5

1852 Words
Ava estava quase livre. O jantar já estava praticamente servido, e ela carregava uma das últimas bandejas com as mãos firmes, determinada a concluir sua tarefa sem chamar atenção. Se conseguisse atravessar a sala de jantar sem incidentes, poderia escapar para seu quarto no porão e finalmente descansar. Respirou fundo antes de atravessar a porta, mantendo a cabeça baixa enquanto se misturava ao fluxo dos outros ômegas. Mas, antes que pudesse sequer dar dois passos para dentro do salão, o som agudo de metal batendo contra vidro ecoou pelo ambiente, forçando o silêncio imediato. Vitor. Ava não precisou olhar para saber que o Alfa provisório havia chamado a atenção de todos. O simples som foi suficiente para fazer um arrepio gelado percorrer sua espinha. A voz dele ressoou pelo salão, carregada de autoridade e satisfação contida. "Amanhã será um dia especial para nosso bando, quando o bom filho retorna à casa." Um murmúrio se espalhou pela sala de jantar, com membros da matilha trocando olhares curiosos e sussurrando entre si. No entanto, Ava não deu atenção. Nada daquilo lhe dizia respeito. O que quer que fosse, não mudaria o fato de que sua única prioridade era terminar logo e sair dali sem ser notada. Mas então as próximas palavras de Vitor fizeram seu coração parar. "O filho do Supremo Rei Alfa estará morando conosco e frequentará nossa academia e escola no próximo ano. Isso porque ele vem acompanhar o retorno do nosso futuro Alfa, Gael." O salão explodiu em palmas e exaltação. Ava sentiu o ar sumir de seus pulmões. Seu corpo inteiro enrijeceu, e ela se virou lentamente para encarar Vitor, como se precisasse confirmar o que ouvira. Ele mantinha a expressão séria, quase de desagrado, como se a simples menção do nome de Gael lhe trouxesse incômodo. Mas suas palavras ecoavam repetidamente na mente de Ava, cada sílaba cortando fundo como uma lâmina afiada. Amanhã, Gael estaria de volta. Seu corpo tremeu involuntariamente, e dentro dela, sua loba também pareceu estremecer. Um turbilhão de emoções a atingiu com força avassaladora—choque, medo, raiva, confusão. Seu peito subia e descia rapidamente, e então, como se seu próprio corpo estivesse se rebelando contra ela, sua visão escureceu por um breve momento. Foi o suficiente para que sua mão perdesse a força. A bandeja escorregou de seus dedos e caiu no chão com um estrondo ensurdecedor. O som de pratos e vasilhas se estilhaçando invadiu o salão justamente no momento em que todos se calavam. Um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente. E, quando Ava finalmente conseguiu recuperar o foco, sentiu cada olhar voltado para si. Inclusive os olhos cruéis de Vitor. O silêncio que seguiu o estrondo da bandeja caindo foi breve, mas avassalador. Então, como uma faísca incendiando um campo seco, o caos explodiu. Vozes se ergueram de todos os cantos do salão, algumas cheias de escárnio, outras de raiva. "Maldita filha de traidores!" "Nem para servir presta!" "Isso é um presságio r**m para o retorno de Gael!" "Seu pai pagou com a vida, mas ela ainda respira!" Os insultos cortavam Ava como navalhas invisíveis. Seu peito subia e descia descontroladamente, e seus olhos queimavam de humilhação. Ela queria desaparecer, se enfiar em um buraco e nunca mais sair. Mas não podia. Não tinha esse luxo. Engolindo a vergonha, ela se abaixou rapidamente, murmurando em um fio de voz: "Perdão… Perdão…" Suas mãos tremiam enquanto tateavam os pedaços de porcelana espalhados pelo chão. Os cacos afiados cravavam-se em sua pele, deixando cortes finos e ardentes em seus dedos. Pequenas gotas de sangue manchavam o chão de