A Família Quase Perfeita
Julho de 2008
Eu tinha 6 anos quando tudo aconteceu, mas lembro como se fosse ontem, lembro de cada minuto da época mais feliz da minha vida. Eu vivia com meus pais e meu irmão. Richie tinha 5 anos na época, era apenas um ano mais novo que eu e nós dois éramos bem diferentes um do outro. Ele tinha umas brincadeiras meio violentas, adorava histórias de terror e não parava quieto um segundo, era super agitado, já eu sempre fui mais tranquila, era uma criança extremamente carinhosa, mas mesmo a gente sendo um pouco diferentes um do outro, nos dávamos muito bem, um era o melhor amigo do outro, meu irmão era uma das pessoas que eu mais amava em todo o mundo, e eu me divertia muito com ele.
Richie era um excelente irmão, eu era magrinha e meio miudinha, já ele era meio grande pra sua idade, então se alguém brigasse comigo, logo ele saia em minha defesa mesmo sendo mais novo que eu, era tão corajoso.
Era um sábado de verão, fazia muito calor, estávamos de férias e passávamos as tardes brincando. Eu gostava de estudar, mas confesso que amava quando chegava as férias.
- Meu Deus! - Falou mamãe. - Mas vocês estão uns porquinhos. Quem vai tomar banho primeiro?
- O Richie. - Falei.
- A Soso. - Disse Richie junto comigo.
- Vamos, os dois pro banho, já. - Falou minha mãe.
- Mas mãe… - Retruquei.
- Anda Sophie...
E lá fomos nós… Richie e eu costumávamos tomar banho juntos desde bebês, nossos pais nunca se importaram com isso, até porque éramos crianças e a gente adorava, pois fazíamos muita bagunça no chuveiro ou na banheira, lembro o quanto a gente se divertia com as espumas.
Mamãe era um doce de pessoa, muito meiga e carinhosa, acho que puxei isso dela, lembro que todas as noites ela lia um livro pra gente dormir, e quando ela não podia era o papai que lia. Era uma mãe zelosa e muito afetuosa, lembro o quanto a admirava e a achava a mulher mais linda do mundo.
Richie e eu dormíamos no mesmo quarto, pois nossa casa era de dois dormitórios, mas a gente adorava pois as vezes ficávamos brincando ou vendo TV até tarde, claro que sem nossos pais saberem, e só durante as férias, porque na época escolar já não fazíamos isso, pois acordávamos cedo para ir à escola.
- E eles foram felizes para sempre. - Falou mamãe ao terminar de ler o livro do Gato de Botas, meu preferido. - Agora boa noite, meus amores, durmam bem.
Ela deu um beijo na gente e saiu de nosso quarto. Nisso caiu um trovão, bem que mamãe tinha dito que ia chover, passou a tarde toda falando isso, e Richie e eu esperando para tomar banho de chuva e nada, dai a chuva resolveu vir logo na hora de dormir, e com direito a muitos trovões e raios e eu detestava, tinha muito medo.
De repente caiu um trovão que fez muito barulho. Comecei a chorar de medo.
- Hey, tá com medo? - Perguntou meu irmão.
Apenas acenei a cabeça positivamente e ele foi para o canto de sua cama, me dando lugar. Fui correndo para a cama de meu irmão e ele me abraçou me protegendo, as vezes Richie parecia ser o mais velho, queria ter a coragem dele.
- Fica com medo, não. - Ele disse. - Eu te protejo.
No dia seguinte ainda estava chovendo, conseguimos tomar banho de chuva e foi muito legal porque até nossos pais tomaram com a gente, e eles não gostavam muito dessas coisas, esse dia foi demais, acho que nunca me esquecerei o quanto eu estava feliz. Queria que tivesse sido sempre assim.
Nós não éramos uma família perfeita, mas éramos felizes. Eu era feliz, mas m*l sabia eu que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Alguns meses se passaram, eu estava no primeiro ano do ensino fundamental e Richie no jardim B, porém nós dois já sabíamos ler e escrever, papai fez questão de nos ensinar e aprendemos rápido, todo mundo falava o quão inteligente éramos, também éramos fluentes no espanhol, porque os meu avós paternos eram da Argentina, papai nasceu lá também, mas veio pro Brasil aos 14 anos, se considera mais brasileiro do que argentino, alguns tios nossos moram lá, então todo ano a gente ia pra Buenos Aires e adorávamos, pois visitávamos nossa família e porque amávamos fazer viagens em família.
