Alicia girava a taça de vinho entre os dedos enquanto encarava Lucas do outro lado da mesa. A noite tinha sido boa, leve, cheia de risadas. Foram jantar num restaurante moderno da cidade e, pela primeira vez em dias, ela sentiu-se viva. Lucas falava sobre sua infância no interior e sobre como sonhava em ser promotor. Ela ouvia, sorria, e bebia — um pouco além do normal.
— Eu gosto de você, Alicia — disse ele, sem rodeios.
Ela soltou um riso curto. — Eu sei.
— E você? Ainda tá tentando fugir do professor Calderon?
A pergunta a pegou de surpresa, mas Alicia não disfarçou. Encarou Lucas nos olhos e respondeu com sinceridade:
— Eu tô tentando fugir de mim mesma.
Ele apenas assentiu e pagou a conta.
Do lado de fora, o clima esfriou, mas Alicia sentia o rosto quente. Lucas ofereceu o casaco, ela aceitou. E quando os olhos se encontraram de novo, o beijo aconteceu naturalmente. Suave no começo, depois mais intenso. Ele a puxou pela cintura e ela correspondeu.
Do outro lado da rua, Rafael observava tudo de dentro do próprio carro. Estava ali por acaso — ou talvez não fosse acaso algum. Tinha saído para clarear a mente e acabou estacionando perto do prédio dela. Quando viu os dois se beijando, o mundo dele desabou.
Alicia sorrindo. Alicia sendo tocada. Alicia permitindo.
Ele fechou os punhos com tanta força que o couro do volante gemeu.
— Filha da p**a… — murmurou, com raiva contida.
Então viu quando eles entraram no prédio, juntos. Rindo, se beijando no elevador. E mesmo de longe, Rafael sabia: ela ia subir com Lucas.
—
Alicia abriu a porta do apartamento com as mãos trêmulas. Nina já dormia no quarto, e a babá estava na casa da irmã naquele fim de semana. A casa estava silenciosa, só com a luz da cozinha acesa. Lucas entrou atrás dela e fechou a porta devagar.
— Tem certeza? — ele perguntou, com respeito.
Ela não respondeu. Apenas o beijou com intensidade, deixando claro que ela queria apagar o professor da cabeça, nem que fosse na marra.
Lá fora, Rafael havia saído do carro. Parou do outro lado da rua, olhando para a janela iluminada. Uma sombra se movia. Risadas abafadas.
A dor virou raiva.
E a raiva virou impulso.
Ele socou a parede do beco ao lado com tanta força que a pele dos dedos se abriu. O sangue escorreu, mas ele nem sentiu.
— Maldita garota… — sussurrou. — O que você está fazendo comigo?
—
Na manhã seguinte, Alicia acordou sozinha na cama. Lucas havia dormido no sofá, por respeito. Não tinha acontecido nada além de beijos e carícias. Mas para ela, parecia que tinha cruzado uma linha que não devia.
Passou o domingo em silêncio, pensando em Rafael, pensando no que estava tentando fazer com o próprio coração. À noite, caminhou até o quarto de Nina, que dormia com o ursinho preferido nos braços. Beijou sua testa e se deitou no chão, encolhida.
— Eu não consigo te esquecer… — sussurrou, com os olhos cheios de lágrimas.
—
Rafael, por outro lado, pegou o carro e foi direto para a mansão herdada do tio-avô. Precisava se isolar. Precisava entender quem ele era antes de tentar sentir qualquer coisa por alguém. A casa era enorme, antiga, cheia de móveis de madeira escura e quadros antigos que pareciam observá-lo.
Subiu as escadas e começou a explorar os quartos. Em um deles, encontrou uma caixa lacrada com o nome “Lúcia Calderon” — o nome de sua mãe. Sentou-se no chão e abriu.
Dentro, fotos antigas, uma boneca de porcelana e uma carta escrita à mão.
“Para meu sobrinho-neto, Rafael. Há verdades que nem o tempo consegue apagar.”
A mão dele tremia.
A carta revelava que sua mãe havia sido internada em um hospital psiquiátrico secreto por anos, antes de morrer. Ninguém da família sabia — exceto aquele tio-avô, que cuidou dela em silêncio. Havia um diagnóstico obscuro, episódios violentos… e suspeitas de que ela havia tentado matar o próprio marido antes de desaparecer.
Rafael fechou os olhos.
A verdade desabava sobre ele como uma avalanche.
Ele sempre achou que sua mãe havia morrido no parto. Mas ali estava: ela sobreviveu… e enlouqueceu.
—
De volta à faculdade, a semana começou com tensão no ar. Alicia chegou usando jeans colado, blusa vinho decotada e o cabelo solto. Estava linda e fria. Lucas a recebeu com um beijo na bochecha. Mel, Júlia e Guilherme trocaram olhares cúmplices.
Na sala, Rafael entrou sem olhar para ninguém. Estava com os nós dos dedos machucados, cobertos por curativo.
Alicia percebeu.
Durante a aula, Rafael propôs uma discussão sobre ética. E lançou uma pergunta:
— O que é mais imoral? Amar o proibido ou fingir amar o permitido?
Os olhos dele estavam fixos em Alicia.
Ela engoliu seco.
— Acredito que o mais imoral é esconder o que sente. E depois destruir quem tentou esquecer você.
Um silêncio sepulcral tomou a sala.
Rafael sorriu, amargo.
— Resposta interessante, senhorita Vasquez.
—
No fim do dia, ele a alcançou no corredor.
— Posso falar com você?
Ela virou-se devagar.
— Achei que você preferia observar de longe.
— Não aconteceu nada naquela noite, não é?
Alicia o encarou.
— Não é da sua conta.
Ele avançou um passo.
— É sim. Porque eu ainda penso em você todas as malditas noites.
Ela sentiu o coração acelerar.
— Então por que foge de mim? Por que se cala?
— Porque eu não posso ser o homem que você merece.
— E quem você é, Rafael?
Ele hesitou.
— Um homem que está afundado em segredos.
— Então talvez eu deva ficar com alguém que quer me dar paz.
Ela se virou, pronta para ir. Mas ele segurou seu pulso com delicadeza.
— E se eu for feito pra incendiar você, Alicia?
Ela não respondeu.
Mas os olhos dela diziam tudo.
—
Naquela noite, os dois dormiram separados.
Mas sonharam juntos.
E em seus sonhos, o fogo ainda ardia — mais forte do que nunca..