madeira, misturando-se aos restos da comida espalhada. Mas Ava não se importou. Ela precisava limpar a bagunça. Precisava consertar seu erro antes que… Uma dor lancinante explodiu em seu couro cabeludo quando dedos de ferro agarraram seus cabelos. Um grito escapou de seus lábios quando seu corpo foi arrancado do chão, seus pés se desprendendo por um segundo antes de tocarem o solo outra vez, sem equilíbrio, sem estabilidade. O pior havia acontecido. Ela tinha toda a atenção de Vitor. O salão ficou ainda mais silencioso, como se o próprio ar estivesse contido em antecipação ao que viria. Os dedos de Vitor se apertaram em seus cabelos, puxando sua cabeça para trás, forçando-a a olhar para ele. O rosto do Alfa provisório estava contorcido em puro ódio, seus olhos escuros refletindo a raiva incendiária que se reacendia com a simples menção da chegada de Gael. "Sete anos!" ele rosnou, sua voz reverberando pelo salão. "Sete anos desde que limpamos a sujeira que seu maldito pai e aquela v***a da sua mãe trouxeram para nossa matilha! Sete anos desde que erradicamos a traição! E ainda assim, você continua aqui. Respirando. Sujando este lugar com a sua existência." Os murmúrios de concordância vieram como um coro macabro, aumentando a sensação sufocante que envolvia Ava. "Ela deveria ter morrido junto com aqueles desgraçados!" "Por que ainda a deixamos viver?!" "Ela é um lembrete da vergonha que nos fizeram passar!" Os gritos vinham de todas as direções, cada um pesando sobre Ava como uma rocha, esmagando-a mais e mais. Sua respiração estava entrecortada, seu coração martelava contra suas costelas, e o aperto nos cabelos a impedia de se mover. Vitor puxou com mais força, e Ava sentiu as lágrimas arderem em seus olhos quando a dor se intensificou. "Você não passa de uma sombra do pecado dos seus pais," ele cuspiu as palavras. "E agora, com a volta de Gael, ninguém mais precisa fingir que você tem qualquer valor." O sangue nos dedos de Ava escorria, as pequenas feridas abertas pelos cacos de porcelana ardiam, mas nenhuma dor se comparava ao medo crescente em seu peito. Ela sabia o que viria a seguir. Sempre que Vitor estava irritado, sempre que sua fúria se reacendia, ela se tornava seu saco de pancadas pessoal. Mas, desta vez, algo era diferente. Desta vez, Gael estava voltando. E isso significava que o ódio de Vitor pelos seus pais—e por ela—estava mais inflamado do que nunca. Ava sentiu seu corpo inteiro enrijecer, esperando o primeiro golpe. A dor explodiu no corpo de Ava quando Vitor a arremessou com brutalidade. Seu corpo atingiu o chão de madeira com força, o impacto fazendo o ar sair de seus pulmões em um gemido sufocado. "Incompetente!" O rugido de Vitor reverberou pelas paredes do salão, carregado de desprezo e raiva contida. Ava ofegou, tentando se recompor, mas antes que pudesse sequer se erguer, Vitor já se virava para os guardas. "Levem essa imprestável para o meu escritório," ele ordenou, a voz fria e letal. "E ela que me espere lá. Vamos ver se aprende a não ser um estorvo." Os lobos da guarda se movimentaram para cumprir a ordem, mas então algo aconteceu. Um som baixo e ameaçador preencheu o salão, crescendo como um trovão subterrâneo. Não era um choro. Não era um suspiro de medo. Era um rosnado. E não era qualquer rosnado. O som reverberava pelo ar, carregado de poder e fúria crua, fazendo os copos e talheres sobre as mesas estremecerem levemente. Era como se a própria terra tivesse respondido à injustiça que se desenrolava ali. Os olhos de Ava se arregalaram. Era ela. Ela tinha rosnado. Assim que percebeu isso, Ava fechou a boca rapidamente, seu coração disparando