Charlotte
DIAS ATUAIS
Minhas mãos não param de tremer.
Elas começaram a tremer violentamente desde que fechei a loja, logo depois que Steven e seus capangas se foram. Continuaram tremendo enquanto eu dirigia imprudentemente pela cidade, virando ruas, fora de mim, me perdendo em cada curva como se cada reviravolta pudesse apagar o que aconteceu.
Eu só parei quando cheguei à casa de Larissa para buscar Nicky. Larissa ficou alarmada ao me ver — sei que meu rosto devia parecer um campo de batalha —, mas eu não suportava a ideia da minha filha longe de mim enquanto aqueles idiotas sabiam da existência dela. Peguei Nicky nos braços e a trouxe para casa, tentando manter as mãos firmes enquanto a alimentava e a colocava para dormir, como se fosse apenas mais uma sexta-feira normal.
Mas parada agora na cozinha, com a chaleira apitando furiosa ao meu lado, percebo que minhas mãos ainda tremem. Tento cerrá-las num punho, mas a pressão só faz o tremor subir pelos meus braços. Encosto as palmas no balcão frio, mas é como se o mármore gelado só amplificasse a minha angústia.
Steven era assustador. Minha mente ainda gira com tudo que ele me disse: sobre a mercadoria desaparecida, o dinheiro que supostamente Nate devia. Os dedos dele ainda queimam meus lábios como se tivessem deixado ácido em minha pele, e eu quase sinto as mãos dele apertando minha garganta de novo. Meu estômago se contorce num espasmo violento e eu me curvo sobre a pia, vomitando bile misturada a um fio de sangue. Cuspo e escorro água pela boca, tentando me livrar daquele gosto amargo, enquanto meu corpo inteiro continua a tremer, empapado em suor frio.
Em que p***a o Nate se meteu?
Enxáguo a boca e tomo alguns analgésicos, tentando espantar a dor de cabeça que lateja atrás dos meus olhos. Mas nada ajuda. Faço um chá que deixo de lado, abandonado. Nate está dormindo no sofá. Não quis acordá-lo — Nicky era a prioridade —, mas agora, sozinha, não consigo mais me conter.
Empurro a porta da sala e fecho-a com força. Pego a almofada mais próxima e a bato com violência contra a cabeça de Nate. Ele grunhe e desperta, piscando confuso, e eu o acerto de novo, só pelo alívio momentâneo de machucá-lo.
— Levanta! — sibilo, a voz trêmula de pura fúria. — Levanta logo, p***a!
— Que merda é essa, Charlotte? Eu tava dormindo! — resmunga ele, limpando o rosto com a mão.
— Eu não ligo! — lanço a almofada nele de novo, o barulho abafado ecoando na sala. — Você tem explicações a dar, p***a!
— Do que você tá falando? — Ele me olha com aqueles olhos tristes de cachorro ferido que sempre acabam me desmontando. — Eu não fiz nada. Eu tava dormindo desde que você saiu.
— Esse é o problema, não é? — rebato, andando de um lado para o outro, o coração martelando no peito. — Você dorme enquanto eu tô aqui, tentando consertar tudo mais uma vez! Você não assume a p***a da responsabilidade!
— Do que você tá falando?
— A Máfia Irlandesa te diz alguma coisa, Nate? Você enlouqueceu? — Minha voz falha quando as palavras saem. — Você se meteu com esses caras?
O rosto dele empalidece completamente, e ele se ergue, finalmente entendendo a gravidade da situação.
— Charlotte… como você sabe disso?
— Quer saber como eu sei? — Passo a mão pelo cabelo, sentindo o couro cabeludo latejar. — Porque eles foram até a loja hoje, destruíram tudo e me ameaçaram! Queriam saber onde você estava e, quando me recusei a contar, um deles colocou a mão na minha boca e enfiou uma faca na minha barriga. Depois, me jogou contra a parede e apertou meu pescoço…
— Merda! — Nate se põe a andar de um lado para o outro, nervoso. — Você contou a eles que eu tô aqui? Você contou?
