Capítulo 5

811 Words
O apartamento era grande demais para três pessoas. Alicia encostou a testa na porta da geladeira de aço escovado, os olhos fechados, respirando fundo enquanto o silêncio do lar ecoava ao redor. O ar-condicionado estava ligado, mas o vazio era mais gelado que o clima. Do outro lado do corredor, a risada da irmãzinha ecoava da sala, onde assistia desenho com a babá. O som quebrou um pouco o peso no peito dela. Sempre que escutava aquela risada, algo dentro de Alicia aquecia. — Amor, já tomou seu banho? — ela perguntou, caminhando até a sala. — Tia Lígia mandou eu esperar mais cinco minutinhos — respondeu Clarinha , com os dentinhos separados e um laço cor-de-rosa nos cabelos escuros. O rosto dela era quase idêntico ao de Alicia, só que menor, mais redondo, mais puro. Alicia beijou a cabeça da irmã. — Cinco minutos. E só porque você tá muito linda hoje. Lígia, a babá, olhou com ternura das almofadas do outro sofá. Uma mulher de cinquenta e poucos anos, morena, com cabelo grisalho preso num coque bagunçado, olhos de quem já tinha visto muita dor, mas ainda assim sabia sorrir. — Você tá muito quieta hoje, menina — disse ela. — Foi a faculdade? Alicia suspirou e sentou ao lado da babá. — Foi o professor da minha turma principal. Aquele… Calderon. Lígia riu sem humor. — Tem nome de homem que manda em tudo. — Ele tem. E manda. E olha como se pudesse quebrar você só com o silêncio. Mas também… — Alicia mordeu o lábio, hesitante. — Ele viu minha prova. Me elogiou na frente da sala inteira. — E você tá com medo ou apaixonada? — Eu não sei. Ela abaixou os olhos. — Acho que os dois. Lígia segurou sua mão, acariciando com o polegar. — Você é forte. Sempre foi. Só tem que tomar cuidado com os que são frios por dentro. Esses são mais perigosos do que os que gritam. Alicia sabia disso. Vivera cercada de pessoas frias a vida toda. — Ela tinha dezoito anos, mas aprendeu a ser adulta muito antes disso. Desde o dia em que o pai morreu de um infarto fulminante, quando ela tinha só 15 anos, e viu a mãe quebrar por dentro. A mãe, antes vibrante, sorridente, cheia de planos… virou um fantasma que vive de mala em mala, viajando o mundo como se pudesse fugir da própria dor. Nunca foi c***l com Alicia. Mas nunca voltou. Pagava tudo. Mantinha o apartamento, o colégio caro, os jantares gourmet e os vestidos importados. Mas não sabia sequer a cor do novo lençol da filha. Alicia parou de contar com ela. E foi Lígia, a babá que tinha sido contratada para cuidar dela quando pequena, quem ficou. Ficou quando todos foram embora. Ficou como mãe. Quando clara nasceu, Alicia só tinha 15 anos e estava enterrando o pai. A mãe teve a bebê, amamentou por alguns meses… e desapareceu em viagens de “autodescoberta”. Alicia cresceu e criou a irmã. Acordava de madrugada pra pegar mamadeira. Levava no médico. Dava banho. E agora, era ela quem fazia questão de buscar a clarinha no colégio sempre que podia. Amava aquela criança como se fosse sua filha. E talvez, em algum sentido… fosse. — Alicia subiu para o quarto depois do jantar. O apartamento tinha três suítes, uma vista absurda da cidade e móveis de revista. Mas nada disso curava a solidão. Nem o tapete caro, nem o banheiro do tamanho de um estúdio. Ali, deitada na cama king size, com as luzes da cidade entrando pelas janelas enormes, ela pensava só nele. Rafael Calderon. O professor mais frio, bonito e enigmático que já tinha conhecido. Ela sabia que ele não era comum. Sabia que os olhos dele guardavam alguma coisa quebrada. Mas o que ninguém sabia era que ele não era só um professor. Alicia não sabia ainda, mas Calderon tinha uma fortuna que faria o patrimônio da família dela parecer troco de padaria. Multinacionais registradas em nomes de terceiros. Fundos obscuros. Investimentos pesados em tecnologia, medicina e armamentos. Um império sujo. Elegante. Invisível. O mundo achava que ele era só um advogado genial que ensinava por prazer. Mas havia muito mais. Muito mais por trás da porta trancada daquele apartamento no centro, onde ninguém entrava. Muito mais por trás do sorriso que nunca aparecia. E por trás daquele segredo obscuro que ele faria de tudo para manter enterrado. Algo que envolvia gente poderosa. Mortes. E uma dor tão monstruosa, que nem sexo, nem dinheiro, nem poder conseguiam apagar. — Alicia se virou na cama, os olhos abertos no escuro. Ela sentia que algo estava por vir. Como uma tempestade no horizonte. Não sabia explicar. Mas sabia reconhecer quando a vida estava prestes a virar de cabeça pra baixo. E o epicentro de tudo… era ele
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