CAPÍTULO 3

2394 Words
TAYNÁ MELO — Tayná, você não vai continuar trabalhando no hospital. No momento, apenas Lilian vai permanecer aqui. Caso mais para frente abra alguma vaga, vamos te ligar — a moça do RH do hospital diz e em seguida sai me dando às costas. Não vou conseguir continuar trabalhando no hospital onde faço estágio, tudo porque acabei brigando com a filha do diretor do hospital. Isso mesmo, algum tempo atrás, acabei brigando com a filha do diretor, Ana Paula. Uma patricinha insuportável, que gosta de humilhar as pessoas e nos trata com desprezo só porque somos de classe inferior. Jennifer, diretora do RH, é a funcionaria mais antiga do hospital e pude ver em seu olhar a pena por saber que nunca serei chamada para trabalhar aqui. No fundo, ela sabe que eles não vão me contratar e com certeza saiu me deixando sozinha somente porque eu praticamente me humilhei para efetivada. Sei que tem dedo daquela vagabunda da Ana Paula. Eu deveria quebrar a cara daquela vaca de novo, mas vejo que agora não vale mais pena, até porque nunca mais vou voltar aqui. Suspiro pesadamente enquanto coloco minha bolsa nas costas e vou e direção a saída do hospital. Não posso negar que meu coração está aflito, pois agora serei uma formada, mas sem emprego. Não quero falar para minhas amigas que eu realmente tive a notícia que não vou mais trabalhar aqui. Sei que elas vão se sentir culpadas. Bom, elas não, na verdade, Stefany vai se sentir pior, já que foi por causa dela que a discussão começou. Ana Paula queria humilhar minha amiga só porque soube que ela cometeu um erro no passado e é claro que a defendi, porque amigos são para isso. No final, perdi meu emprego e Ana Paula ainda mexeu onde mais dói em mim, pois disse em alto e bom som que sou filha de um presidiário. Sei que é verdade, mas dói escutar isso. Não é fácil escutar que seu pai é um ladrão, pois passei os anos de estudo na faculdade vendo as pessoas me olhar diferente só por saber desse fato. Estudei em uma faculdade renomada aqui de São Paulo, ganhei bolsa de cem por cento e naquela época eu era conhecida pela minha turma na faculdade como a menina pobre da faculdade, aquela que precisava vender coxinha para ajudar em casa. Eu me sentia horrível com isso, mas minha tia sempre me ensinou que o fruto do trabalho é digno e não temos que se sentir m*l. Meu pai sempre falou a mesma coisa. Mesmo em meio aos olhares maldosos, eu não me importava até porque tinha aqueles alunos que não estavam nem aí para a minha condição. Eles até diziam que a minha tia fazia a melhor coxinha do mundo e claro que ela se sentia orgulhosa por saber que o trabalho dela estava sendo reconhecido. Aguentei cinco anos de humilhações e olhares preconceituosos, porém, sobrevivi e hoje que era para ser o dia mais feliz da minha vida, já que fui chamada ao hospital na esperança de ter sido aprovada, na verdade, fui chamada apenas para eles dizer que eu não irei trabalhar aqui. Qual é a lógica de me chamar apenas para dizer isso? Poderiam falar por telefone, assim não iam me fazer gastar condução para chegar aqui. Ando pelo corredor do hospital de cabeça baixa, diferente do dia a dia onde ando de nariz empinado, não deixando nada me abalar. Mas tem dias que não dá para manter o sorriso no rosto o tempo todo, há dias que ficamos abalados e hoje estou em um desses dias. — Olha, se não é a pobretona do hospital. Paro ao escutar a vagabunda da Ana Paula falando comigo. Suspiro pesadamente ao me virar e olhar para a cara da p*****a. Confesso que a minha vontade é de arrastá-la pelo cabelo desse hospital. Bom, talvez eu faça isso, até porque não tenho mais nada a perder. — Olha, se não é a p*****a do hospital — rebato com um sorriso no rosto. — Acho incrível como você finge estar bem. Sei que está acabada, vi isso quando passou pelo corredor de cabeça baixa. Estava louca para ver você, querida, e perguntar como se sente agora que está sendo jogada no meio da rua? — Não, na verdade, você está vendo coisa. Estou no momento agradecendo por não precisar mais vir aqui e ver essa sua cara de p**a malcomida, seu corrimão hospitalar. — Meu sorriso se amplia por ver em seus olhos a fúria pelas minhas palavras. — Você tem sempre palavras na ponta da língua, acho incrível isso em você, mas agora desempregada quero ver quanto tempo vai levar para que a veja ser despejada, já que dificilmente vai conseguir ajudar a sua