Eu tinha muitos amigos na escola e gostava muito de ir pra brincar com eles, também fazíamos atividades, mas o que a gente mais fazia mesmo era brincar, meus melhores amigos eram o Léo, a Samantha, a Aylla e o Diego, formávamos um quinteto e tanto, deixávamos os professores quase loucos. Diego dizia que quando crescesse namoraria comigo, mas eu nunca dei bola pra essas coisas, era criança e não pensava nesses assuntos de adultos, mas confesso que de todos ele era o meu melhor amigo.
Lembro como se fosse ontem daquela noite. Um domingo de muito calor, Richie e eu já estávamos deitados quando escutamos a briga. Eram nossos pais. Eles já tinham brigado outras vezes, mas não desse jeito.
Eles estavam brigando muito alto, detestava quando os dois brigavam, não entendemos o motivo, mas ficamos assustados, nunca tinha visto eles brigando daquele jeito, pareciam muito bravos..
Comecei a chorar muito, meu irmão que detestava ver eu chorar, se deitou do meu lado e me abraçou.
- Por que eles estão brigando? - Perguntei.
- Não sei. - Falou Richie docemente ao dar de ombros. - Deve ser coisa de adultos, como eles dizem.
- Não gosto quando eles brigam. - Falei.
- Nem eu.
Só que a partir desse dia as coisas começaram a piorar, era briga atrás de briga, eles quase não conversavam, brigavam quase todos os dias, e quando não estavam brigando, ficavam sem um falar com o outro, ninguém nos explicava nada e ficávamos sem entender o que estava acontecendo.
Por conta disso, meu irmão começou a ficar mais violento, vivia batendo nos colegas por qualquer coisa e a professora dele só o colocava de castigo sem saber o porquê disso. Já eu, comecei a ficar mais chorona, chorava por tudo e as vezes até fazia um pouco de pirraça, coisa que antes eu jamais faria, mas não era porque eu queria, e sim, por toda a situação com meus pais, isso estava me deixando muito m*l e eu não conseguia verbalizar isso..
- Prof, posso ir ao banheiro? - Perguntei.
- Termina de fazer a atividade e depois você pode ir. - Ela falou docemente.
- Não, eu quero ir agora. - Falei começando a chorar e ao me jogar no chão.
Todos meus colegas ficaram me olhando assustados, a prof. também me olhou surpresa com minha atitude.
- Eu quero ir ao banheiro. - Gritei aos prantos.
- Ok, pode ir. - Falou assustada.
Sai correndo e fui ao banheiro, fiz xixi, mas depois não quis mais voltar pra sala, fiquei vagando pelo colégio, passei por vários lugares até chegar no pátio, onde me sentei em um banco.
- Até que enfim te encontrei. - Falou minha professora ao sentar do meu lado. - Acho que você errou o caminho do banheiro.
Estava tão distraída que nem notei ela chegar.
- O que houve? - Perguntou.
- Nada. - Respondi.
A verdade é que eu não sabia explicar, nem dizer o que estava acontecendo, até porque eu não estava entendendo nada, meus pais não me contavam o que estava havendo.
Assim que meu irmão e eu chegamos da escola, nossos pais sentaram conosco, dizendo que precisavam conversar com a gente. Senti muito medo, imaginei que era algo r**m. Queria estar errada.
- Bom, primeiramente a gente gostaria de pedir desculpa a vocês por todas as brigas que vocês devem ter escutado. - Falou papai. - Mas isso não vai mais acontecer.
- Não? - Perguntei com um largo sorriso no rosto.
- Não, meu amor. - Disse mamãe docemente. - Acontece que o papai e eu decidimos que cada um vai morar em uma casinha.
- Vocês vão se separar? - Perguntou meu irmão.
Nossos pais apenas se olharam e logo papai confirmou o que a gente mais temia, de fato, eles se separariam.
Mas eu não queria, gostava de viver com meus pais e meu mano, não queria que isso mudasse, só que o que eu não sabia é que mudaria mais do que eu imaginava. Muito mais do que eu queria.