga, para de lá irmos para o baile.
Quando deu dez para uma da manhã, a moça chegou — a mãe da Laurinha — e levou ela embora. Minha amiga foi tomar banho enquanto nós já esperávamos na sala. Comemos alguma coisa que ela deixou pronta. Quando ela chegou, já arrumada, pegou a chave, a bolsinha e chamou para que nós fôssemos.
Chamei ela, sentei ela no sofá e disse:
— Nós não vamos com você.
Ela abriu o olho grandão e falou:
— Mas por quê? O que aconteceu?
— Estamos fugindo do morro. Só que o Falcão não pode saber que nós estamos saindo. Vamos por aqui por trás, pelo lugar que só eu sei. Quero te pedir: não diga nada. Todos estão pensando que eu vim pra sua casa para irmos ao baile, e fica assim. Espera primeiro que nós vamos pra lá. Vou deixar nosso celular com você. Quebra ele, faz o que você quiser, tira o chip… não deixa que eles descubram esse celular com você. Não queremos. Já temos um chip novo no celular novo que está no apartamento. Agora me dá o seu número.
Ela me deu o número dela. Eu já tinha o número da minha mãe no outro celular novo. Falei para ela:
— Assim que eu puder, eu ligo pra você. Meu número vai aparecer bloqueado. Então você já vai saber que sou eu. Entendeu?
Ela assentiu com a cabeça, me deu um abraço com os olhos marejados e disse:
— Boa sorte, amiga. Que você ache o que está procurando.
Abraçou Esmeralda também, porque conhece ela pouco. Saímos pelos fundos da casa dela, subimos o morro entrando nas vielas. Paramos perto do lixão, onde não tem ninguém, só noiados. Eles não nos viram. Subimos pelo canto e ganhamos a mata.
Descemos por uma trilha que o Falcão e o Medusan me ensinaram. Chegamos no asfalto depois de trinta minutos andando por dentro do mato. Esmeralda estava quase botando o filho pra fora de medo, mas eu sabia que ali não tinha nada, porque ninguém se atreve a passar por ali.
Quando chegamos no local onde escondemos o carro — no quintal de uma senhora — pagamos a ela o aluguel de três dias para deixar nosso carro ali. Pedi a chave para que, quando passássemos de madrugada, pegássemos o carro. Assim ela fez. Paguei R$ 5.000, que Esmeralda mandou eu dar.
Entramos, demos a chave e fomos embora em direção ao nosso apartamento alugado. Entramos e ficamos ali sentadas, uma olhando para a cara da outra. De repente soltamos o ar que nem sabíamos que estávamos prendendo. Ela me olhou e disse:
— Minha amiga, será que vai dar certo? Será que eles vão nos procurar tão rápido?
Virei para a Esmeralda e disse:
— Por enquanto tenho certeza que eles não vão dar falta de nós, porque vão estar no baile comendo mulher pra caramba. Eles só vão dar falta da gente na segunda-feira, quando não verem vestígio nenhum. Aí vão na nossa casa nos procurar, e minha mãe vai dizer que não sabe. E se minha mãe soubesse, ela iria dizer. Então… ela não sabe mesmo. Ela só vai dizer que nós fugimos. E daí já fazem 48 horas. Então vamos ficar na nossa aqui, escondida. Temos comida, bebida, chão. Só não vamos ficar ligando pra mamãe. Ela sabe nosso número que está atrás da folhinha. Ela não botou no celular dela. E ela tem um novo celular que eu dei pra ela falar conosco. Então ela vai ligar pra nós quando estiver seguro. Entendeu, minha amiga?
— Vamos dormir, Esmeralda. Descansar a nossa cabeça. Não pensar em mais nada. Estamos longe do morro. Eles jamais imaginariam. Vamos ficar quinze dias ainda no Brasil. Temos que ficar caladas. Mamãe só vai ligar ou mandar mensagem quando ela se sentir segura.
Três dias depois que estávamos escondidas, o telefone tocou. Já sabíamos quem era. Atendi nervosa:
— Mamãe, fala.
Na mesma hora ela disse:
— Falcão e Medusan estão desesperados, caçando vocês duas. Cuidado. Eles vieram aqui, me perguntaram, subiram no quarto de vocês pra ver se achavam algum vestígio, e graças a Deus vocês não levaram nada. A roupa de vocês tá toda aqui. Eles não sabem como vocês conseguiram sair. Eu também disse que não sabia. Falei que tava dormindo quando vocês foram embora. Falcão tá desorientado. Desde domingo que ele bebe. Medusan tá bebendo pior ainda.
Soube que ele deu uma coça na Rita porque ela chamou você de v********, porque viu ele bebendo por sua causa. Dizem que ele bateu nela no meio da rua e raspou a cabeça dela. Filhas, fiquem escondidas. Não saiam daí. Pra onde vocês vão?
Respondi para minha mãe:
— Não podemos dizer, mamãe. Mas assim que nos estabilizarmos, falarei contigo. Não deixe ele ver esse telefone. Ele não pode saber que você está falando conosco.
— Tá bom, minha filha. Fica com Deus. Beijo na Esmeralda. Fala pra ela ter cuidado com meu neto.