tia a sustentar aquilo que você chama de casa. “Vai ter que recorrer aos seus amigos e quem sabe a v***a da Stefany ou da Lilian não te ajuda. “Vai viver de favor na barra delas, já que elas têm dinheiro enquanto você é filha de um presidiário e uma tia inválida. “Agora sem emprego, pensa bem, Tayná, pode se aproveitar do dinheiro delas e tenho certeza que elas não vão se importa de te sustentar você e sua tia.” Antes que eu consiga responder, ela entra em uma sala próxima. Fecho as mãos em punho e tenho vontade de socar a cara dessa vagabunda que consegue me tirar do sério. Algum tempo atrás, ela fez questão de descobrir meu endereço e ver as fotos na internet de onde eu moro. Por minha casa estar localizada em um beco, ela espalhou a notícia para as suas amigas patricinhas do hospital e desde então sou conhecida como a favelada. Ela sempre tentou me rebaixar, junto com minhas amigas, Stefany e Lilian, porém eu sempre respondi à altura. No fundo, tenho que dar graças a Deus por não estar mais aqui nesse hospital. Lilian e Stefany são ricas, diferente de mim, mas não ligo para isso. Mesmo eu sendo pobre, sou honesta, feliz e é isso que importa. Jamais iria me aproveitar da condição de vida delas, para me ajudar apenas porque agora estou desempregada. Saio do hospital e vou em direção ao ponto de ônibus. Levo um tempo até chegar à casa, pois para ajudar o dia hoje está chuvoso. Acabo entrando em casa toda molhada e sei que minha tia vai surtar nesse momento, porque ela odeia saber que caminhei na chuva. Em minha defesa, acabei esquecendo meu guarda-chuva hoje, mesmo ela avisando de manhã que iria chover. — Tayná, filha, corre para tomar banho agora — ela fala assim que passo pela porta. Abro um sorriso e balanço a cabeça em afirmativo. — Claro, tia, desculpa molhar a casa inteira. — Saio correndo em direção ao meu quarto já tirando a roupa. Entro no banheiro e tomo um banho rápido. Não posso me dar ao luxo de demorar, porque a conta de luz poderá vir um absurdo e não quero ver minha tia surtar. Quando saio do banheiro, me seco e após estar arrumada vou até à cozinha a fim de dar a notícia para minha tia, contar que não vou conseguir o emprego no hospital. Sei que ela ficará desapontada, mesmo tentando me motivar. Porém, as coisas vão dar certo, porque tem que dar. Simplesmente, não posso me dar ao luxo de acreditar que tudo vai dar errado. — Tayná, precisamos conversar — ela avisa enquanto coloca o nosso jantar no prato. Sorrio ao sentir o cheiro do delicioso macarrão com carne moída que ela acabou de fazer. — Pode falar, tia. — Pego os talheres e coloco sobre a mesa, com os copos e uma jarra de suco. Afasto a cadeira e me sento enquanto pego um pouco do macarrão, levando aos meus lábios. Meu Deus, minha tia se superou dessa vez. — Magnifico como sempre, tia — elogio. Um sorriso se forma em seu rosto e gosto tanto de vê-lo ali. — Você sempre fala isso — acusa. — Porque é a verdade tia. Agora me diga, o que a senhora quer falar? — pergunto levando mais uma garfada de macarrão à boca. Ela suspira pesadamente e sinto que não terei uma boa notícia, então acabo parando o garfo no meio do caminho. — Eu perdi a minha aposentadoria. Acabo derrubando o garfo no prato. — Como assim, tia? — pergunto surpresa. — Não sei bem o que aconteceu, mas o governo andou cancelando a pensão de alguns aposentados. Digamos que por eu ser aposentada por invalidez, eles querem que eu faça outra bateria de exame onde se prove que não posso mais trabalhar. Vejo o olhar triste de minha tia e isso acaba comigo. Minha tia é aposentada, ela sofreu um acidente alguns anos atrás, foi atropelada por uma moto e isso acabou machucando a sua perna, como consequência tem o movimento limitado. Desde aquele dia ela trabalha de casa, fazendo doces e salgados para vender a fim de complementar a renda com a aposentadoria. Mas agora com o cancelamento de sua maior renda já sabe que ela vai acabar entrando em um grande aperto financeiro. — Tia, você tem os exames e pode provar que precisa desse benefício — falo tentando ser positiva. Ela balança a cabeça em negativo é a primeira vez em que vejo minha tia assim, tão desmotivada. — Queria ter a sua esperança, minha filha. Coloco a mão sobre a dela, em uma forma de dar um pouco de conforto. — Tia, as coisas vão dar certo, tenho esperança que o hospital vai me contratar e enquanto isso não acontece vou continuar fazendo