— Você não ouviu o que eu disse, p***a? — ofego, tentando afastá-lo quando ele me segura pelos ombros. — Eles me machucaram, me ameaçaram, e tudo que importa pra você é…
— Você contou a eles? — ele grita, sacudindo meus ombros como se quisesse me arrancar a verdade. — Você me entregou por causa da Nicky?
— O quê? Não! Eu disse que não contei, p***a! Eu só quero saber que p***a tá acontecendo!
— Eu preciso ir. Você não entende, Charlotte. Se eles me encontrarem… — Ele começa a juntar as roupas espalhadas, como se isso fosse resolver alguma coisa. — Você não tem ideia do que eles vão fazer comigo.
Ele está tão focado em fugir que nem parece lembrar que eu fui a única a ficar frente a frente com a lâmina de Steven. Eu agarro o braço dele com força.
— É verdade? Você roubou deles?
— Não é o que você pensa — murmura ele, correndo para a cozinha.
Eu vou atrás, o medo e a raiva me empurrando para frente.
— É melhor você me contar a verdade agora, Nate. Eles disseram que você roubou uma remessa inteira, que desviou produtos. Eles destruíram a loja e me disseram que eu teria que… que eu teria que t*****r com uns caras aleatórios para pagar a sua dívida!
Ele congela, com uma lata de sopa numa mão e um saco de comida na outra. Seu olhar se fixa em mim.
— O quê? Eles disseram o quê?
Minha voz falha, o sangue some das minhas bochechas enquanto eu me abraço, encolhida.
— Steven… ele disse que me mataria e venderia a Nicky. Mas se eu concordasse em ser vendida, ele deixaria ela em paz. Que eu seria leiloada… sem limite de tempo.
A frase m*l sai da minha boca. Meus olhos se enchem de lágrimas enquanto Nate me encara, sem piscar. Ele larga a sopa e o saco como se fossem nada, e por um segundo, acho que ele vai me abraçar.
Preciso daquele abraço. Preciso que ele me diga que tem um plano.
Mas em vez disso, o rosto dele se ilumina de um jeito estranho.
— Isso é… incrível! — diz ele, como se fosse uma boa notícia.
— O quê? — minha voz quebra, entendendo a esperança nos olhos dele.
Ele segura meus ombros de novo, mas agora é suave, quase gentil.
— Eu não acredito que você aceitou fazer isso por mim, Charlotte…
— O que te faz pensar que eu disse sim? — minha voz sai rouca, falhada. — Você sabe o que eles tão me pedindo? Não é só um boquete no beco, Nate. São setecentos e cinquenta mil dólares! Por que você não devolve as drogas?
Ele dá um passo para trás, o rosto se fecha, e quando se senta, parece menor, esmagado.
— Eu não posso devolver nada — diz ele, a voz quase um sussurro. — Porque eu não roubei nada, Charlotte. Eles acham que fui eu porque eu sou fraco, um alvo fácil. Mas eu não tenho nada pra devolver.
— Natanael! — grito, o desespero me rasgando por dentro. — Eles vão me vender, Nate! Entende? Não são só palavras!
— E? — ele me encara, frio. — É só sexo, Charlotte. Você vai sobreviver. Eu… eu não. Eles vão me torturar, me matar. Você não entende?
Meus joelhos quase cedem ao lembrar da lâmina na minha barriga. Mas quando olho para Nate, vejo lágrimas nos olhos dele.
— Seria tão incrível se você fizesse isso por mim. É a nossa chance, Charlotte. A gente vai se livrar de tudo. Da dívida, desses canalhas, das drogas… — Ele funga. — Você me salvaria, Charlotte. Obrigado.
Eu queria gritar que não sou a heroína dele, que não sou moeda de troca. Mas tudo que vejo é minha filha, pequena e inocente, e meu irmão, quebrado e fraco.
