Capítulo 4

1124 Words
Capítulo 4 JOÃO LUCAS NARRANDO ♟️ Caralhö.. sei nem explicar o que eu senti quando cai na real sobre onde eu tava de verdade outra vez. A Liz ainda me abraçava quando a voz dela ficou embargada, foi um mix de emoções mais não só nela.. o choro veio silencioso como se estivesse preso aqui há anos, esperando esse momento. — Achei que você não vinha nunca mais... — ela disse com emoção apertando ainda mais os braços ao meu redor. — Eu também achei que não ia voltar nunca mais, Liz.. — respondi com a voz baixa, aquilo era uma certeza pra mim. Abracei ela de volta e pela primeira vez em muito tempo senti um pedaço de mim encaixar de novo. Como se algo que estava faltando finalmente tivesse voltado pro lugar. E foi nesse instante, ainda colado nela que ouvi a pergunta que mais me apertou o peito. — Você vai embora de novo? Demorei alguns segundos pra responder, tava tudo acontecendo rápido pra cacetë. Era uma pergunta simples mas carregada de peso. Eu não sabia quanto tempo ia ficar pra ser sincero, mas já tinha em mente não demorar muito.. mas aqui na frente dela dizer que eu ia embora logo seria como dar um tapa no rosto de quem ficou esperando por quase uma década. Porrä.. eu não ia fazer isso com ela. — Não agora — respondi. — Agora eu tô aqui. Ela assentiu afastando o rosto do meu peito e limpando as lágrimas com as costas da mão, meio envergonhada. — MÃE! VEM AQUI! O chamado ecoou pela casa como um estouro, o som do chinelo batendo no chão foi ficando mais alto até que, da porta do corredor, surgiu ela.. a minha mãe de criação. A mulher que me deu abrigo, comida, carinho, e nunca deixou de me chamar de filho, mesmo quando desapareci sem olhar pra trás. Ela parou na minha frente com os olhos arregalados, a boca entreaberta e o celular quase caindo no chão.. mudou nada. — João...? O nome saiu baixo, como uma dúvida. — Sou eu, mãe. Ela jogou o celular no sofá e correu pra mim. O abraço dela foi diferente.. desesperado. Um abraço de mãe que teve que aprender a sobreviver sem notícias, sem telefone, sem certeza nenhuma. Os braços dela me envolveram como se quisessem segurar todos os pedaços que poderiam escapar. — Meu Deus do céu... meu filho... meu menino... — ela repetia, entre lágrimas — Eu pedia pra Deus pra te fazer voltar.. que saudade. — Tô aqui agora, mãe... — a garganta fechou de emoção. Caralhö.. é fodä ta de volta mais é bizarro, ela me afastou um pouco, segurou meu rosto entre as mãos e me olhou como se estivesse memorizando cada detalhe. — Tá mais magro... tá mais sério... mas tá bonito. Tá com cara de homem, de quem venceu. Graças a Deus você voltou. Sem nem direito de escolha eu fui puxado pro sofá, o ambiente parecia engolir minha presença aos poucos, como se a casa estivesse absorvendo o tempo perdido. As perguntas vieram devagar, uma depois da outra. Liz me contou que os meninos não estavam aqui.. o Rafael tava treinando no campo da comunidade e Noah tinha saído com os colegas da escola.. é pô, o tempo passa ligeiro e nós nem vê. — Eles falam de você, sabe? — minha mãe comentou, segurando minha mão. — Cada um de um jeito. O Rafael, com orgulho. O Noah, com um certo ressentimento.. sente tua falta. — Eu devia ter voltado antes — falei olhando pro chão. — Mas tinha muita coisa no caminho... muita coisa que me segurava lá fora, ainda tem na real.. apesar de tudo nada mudou. — Eu não te julgo, meu filho. Nunca julguei. Só sentia sua falta e rezava todo dia pra você voltar com vida. O peso que eu carregava nos ombros não sumiu, mas ficou um pouco mais leve com aquelas palavras. Estar aqui sentado nesse sofá ouvindo a voz da minha mãe, me fez perceber o quanto eu tinha perdido tentando sobreviver longe dali. — Você vai ficar aqui com a gente? — ela perguntou, quase sussurrando. — Um tempo, sim. Ainda tenho umas paradas pra resolver, mas por agora eu quero estar mais perto. Liz me olhava calada, com os olhos ainda vermelhos. Eu via nela a menina que eu deixei pra trás e a mulher que ela estava se tornando.. caralhö, ela tá se tornando uma mulher já. Tinha um silêncio entre a gente que dizia mais do que qualquer palavra. Um silêncio que carregava saudade, raiva, afeto, admiração. E algo mais... algo que eu ainda não tinha coragem de nomear. — Você vai querer dormir aqui hoje? — minha mãe perguntou. — O seu quarto tá com umas coisas guardadas, mas a gente tira rapidinho. — Não, não precisa — eu disse. — Hoje eu vou dormir num hotel perto. Amanhã eu volto cedo não quero mexer em nada agora. Ela assentiu, meio contrariada. Eu sabia que ela queria que eu ficasse. Mas também entendeu que eu precisava de um pouco de espaço, as coisas já não são como antes. Antes de sair, passei por cada cômodo como quem caminha por uma lembrança viva. Papo reto, essa casa tem tantas lembranças, coisa a bessa que me puxa de volta e ao mesmo tempo me faz querer ficar longe outra vez. Na hora de eu ir embora minha mãe me abraçou de novo e nós trocou uma ideia, se dependesse dela eu nem saia mais. — Não demora a voltar amanhã. Faz de conta que você nunca saiu. — Vou tentar, mãe. Liz me acompanhou até o portão. Ficou parada me olhando por alguns segundos. O sol já tinha caído, e a luz da rua deixava um contorno dourado no rosto dela.. papo reto, os olhos dela me hipnotizavam de um jeito diferente, fiquei sem entender. — Você tá diferente — ela disse. — Você também. — Mas é bom te ver assim... de perto. — É bom estar aqui... te ver outra vez também. — respondi. Ela sorriu de leve, mas os olhos ainda estavam sérios. Quando me afastei, não olhei pra trás. Não queria ver ela ficando pra trás de novo. Já tinha feito isso uma vez, e foi o suficiente. Sem caô, de repente o Brasil não era mais só um lugar que eu deixei pra trás. Era um lugar que, por mais que eu tentasse fugir, sempre me puxaria de volta. E agora eu tô aqui.. De volta. Com uma carga entregue, o nome limpo com os aliados... mas com o coração cheio de dúvidas. O reencontro tinha começado. E o resto... ainda tá por vir.
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