b***s no posto de gasolina e faça salgado dobrado, no final de semana vou sair para vender — falo tentando soar animada, pois não posso deixar que ela se abata desse jeito. Não gosto de ver as pessoas perto de mim, cabisbaixas. Sou conhecida como uma pessoa que tem um parafuso a menos e prefiro ser assim a alguém que vive de m*l com a vida. — Você não deveria se importar com essas coisas. — Tia, você faz muito por mim. Estou formada agora e se esse hospital onde era estagiária não me chamar, sei que tem vários hospitais na cidade de São Paulo e muitos pode me chamar. Fica em paz, tudo vai dar certo e não vamos passar aperto. Ela suspira pesadamente. — Amanhã, vou à sua formatura de manhã e à tarde corro no INSS. Preciso correr atrás o quanto antes para resolver essa situação. O aluguel desse mês foi pago, mas tenho que ter o dos meses seguinte. Vamos ter fé que tudo vai dar certo. É como você diz, querida, precisamos ser positivas e não deixar essas coisas nos abater. — Não se preocupa, tia, vou dar um jeito nisso. Agora vamos terminar este macarrão maravilhoso — falo abrindo um sorriso. Quero mostrar para a minha tia que essa notícia não me abalou e dar a ela esperança que vou ser efetivada no hospital, mesmo sabendo que isso nunca mais vai acontecer. Terminamos de jantar e vou me deitar. Fico pensando o quanto vai ser difícil agora sem a pensão da minha tia, pois antes era tipo, “o aluguel está garantido”, só que agora não, vou precisar arrumar um emprego mais rápido do que nunca. Não posso deixar que as coisas se compliquem aqui, sem contar que ainda preciso arrumar um advogado para defender meu pai. Meu Deus, me pergunto se tem mais alguma coisa r**m na minha vida para acontecer? Escuto a notificação no meu celular e vejo ser o grupo do w******p que eu criei para falar com minhas amigas. Lilian: Tayná, você conseguiu ser chamada para trabalhar no hospital? Penso por alguns minutos no que responder, pois, não posso dizer a elas que não serei chamada porque briguei com a vagabunda da Ana Paula. Eu: Acredito que vou ser chamada dentro dos próximos dias. Stefany: Com certeza, tenho certeza que uma funcionária tão dedicada, como você, vai conseguir trabalhar lá logo. Lilian: Apenas eu fui chamada, é muito triste não ter vocês aqui. Minha amiga Lilian é a mais calma de nós três, ela tem tipo aquela opinião, vamos resolver as coisas com calma e tranquilidade. Nada de r**m vai acontecer quando sentamos e conversamos como pessoas civilizadas. Acho incrível esse modo dela de pensar, mas tem horas que precisamos dar uma de louca e não deixarmos ser pisadas por aí. Eu: Sim, eu sei que vou ser chamada, agora me diga se estão animadas para a balada no final de semana? Marquei uma balada com as minhas amigas, afinal amanhã é minha formatura, depois de amanhã a da Lilian e logo após será a da Stefany. Estamos nos formando bem próxima uma das outras, mesmo em faculdade diferentes. Então, marcamos de sair para se divertir, inclusive trabalhei dobrado no posto para conseguir quitar a habilitação e ter dinheiro para este evento. Stefany: Vitor vai surtar por causa do tamanho do meu vestido. Sorrio. Stefany é casada com um homem milionário, Vitor Ferrari, ele é um CEO muito poderoso, sem contar que a família dela tem muito dinheiro. Digamos que as duas famílias estão lado a lado no quesito financeiro. Eu: Eu já separei o meu. Lilian: Meu Deus, cuidado com as roupas que vão usar. Tayná, coloca roupa nessa b***a, pois quando você começa a dançar até o chão consigo ver até o seu útero. Acabo gargalhando com a mensagem da Lilian, pois realmente uso roupas bem extravagantes dependendo do tipo de evento. Eu: A roupa mais curta que tiver no meu guarda-roupa vou usar. Sei que ela deve estar revirando seus olhos agora. Stefany: Vocês são demais. Eu: Amanhã espero vocês na minha formatura, minha tia está muito animada. Stefany: Eu não perco esse evento por nada. Lilian: Nem eu. Desligo o w******p após conversar um pouco com as minhas amigas e me deito. Tento relaxar, mas não consigo. *** Acabei tendo um pesadelo durante a noite, sonhei com minha tia doente e meu pai morrendo na cadeia, foi algo horrível, tanto que acordei toda suada e tremendo inteira. Mas graças a Deus foi apenas um sonho e preciso manter afastado esse sonho da minha mente, por mais real que ele tenha sido. Continua...
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