Que outra escolha eu tenho?
— Tá — sussurro. — Eu já aceitei. Mas você vai proteger a Nicky enquanto eu estiver fora.
Ele me abraça forte, quase desesperado.
— Eu vou — promete ele, chorando. — Obrigado, Charlotte. Você tá me salvando.
É só sexo.
Continuo repetindo isso para mim mesma enquanto espero na loja pelo carro de Steven. Sou forçada a usar um vestido prateado minúsculo, que empurra meus s***s para cima e deixa metade da minha b***a exposta — presente de Steven. Me visto, passo batom, escovo o cabelo.
Quando entro no carro, sou vendada.
Logo, mãos fortes me agarram pelos braços, empurrando meus pés descalços por um caminho áspero que machuca minha pele. Portas rangem, vozes masculinas sussurram. Sou puxada sem parar, até que o chão áspero vira piso liso e frio.
Quando paramos, mãos apertam meu tornozelo, me fazendo pular. É alguém me calçando saltos altos, as tiras apertando meu tornozelo machucado. E eu continuo dizendo a mim mesma, para não enlouquecer:
É só sexo.
Sou forçada a andar novamente. É difícil dizer onde estou ou qual é a saída depois de tantas voltas e reviravoltas. Quando paramos, estou tonta e com muito calor. Minha cabeça lateja e meu coração bate dolorosamente no peito.
Como vou superar isso? Não dormi e só consigo pensar na Nicky. Se eu não conseguir, minha filha vai sofrer e a Nate vai morrer. Não tenho escolha.
É só sexo.
Posso deitar-me e fechar os olhos.
É só sexo.
Porra.
De repente, a venda é arrancada e eu me vejo sob uma luz tão brilhante que sou forçada a apertar os olhos.
— Você é a sobremesa — diz um dos homens que segura meu braço com força. Ele me força a ir para a frente e eu abro os olhos para ver um homem reclinado em um sofá preto à minha frente. Ele é mais velho e gordo, com um charuto grosso pendurado nos lábios, escondido sob um bigode espesso. Sua camisa se estica como uma luva sobre a barriga, e óculos grossos se equilibram na ponta do seu nariz longo e pontudo.
— Aproveite — diz o homem que tirou minha venda e sai abruptamente, batendo a porta atrás de si. O som me dá um arrepio na espinha enquanto o suor brota por todo o meu corpo.
— Quando me disseram que eu seria a sobremesa essa noite — o homem suspira, tossindo nuvens de fumaça, — eu não esperava alguém tão bonito.
Não tenho ideia do que fazer. Não recebi nenhuma instrução além da ordem de obedecer no instante em que fui arrastada para fora do carro. Não sei se devo falar ou como devo… entretê-lo, e a incerteza me enlouquece. Forço um sorriso apesar do medo, juntando as mãos na frente do corpo. O homem ergue uma mão gorda e autoritária.
— Mostre-me — ele grita, gesticulando impaciente para que eu me vire.
Eu obedeço.
O que vejo atrás de mim enquanto me viro faz meu sangue gelar. As paredes ao redor do pequeno cômodo estão cobertas de prateleiras de metal do chão ao teto, repletas de brinquedos sexuais: chicotes, cordas, vibradores, grampos, lâminas. Nunca fui puritana, sempre gostei de um pouco de picante no quarto, mas ali… ali não existe sequer a menor fagulha de confiança.
Enquanto meus olhos absorvem cada item que parece zombar de mim, meu coração dispara descontroladamente, e o tremor em minhas mãos volta com força. Cerro os punhos para evitar que percebam meu medo. Quando me viro de novo para encará-lo, o homem está de pé, parado, observando-me com um sorriso depravado.
Meu sorriso desaparece. Dou um passo para trás, mas ele apenas respira fundo, soltando uma baforada de fumaça de charuto que me faz tossir.
