Capítulo 11

1017 Words
Alicia girava a taça de vinho entre os dedos enquanto encarava Lucas do outro lado da mesa. A noite tinha sido boa, leve, cheia de risadas. Foram jantar num restaurante moderno da cidade e, pela primeira vez em dias, ela sentiu-se viva. Lucas falava sobre sua infância no interior e sobre como sonhava em ser promotor. Ela ouvia, sorria, e bebia — um pouco além do normal. — Eu gosto de você, Alicia — disse ele, sem rodeios. Ela soltou um riso curto. — Eu sei. — E você? Ainda tá tentando fugir do professor Calderon? A pergunta a pegou de surpresa, mas Alicia não disfarçou. Encarou Lucas nos olhos e respondeu com sinceridade: — Eu tô tentando fugir de mim mesma. Ele apenas assentiu e pagou a conta. Do lado de fora, o clima esfriou, mas Alicia sentia o rosto quente. Lucas ofereceu o casaco, ela aceitou. E quando os olhos se encontraram de novo, o beijo aconteceu naturalmente. Suave no começo, depois mais intenso. Ele a puxou pela cintura e ela correspondeu. Do outro lado da rua, Rafael observava tudo de dentro do próprio carro. Estava ali por acaso — ou talvez não fosse acaso algum. Tinha saído para clarear a mente e acabou estacionando perto do prédio dela. Quando viu os dois se beijando, o mundo dele desabou. Alicia sorrindo. Alicia sendo tocada. Alicia permitindo. Ele fechou os punhos com tanta força que o couro do volante gemeu. — Filha da p**a… — murmurou, com raiva contida. Então viu quando eles entraram no prédio, juntos. Rindo, se beijando no elevador. E mesmo de longe, Rafael sabia: ela ia subir com Lucas. — Alicia abriu a porta do apartamento com as mãos trêmulas. Nina já dormia no quarto, e a babá estava na casa da irmã naquele fim de semana. A casa estava silenciosa, só com a luz da cozinha acesa. Lucas entrou atrás dela e fechou a porta devagar. — Tem certeza? — ele perguntou, com respeito. Ela não respondeu. Apenas o beijou com intensidade, deixando claro que ela queria apagar o professor da cabeça, nem que fosse na marra. Lá fora, Rafael havia saído do carro. Parou do outro lado da rua, olhando para a janela iluminada. Uma sombra se movia. Risadas abafadas. A dor virou raiva. E a raiva virou impulso. Ele socou a parede do beco ao lado com tanta força que a pele dos dedos se abriu. O sangue escorreu, mas ele nem sentiu. — Maldita garota… — sussurrou. — O que você está fazendo comigo? — Na manhã seguinte, Alicia acordou sozinha na cama. Lucas havia dormido no sofá, por respeito. Não tinha acontecido nada além de beijos e carícias. Mas para ela, parecia que tinha cruzado uma linha que não devia. Passou o domingo em silêncio, pensando em Rafael, pensando no que estava tentando fazer com o próprio coração. À noite, caminhou até o quarto de Nina, que dormia com o ursinho preferido nos braços. Beijou sua testa e se deitou no chão, encolhida. — Eu não consigo te esquecer… — sussurrou, com os olhos cheios de lágrimas. — Rafael, por outro lado, pegou o carro e foi direto para a mansão herdada do tio-avô. Precisava se isolar. Precisava entender quem ele era antes de tentar sentir qualquer coisa por alguém. A casa era enorme, antiga, cheia de móveis de madeira escura e quadros antigos que pareciam observá-lo. Subiu as escadas e começou a explorar os quartos. Em um deles, encontrou uma caixa lacrada com o nome “Lúcia Calderon” — o nome de sua mãe. Sentou-se no chão e abriu. Dentro, fotos antigas, uma boneca de porcelana e uma carta escrita à mão. “Para meu sobrinho-neto, Rafael. Há verdades que nem o tempo consegue apagar.” A mão dele tremia. A carta revelava que sua mãe havia sido internada em um hospital psiquiátrico secreto por anos, antes de morrer. Ninguém da família sabia — exceto aquele tio-avô, que cuidou dela em silêncio. Havia um diagnóstico obscuro, episódios violentos… e suspeitas de que ela havia tentado matar o próprio marido antes de desaparecer. Rafael fechou os olhos. A verdade desabava sobre ele como uma avalanche. Ele sempre achou que sua mãe havia morrido no parto. Mas ali estava: ela sobreviveu… e enlouqueceu. — De volta à faculdade, a semana começou com tensão no ar. Alicia chegou usando jeans colado, blusa vinho decotada e o cabelo solto. Estava linda e fria. Lucas a recebeu com um beijo na bochecha. Mel, Júlia e Guilherme trocaram olhares cúmplices. Na sala, Rafael entrou sem olhar para ninguém. Estava com os nós dos dedos machucados, cobertos por curativo. Alicia percebeu. Durante a aula, Rafael propôs uma discussão sobre ética. E lançou uma pergunta: — O que é mais imoral? Amar o proibido ou fingir amar o permitido? Os olhos dele estavam fixos em Alicia. Ela engoliu seco. — Acredito que o mais imoral é esconder o que sente. E depois destruir quem tentou esquecer você. Um silêncio sepulcral tomou a sala. Rafael sorriu, amargo. — Resposta interessante, senhorita Vasquez. — No fim do dia, ele a alcançou no corredor. — Posso falar com você? Ela virou-se devagar. — Achei que você preferia observar de longe. — Não aconteceu nada naquela noite, não é? Alicia o encarou. — Não é da sua conta. Ele avançou um passo. — É sim. Porque eu ainda penso em você todas as malditas noites. Ela sentiu o coração acelerar. — Então por que foge de mim? Por que se cala? — Porque eu não posso ser o homem que você merece. — E quem você é, Rafael? Ele hesitou. — Um homem que está afundado em segredos. — Então talvez eu deva ficar com alguém que quer me dar paz. Ela se virou, pronta para ir. Mas ele segurou seu pulso com delicadeza. — E se eu for feito pra incendiar você, Alicia? Ela não respondeu. Mas os olhos dela diziam tudo. — Naquela noite, os dois dormiram separados. Mas sonharam juntos. E em seus sonhos, o fogo ainda ardia — mais forte do que nunca..
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD