I

1365 Words
IDomingo, 16 de Agosto de 2020 Rah, rah-ah-ah-ah. Roma, roma-ma. Gaga, ooh-la-la. Se calhar deveria mudar o toque do celular, contudo Lady Gaga é uma grande artista. «Olá Francesco... Lembras-te de mim?» Quisera, ou melhor tentei esquecer aquela voz. «Chiara?» Pergunto boquiaberto. «Sim. Como estás?» «És... És tu na verdade?» «E o trabalho?» Mudei de assunto. «Em casa tudo bem?» Insiste ela. «Como queres continuar assim?» Rebato. «Procuro apenas de ser gentil.» Fico sem palavras. A Chiara insta: «Quantos anos terão passado: cinco, seis?» Só nos filmes responde-se 9 anos, 10 meses, 12 dias e, reparando o relógio, 2 horas. O relógio não o trago de forma alguma comigo, provoca-me ansiedade, mas revejo a imagem em câmara lenta da última vez: ela de costas que se distancia sem pronunciar uma palavra, eu sem a força para detê-la. «Diria dez, mais ou menos.» «Não acredito. Tanto assim?» «Acabemos com isso: o que queres?» Digo com um tom carrancudo. «Ouvir um amigo depois de tanto tempo.» “Tu jamais serás para mim apenas uma amiga” penso, mas a frase sai m*l: «Nunca fomos amigos». «Porém aquela vez em Roma…» «Ah, estava contigo? Convencido de que estivesses com uma outra rapariga» Estou a brincar. «Se ali estiveste com uma outra não sei, mas lembro-me muito bem quando estávamos naquele hotel e...» «Tu bateste a porta na minha cara!» «Não podia fazer de outra forma» justifica-se ela. «Ou não querias.» «Devemos precisamente tornar a cavar coisas sucedidas há um século?» “Deixemos para lá: é melhor”, acho. Pergunto-lhe: «por que telefonaste para mim?» «Foste tu naquele dia, enquanto passeávamos na marginal do Arno, disseste: “Se por acaso não nos avistarmos mais, espero no máximo dez anos e depois dirijo-me ao Há correio para ti”». «Precisamente amanhã mandaria um e-mail ao De Filippi.» Ela põe-se a rir, depois surpreendentemente faz-se séria. «Queria falar contigo.» «Já estamos a fazê-lo.» «Não. Pretendo pessoalmente.» De vez em quando tenho sonhado revendo-lhe em Roma, onde ela tinha ido viver. Quando cheguei ali para um congresso ou uma exposição, também esperei encontrá-la igualmente, por acaso; mas Roma é grande, muito grande. «Não tenho muito tempo. Estou atarefado neste momento e... Não estou sozinho.» «UMA mulher?» De uma forma concreta é o meu adorado gato: Pallino. Acabou toda a papa da noite e acaba de saltar para a cama: não percebi por ventura se o faça para agradecer-me pela comida ou para pedir-ma outra. Caricio-o, ele acocora-se ao meu lado. «Realmente o género é masculino.» «Mudaste de gostos?» Ironiza a Chiara. «À força de estar desiludido pelas mulheres…» «Engraçado. Seja como for, se as coisas estão desta maneira, podemos avistar-nos: não há mais perigo.» Há perigo e é enorme. Nenhuma outra pessoa baralhou-me como você, desde o primeiro momento. Estava na alfândega turca, você aproximou-se sorridente estendendo a mão para mim. De mulheres conheci algumas, mas nenhuma, propriamente nenhuma, tinha aquele sorriso. Quantas vezes, eu imaginei com nostalgia àquele dia, quantas outras roguei pragas por tê-la encontrado. «Não venhas com tantas histórias. Quando é que estarás livre?» «É melhor evitar.» Ela não cede e escande lentamente as palavras: «Aconteceram coisas importantes». Começou a cariciar Pallino na barriga: apraz-lhe tanto, às vezes. «Não me interessa.» «Pelo contrário estou convencida...» «Não.» «Encontremo-nos e depois vais decidir se podes ajudar-me.» «Ficamos por aqui» interrompo-a. «Dê-me a possibilidade de...» De um momento para o outro clico o botão vermelho do celular e dou por terminado a chamada. “Se voltar a telefonar, o que faço? Não respondo, deixo tocar” delibero, mas continuo a controlar o celular cada minuto. Inutilmente. “Se tivesse sido importante, teria voltado a ligar. De todas as formas, é melhor assim” procuro convencer-me. «Ânimo Pallino, deitemo-nos, amanhã é dia de trabalho.» O trabalho... Aquilo que faço para viver, sem dúvida não é aquilo que quisera fazer. Recordo ainda o dia em que inscrevi-me às Letras Clássicas. Adorava a história e o latim, mas o meu sonho era aquele de tornar-se arqueólogo como Indiana Jones; por outro lado aqueles da minha geração cresceram com