— Eu… — Tento falar, mas antes que consiga completar a frase, ele me dá um tapa no rosto com uma força inesperada. Sua forma arredondada esconde músculos surpreendentes. Sinto meus dentes cortarem o interior da minha bochecha, e o gosto de sangue enche minha boca enquanto meus ouvidos zumbem. De algum modo, consigo me manter de pé nos saltos ridiculamente altos que me forçaram a usar.
— Eu não quero que você fale — diz o homem com um rosnado. Ele ergue uma das mãos, agarra meu cabelo e me puxa com brutalidade. Em um segundo, estou de joelhos, gemendo de dor. — Mas — ele continua, sussurrando perto do meu ouvido — eu quero que você grite.
De repente, todo o mantra de “é só sexo” desaparece da minha mente. Isso não é só sexo, e o medo toma conta de mim completamente quando ele força meu rosto contra sua virilha. Sua risada grave ecoa pelo cômodo.
— Acostume-se, minha querida — ele diz com um sorriso c***l, enquanto tento ouvir algo além do rugido ensurdecedor do meu coração. — Você vai me adorar até o fim da noite.
Seus quadris empurram meu rosto com força e, quando ele solta meus cabelos, sou arremessada para trás com um gemido suave. Fico ali, no chão, tremendo enquanto ele sopra a fumaça de seu charuto, puro terror borbulhando em minhas veias.
Mesmo a determinação de fazer isso para manter minha família segura não é suficiente para abafar o pavor que sinto quando ele se aproxima novamente. Ele me agarra pela frente do vestido, puxando-me para cima. Rezo para que o tecido não se rasgue, pois é a única barreira frágil que me separa dele. Cara a cara, ele me segura pelo pescoço e me empurra com força contra a parede, onde a prateleira de brinquedos se crava dolorosamente na minha pele, pressionando minhas costelas.
Então, uma dor aguda, terrível, explode em meu ombro. Grito, incapaz de conter o som que me escapa quando percebo o que ele está fazendo: ele está apagando o charuto aceso contra minha pele. O cheiro de carne queimada me faz engasgar de nojo. Tento me contorcer, mas o aperto dele é implacável.
— Sim — ele sibila, tão perto que sinto seu hálito quente. — O primeiro grito de muitos. Você sabe o que dizem sobre uma v***a desesperada, rastejando para proteger o que ama? Pois eu pretendo ver até onde você aguenta, minha querida.
A suavidade falsa daquela palavra me faz enjoar. Meus joelhos batem um contra o outro, e lágrimas brotam dos meus olhos sem que eu consiga detê-las.
— Por favor — ofego, sem nem saber ao certo o que estou pedindo.
— Por favor? — Ele ri baixinho, com um prazer doentio. — Sim, implore assim. Vou ver quantos vibradores cabem dentro de você antes que quebre, quantas chicotadas você aguenta antes de declarar seu amor por mim, quantos litros de sangue você consegue perder antes de morrer...
— Não! — grito, a palavra rasgando minha garganta.
Não sei de onde tiro forças, mas talvez seja o instinto de que não posso suportar isso. Que não posso — e não quero — me sacrificar assim. Enquanto ele fala, meus dedos encontram algo frio e pesado: um remo com pinos de metal. Num surto de adrenalina, eu o pego e o balanço com força, acertando a lateral do rosto dele. O impacto faz ele soltar um grito animalesco.
Ele tropeça para trás, e eu me recuso a soltar o remo, mesmo quando os pinos se cravam em seu rosto, rasgando sua pele. Ele cai de joelhos, o sangue jorrando como uma cachoeira.
— Sua v***a! — ele grita, o único olho que restou me fulminando de ódio.
Hesito por um instante — e então levanto o remo de novo e o acerto com toda a minha força. Deixo-o lá, preso no rosto dele, e me afasto, sem olhar para trás.
Arranco os saltos dos meus pés e saio correndo da sala, cada passo impulsionado pelo medo, pela raiva e pela necessidade desesperada de sobreviver.