Capítulo 1
Capítulo 1
JOÃO LUCAS NARRANDO ♟️
Respiro fundo sentindo o cheiro forte de tabaco do meu charuto cubano se misturar com o perfume barato das dançarinas... ou melhor, das putäs ao meu redor, fora isso o aroma que mais impregnava o ambiente inteiro era o de poder que paira por todos os cantos. A boate vibra ao som de reggaeton, mas aqui no camarote de vidro escuro onde só entra quem eu deixo, tudo parece distante. Observo tudo como um rei que olha seu território do alto e pra mandar a real é exatamente isso que eu sou agora… a porrä de um rei, pelo menos é assim que eu me sinto.
Vinte e seis anos, um império nas mãos e de quebra um rastro de milhões de decisões que me fizeram chegar até aqui.
Acendo o charuto devagar, olhando pra cidade lá fora, a vista da zona nobre de Monterrey é bonita pra caralhö, mas perigosa demais. É aonde o dinheiro sujo se mistura com o limpo, onde político e traficante se cumprimentam com sorriso e tapa nas costas. Nove anos foi o tempo que me levou pra transformar o João Lucas, filho adotivo do cara mais temido do Rio, no nome que mete medo aqui no norte do México.
O sócio que eu substituí foi executado há pouco mais de três meses mais ou menos, um colombiano antigo que era homem de confiança do cartel, mas que vacilou com o pagamento. Eu não vacilo, nunca vacilei e nem pretendo por que tenho noção das coisas. E é por isso que hoje sou eu quem comanda o que antes era dele.
Mas pra chegar aqui, eu deixei tudo pra trás... tudo mesmo, e sem pensar duas vezes, camarão que dorme a onda leva como dizem por aí.
Lembro como se fosse ontem a briga que tive com o Imperador... meu pai. Ele nunca gostou dessa minha escolha, achava que eu devia ficar por perto, ajudar no morro, cuidar da Liz, do Rafael, do Noah. E eu entendo, de verdade, só que eu não sou feito de raiz. Eu sou feito de estrada, de mundo e ambição... São essas coisas que me movem.
Quando pisei no México pela primeira vez, eu tinha 17 anos. Coração na boca e sangue fervendo, a morte do sócio abriu espaço, e eu fui indicado pelos homens de confiança do meu pai. Metade queria minha queda, metade me respeitava pelo meu nome. Mas todos aprenderam a me temer pela minha ação.
Esses anos não foram nada fáceis, se eu dissesse que sim ia tá de onda. Levei tiro, perdi carga, matei amigo, torturei traidor... fui aprendendo na marra.
Querendo ou não querendo, acabei crescendo nesse meio entre desertos e cocaínä, entre armas automáticas e cifrões sem fim. Cada cidade que eu conquistava era uma tatuagem invisível na minha alma.
Hoje eu tenho cinco casas, vinte carros, segurança 24 horas e uma ficha criminäl que só o infernö tem cópia completa. Mas não tenho tempo pra jogar bola com o Noah. Não vi o Rafael aprender a ler. E a Liz... bom, a Liz eu tento manter por perto de vez em quando com umas mensagens frias... sei que ela não curte nada isso, mas é melhor assim... bem melhor do que ver nos olhos dela o julgamento que eu não suporto.
O Imperador ainda manda mensagens, às vezes. Aquelas paradas bem curtas e diretas tá ligado? Às vezes só um "tá bem?" ou "continua firme". E eu acabo que respondo no mesmo tom. Porque apesar de tudo, eu ainda sou filho dele e ele ainda é o único homem nesse mundo que me ensinou o que é lealdade.
Mas ser leal não significa estar preso a nada nem a ninguém, e eu escolhi voar... voar longe e alto pra caralhö, minha essência é essa.
Puxo mais uma tragada do charuto e deixo a fumaça sair devagar. A loira do canto do lugar me encara com interesse, mas eu já nem olho. Mulher pra mim virou distração descartável, fodä falar isso mais é a verdade.
Já tive paixões a bessa por aí, já me apaixonei por uma morena de Juárez que me roubou 80 mil dólares. Já fui trouxa uma vez, me fizeram de otáriö, quiseram tomar meu coração pra assalto e de quebra meteram a mão nos meus malotes... nunca mais mermão.
Esses nove anos me ensinaram que o amor é um luxo que não dá pra carregar na mala de quem vive entre fronteiras e execuções.
Minha rotina? Acordar cedo, checar os relatórios das rotas, dar ok nos carregamentos, revisar segurança e cobrar os pagamentos. À tarde, reunião com os advogados. À noite, as festas que mantêm as aparências. E no meio disso tudo, decisões pesadas e mortais diárias, tem nem pausa.
Parei de pensar se sou bom ou rüim. Eu sou necessário e é essa porrä que conta. Sou a engrenagem que faz esse sistema girar. E ninguém vai parar isso enquanto eu estiver respirando.
Mas às vezes, só às vezes, quando tô sozinho como agora, eu penso no que poderia ter sido. Será que teria dado certo se eu tivesse ficado? Se eu tivesse estudado, feito medicina como a Lachelle sonhava pra mim?
Talvez sim pô ... só que era o que ela queria e não eu, ia realizar um desejo dela e me privar do que eu queria viver ... não seria eu.
Ser eu é isso aqui.. é charuto, poder, sangue e glória. É saber que meu nome é temido até pela DEA. É saber que se eu morrer, tem fila querendo o meu trono .
Olho pro celular vendo notificação, era o Noah. Um vídeo dele jogando bola .
Sorrio pela primeira vez em tempos ...
Sim, eu evito contato. Não quero que eles vejam quem eu virei. Prefiro que me idealizem do que me conheçam .
Mas uma parte de mim sente falta ... dos domingos em família, do cheiro do almoço da tia Lúcia, das broncas da Lachelle .
Talvez um dia ... quem sabe?
Só que não hoje .
Hoje eu tenho um carregamento chegando pela fronteira de Sonora. E eu preciso garantir que ele passe sem ser notado. Hoje eu tenho contas pra ajustar, ordens pra dar e um novo território pra negociar .
Hoje eu sou o João Lucas . O chefe . Quase um homem de ferro .
Mas aqui nesse camarote escuro, com um copo de whisky e o som abafado lá embaixo, só eu sei que por dentro ... ainda existe um menino de doze anos que só queria ser amado .