contra suas costelas. O que estava acontecendo com ela? Ela havia tomado a poção para suprimir sua loba dois dias atrás. Sempre funcionava. Sempre. E normalmente, sua loba só começava a dar sinais de vida depois de pelo menos um mês. Mas agora… Ela sentia sua presença. Uma força pulsante dentro de si, agitada, acordada. Os olhos de Vitor ardiam de puro ódio enquanto ele a fitava. Por um segundo, ele pareceu surpreso, mas logo o choque se transformou em um desdém feroz. Ava engoliu em seco. Estava ferrada. Antes que pudesse se mover, sentiu mãos firmes a segurarem pelos braços, levantando-a do chão com facilidade. Tiago. O jovem lobo, que tinha sua idade, a ergueu sem esforço, mas sem brutalidade. Ele era diferente dos outros da guarda. Nunca a batia, mas também nunca intervinha para ajudá-la. Seus olhos sempre carregavam aquele mesmo olhar de pena silenciosa. Tiago a puxou para fora do salão de jantar, arrastando-a pelos corredores da casa da matilha. Ava tremia. Não sabia se de medo, raiva ou da energia desconhecida que ainda pulsava dentro dela. Nenhum dos dois disse nada durante o trajeto. O silêncio entre eles era espesso, pesado. Até que Tiago parou diante da porta do escritório de Vitor. Ele abriu a porta e fez um gesto para que ela entrasse. Ava hesitou por um segundo, mas sabia que não havia escolha. Quando ela passou pela porta e se virou para ele, viu que Tiago ainda a observava. E então, ele falou. "Por que você não foge?" A pergunta saiu baixa, quase como um sussurro. "Por que ainda está aqui?" Os olhos de Ava se encheram de lágrimas. Ela não sabia se era pela exaustão, pelo medo ou pelo peso daquela pergunta. "Eu já pensei nisso," sua voz saiu fraca, mas firme. "Mas prometi aos meus pais que só vou embora depois de limpar o nome deles. E quando o tio João acordar... Nesse dia, eu irei embora desse lugar para nunca mais voltar." Tiago a encarou por um longo momento. Sua expressão oscilava entre raiva e pena. Se fosse ele, já teria fugido há muito tempo. Mas ele também sabia a verdade. Ava não tinha chances. Se tentasse fugir, seria caçada até ser encontrada. E então, Vitor não precisaria mais de uma desculpa para matá-la. A única coisa que a mantinha viva era a ordem dada por Gael, anos atrás, quando ainda era apenas uma criança. Ele havia dito que Ava deveria viver, para pagar pelos erros de seu pai. Se não fosse por isso, Vitor já a teria eliminado, assim como fez com os pais dela. Tiago suspirou, desviando o olhar. "Que seja, então." E então, sem mais uma palavra, ele fechou a porta, deixando Ava sozinha para enfrentar seu terrível destino. Ava ficou parada, o peito subindo e descendo com força. A pergunta de Tiago martelava. "Por que você não foge?" Quantas vezes já pensara nisso? Fugir, sumir, esquecer. Mas toda vez que essa ideia surgia, outra vinha junto. O olhar do pai, determinado até o último segundo. O desespero da mãe, tentando protegê-la. Os gritos. O sangue. Eles haviam morrido sem que ela pudesse ajudá-los. E ela... viveu. Sobreviveu. Fugir agora seria virar as costas para tudo. Deixaria Vitor como herói. Deixaria os pais como traidores. Não. Ela apertou os punhos. Sentia o gosto de ferro na boca. Sentia sua loba se remexendo, faminta. "Se eu fugir, eles vencem." Deixaria os nomes de seus pais manchados para sempre. E isso, Ava não podia aceitar. Ela tinha que limpar o nome deles. Era o mínimo que podia fazer por aqueles que a amaram, que deram a vida por ela. Somente depois disso partiria. E quando o fizesse, sairia com a cabeça erguida. Sem dever nada a ninguém. Nem mesmo a Gael.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD