Capítulo 2
JOÃO LUCAS NARRANDO ♟️
Dois dias depois…
O ar estava pesado pra carälho dentro dessa sala abafada, com as paredes descascadas e uma iluminação que parecia ter sido pensada para manter o ambiente o mais desconfortável possível.. papo reto, não tinha como se sentir bem aqui dentro. Ao meu redor tinha uma mesa comprida cercada por cadeiras simples, algumas rangendo a cada movimento. Era aqui, nesse cubículo apertado, que eu finalmente ia decidir o rumo que a minha vida tomaria nas próximas semanas... talvez meses, sei lá também, coisa a bessa pra decidir e resolver.
É fodä pra caralhö pensar em algumas paradas mais a fundo... nunca pensei que aos vinte e seis anos eu estaria sentado no centro desse conflito silencioso, olhando para os rostos bem marcados ao meu redor.
Eram os caras que tinham o poder de decidir qualquer parada que batesse de frente com eles sem caô nenhum, que sabiam o que estava em jogo, e que me olhavam esperando um veredito. Eles me colocaram no centro desse tabuleiro, como se eu fosse a peça mais importante da jogada e na real, eu sou mesmo.
Já fazem nove anos que eu não piso no Complexo do Alemão... São nove anos longe de toda aquela realidade que me fez ser quem hoje eu sou. Naquele tempo, eu deixei pra trás uma vida que no começo de tudo foi difícil pra caralhö, um passado doloroso e um mundo onde o perigo era rotina, não que aqui não seja, não vivo num morango.
Mas eu tô em outro país agora construindo uma nova vida, ou pelo menos tentando pra ser sincero.. enquanto tô comandando uma rota de cargas que mantinha as engrenagens da operação funcionando aqui no México.
Mas agora, o chamado voltava à tona por mais que não me agradasse tanto assim. A porrä de um chamado que eu não posso ignorar.
A carga que precisávamos entregar era uma das mais importantes dos últimos tempos. Valiosa demais pra eu me permitir vacilar ou seja lá que for pô. É uma parada preciosa demais pra deixar escapar, pra falhar… essa era uma operação que envolvia aliados do morro do meu pai, um território que eu conhecia desde pequeno, mais que nunca imaginei que voltaria a frequentar pra ser sincero, era uma parada que eu preferia fingir ser impossível.
O César, um dos líderes mais experientes do grupo, abriu a reunião com aquela voz grave e pausada que fazia todo mundo prestar atenção, é outro que também tem o respeito de todos ao redor.
— Vamos lá, Rei.. — ele começou fixando o olhar em mim — você é o cara que conhece o Brasil como a palma da mão, em específico o morro do Alemão, e em todo caso, a rota melhor do que qualquer um aqui entre todos nós.. Precisamos de alguém que possa garantir a entrega dessa carga. E honestamente, você é a pessoa mais responsável que temos para essa missão.
Eu fiquei quieto tentando engolir esse peso que se apertava no peito. "Responsável" era a palavra que mais pesava aqui. Eu sabia que não era só mais uma entrega, não era só mais um risco. Era um retorno às minhas origens, um retorno ao passado que eu tentei deixar para trás.
— Eu sei que vocês têm confiança em mim e sou grato por isso, de todo coração. — respondi tentando manter a voz firme — Mais faz nove anos que eu não piso lá. Minha vida tá aqui no México. Eu tenho responsabilidades aqui, uma vida que construir, não sei se é uma boa ideia voltar agora.
O silêncio tomou conta da sala por alguns segundos. Eu sentia os olhares pesados pra cima de mim como uma tonelada, eram olhares desconfiados, como se minha hesitação fosse uma fraqueza.. porrä, não era isso não mais não ia bater cabeça, deixei pensarem o que quisessem.
Foi o Rafael, meu parceiro fiel e braço direito quem quebrou o silêncio. Ele não era de muitas palavras, mas quando falava todos ouviam.
— Eu te entendo Rei, é exatamente por isso que você é o cara certo pra operar de frente essa missão. — ele disse olhando nos meus olhos — Você tem sangue lá, tem história e ninguém vai desconfiar porque você está de volta. Essa vantagem, esse disfarce digamos assim pode ser o diferencial que a gente precisa.
Eu sabia que ele tava certo em alguns pontos tá ligado? Ninguém melhor do que eu para circular naquela realidade sem levantar suspeitas em caralhö nenhum. Mas o que me incomodava era mais profundo do que tudo. Era o que eu deixava para trás.. o que eu poderia encontrar.. ou sei lá também, o que eu poderia perder.
— E quanto tempo você acha que vai ficar? — César perguntou, a voz firme, mas sem pressa.
Eu respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos.
— Não sei — admiti. — Quero fazer essa entrega o mais rápido possível, mas não posso garantir. Tudo vai depender de como as coisas vão andar lá.
A reunião seguiu com todos nós discutindo detalhes da logística, das rotas, dos aliados, dos riscos e essas coisas todas mais complicadas. Eu ouvia tudo atentamente, enquanto minha mente viajava para o passado. Pra a favela, pros becos, pros rostos que eu deixei para trás.
Pensei na Liz, minha irmã de criação, com seus dezoito anos crescendo naquele mesmo lugar que eu deixei.
Pensei no Rafael, o único filho de sangue dos nossos pais, com catorze anos, tentando achar seu caminho. No Noah, o meu outro irmão de consideração, com a história dele complicada... ele também tem seus quatorze anos, mas com um peso diferente nos ombros. Pensei até na Maitê, minha prima de consideração, com quinze anos, sempre com aquele jeito doce, mas que também sabia das durezas daquele mundo todo.. mundo esse que eu tentei me retirar mais em partes continuo nele.
Tudo está ligado, é uma ligação sem fim.. Era mais que uma carga, mais que um negócio. Era a sobrevivência da nossa família, do nosso legado.
Quando a reunião terminou eu me levantei devagar sentindo a responsabilidade esmagar meu peito sem dó nenhuma.
Nesse momento, eu sabia que estava aceitando muito mais que uma missão. Eu estava aceitando enfrentar meu passado, encarar meus fantasmas e talvez, mudar o destino da minha família e até o meu mesmo para sempre.