os seus filmes. Depois de um ano de lições, era o momento para pôr em prática o quão aprendido: o departamento tinha organizado uma campanha de escavação. Estava emocionado, não via a hora para ir à pesquisa da minha Arca de Aliança. Quando parti, não estava propriamente vestido como o meu ídolo: no lugar do chapéu com abas largas, um chapeuzinho branco marca Nike que usava para o ténis e no lugar do pingalim uma pequena pá, normalmente usada pelo meu pai para os tomates na horta. Depois do primeiro dia de escavação, percebi algumas coisas: antes de mais nada para escavar suja-se, da cabeça aos pés. A segunda, estritamente conexa à primeira, é que o chuveiro é um luxo. O tínhamos, era só o que faltava, mas um apenas para todos. Estávamos divididos em três dormitórios mistos, cada um para seis pessoas, com duas casas de banho e, categoricamente, um único chuveiro, acionado por um antiquado esquentador externo. Só os primeiros três beneficiavam-se de água quente, os outros, a menos que não protelar para quando se enchia novamente o esquentador, eram forçados a uma “revigorante” duche gelado. O primeiro dia, fiz-me de cavalheiro e cedi o lugar a uma estudante de Bolonha, o segundo a uma de Cosenza, o terceiro enfiei-me primeiramente em baixo do chuveiro. Dormir em dormitórios mistos pode parecer “agradável”, mas as raparigas que participavam nas escavações não eram umas estudantes tipo colégios americanos: nada de maquilhagens, cabelos recolhidos e vestidos como aqueles que fazem os trabalhos na autoestrada. Falavam também como os operários de um estaleiro, e existe o pior: mais que tomar um banho de chuveiro gelado, remetiam para… data posterior. Estávamos numa localidade perdida entre as colinas das Marcas e devia limpar outra vez um murro rebocado por uma domus romana: nada de raros manufaturados por descobrir, só uma operação mecânica. Encontrei todo nojento e quando, ao milésimo golpe de espátula, dei-me conta de ter inadvertidamente arrancado um bocado do reboco vermelho pompeiano, notei uma terceira e fundamental coisa: é melhor deixar escavar os arqueológicos; depois, se encontrarem alguma coisa interessante, ocupar-nos-emos nós os históricos para interpretá-lo corretamente. Aquela foi a minha primeira campanha de escavação. Depois da licenciatura portanto escolhi fazer o mestrado em história e filosofia, a que seguiu-se o cargo de docência em regime contratual em história romana na faculdade de Letras em Siena. Como vim a ser docente universitário e ser tesoureiro no banco? Pesquisador aos 27 anos, professor associado aos 35 e por fim efetivo apenas aos 41 anos! Esta é a brilhante e rápida carreira do meu “mestre”, o professor Barbarino, sem dúvida não a minha. Eu permaneço docente precário durante anos, estava cansado de ser pago menos que o contínuo da faculdade; além de que, aquele que se teria tornado o banco onde trabalho, queria todos os meses o dinheiro do empréstimo pedido para seguir em frente. No fundo estou feliz por ter-me livrado da tirania do ilustríssimo e fúlgido professor e outros títulos pomposos com esforço enfeixados no seu cartão-de-visita. E pois o diretor da filial de Siena onde trabalho neste momento, não é mau: não sabendo fazer, deixa os funcionários tomar as suas iniciativas, sem imiscuir-se em demasia. O Barbarino não era assim: controlava e corrigia cada linha dos artigos que escrevia para as revistas científicas. Mas era justo: por último assinava-os ele! Porém há dez anos quando o exímio Barbarino enfim escreveu para mim referenciando a descoberta do túmulo do imperador Giuliano, mesmo continuando a trabalhar no banco, fui catapultado de novo naquele mundo. Do imperador acima citado a Apóstata não foi muito a conceção filosófica a cativar-me, mas o desejo de mudar a ordem das coisas: a tentativa, destinada a fracassar, de retroceder o relógio do tempo. Giuliano não percebeu que o mundo por ele contemplado não existia mais e, se calhar, nunca existira. Como muitos jovens estava convicto de poder mudar tudo, para depois aperceber-se de que não tinha conseguido mudar nada. Era um idealista, ou melhor um utopista, em síntese, um como eu.
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