De repente Ava estava submersa na inconsciência, mas não havia paz ali. Havia apenas dor.
O seu corpo parecia envolto em chamas, um fogo incontrolável que a consumia de dentro para fora. Ela queria gritar, queria se debater, mas não conseguia. As labaredas lambiam sua pele, queimando até o osso, e o calor insuportável parecia devorá-la por inteira.
Aos poucos, o fogo deu lugar ao vazio. O nada absoluto.
Foi então que veio a escuridão.
No meio daquele abismo sem fim, Ava se perguntou se, enfim, estava morrendo.
O pensamento trouxe uma estranha mistura de alívio e desespero. Se estava morta, a dor finalmente acabaria. Mas e se ainda restasse algo além da morte? E se não houvesse descanso nem mesmo no fim?
De repente, uma claridade distante rompeu a escuridão, tênue como a chama de uma vela ao longe. Aos poucos, a luz cresceu, formando um túnel longo e estreito que parecia não ter fim. Ava piscou, tentando entender onde estava.
E então, viu as silhuetas.
Lá, no final do túnel, duas figuras a esperavam. Seu coração vacilou no peito, e ela arregalou os olhos, sua respiração presa na garganta.
"Não pode ser…"
Era um homem e uma mulher. Mesmo de longe, Ava reconheceria aquelas presenças em qualquer lugar.
Seus pais.
Um soluço escapou de seus lábios. Seu peito foi preenchido por uma avalanche de emoções – saudade, tristeza, esperança. Era verdade, então. Ela havia sucumbido. Estava morta.
Ava tentou correr até eles, mas seu corpo estava pesado, como se estivesse presa ao chão invisível do túnel.
"Pai! Mãe!" Ela gritou, sua voz saindo trêmula. "Esperem!"
Mas eles não pararam.
O sorriso suave permanecia em seus rostos, mas, em silêncio, começaram a caminhar para longe.
"Não, não vão embora!"
Ela lutou para se mover, sua mente fervilhando de desespero. Precisava alcançá-los. Precisava tocá-los. Tinha tantas perguntas, tantas coisas que nunca teve a chance de dizer.
Mas, por mais que gritasse e implorasse, eles apenas continuaram caminhando, afastando-se cada vez mais.
Então, num piscar de olhos, tudo mudou.
O túnel desapareceu em uma explosão de luz.
A claridade foi tão intensa que Ava precisou cobrir os olhos. O chão sumiu sob seus pés, e por um instante, ela sentiu que estava caindo. Mas antes que pudesse sentir medo, foi suavemente depositada em algo macio.
Quando abriu os olhos, seu coração quase parou.
Ela não estava mais no túnel.
Diante dela, estendia-se uma floresta como nenhuma outra que já vira antes.
As árvores eram altíssimas, seus troncos espiralados brilhavam como ouro polido. As folhas tinham tons de verde cintilante e se moviam como se dançassem ao som de uma música silenciosa. Flores enormes e de cores impossíveis brotavam entre as raízes, exalando um perfume adocicado que preenchia o ar.
Um pequeno riacho serpenteava entre as pedras, sua água tão cristalina que Ava podia ver cada detalhe do leito coberto por pedrinhas luminosas. A correnteza era suave, e pequenos peixes de escamas iridescentes nadavam tranquilamente.
O céu acima não era azul, mas sim um tom de lilás suave, pontilhado por estrelas brilhantes que cintilavam mesmo durante o dia. Havia uma luz dourada que vinha de todos os lados, envolvendo tudo em um brilho etéreo.
Ava piscou várias vezes, tentando absorver a cena diante de si. O lugar era deslumbrante, quase irreal. Parecia algo saído de um sonho.
Ela respirou fundo, sentindo o ar puro encher seus pulmões. Pela primeira vez em muito tempo, não havia dor, não havia medo. Apenas uma calma profunda, quase reconfortante.
Mas então, algo dentro dela estremeceu.
Ela não pertencia àquele lugar.
Seu coração apertou no peito. Lembrou-se dos golpes de Vitor, do sangue quente escorrendo de suas costas, da dor lancinante que a havia lançado na inconsciência.
E, acima de tudo, lembrou-se de que ainda não estava pronta para desistir.
Com passos hesitantes, Ava começou a caminhar. Cada folha sob seus pés emitia um brilho suave ao toque, e a brisa que soprava parecia sussurrar palavras que ela não conseguia entender.
Seguiu o som da água, aproximando-se do riacho. Quando se ajoelhou à beira da correnteza, olhou para seu próprio reflexo e sentiu um arrepio subir por sua espinha.
Sua imagem na água não era a mesma que conhecia.
Seus olhos, antes de um castanho comum, agora brilhavam em um vermelho profundo. Seu cabelo estava mais longo, esvoaçando com a brisa. Sua pele, que deveria estar coberta de ferimentos, parecia ilesa, reluzente.
Ava tocou a superfície da água, e uma onda de energia percorreu seu corpo.
Era como se algo dentro dela estivesse despertando. Algo que sempre esteve lá, adormecido, esperando o momento certo para emergir.
"Você finalmente percebeu."
A voz veio de trás dela, suave e cheia de significado.
Ava se virou de súbito, seu coração martelando no peito.
Diante dela, em pé sob a sombra de uma árvore dourada, estava uma mulher de aparência serena. Seus olhos eram da mesma cor vermelha que os de Ava, e seu sorriso era ao mesmo tempo gentil e misterioso.
"Quem é você?" Ava perguntou, sua voz pouco mais que um sussurro.
A mulher inclinou a cabeça levemente, como se estivesse estudando-a.
"Isso não importa agora", respondeu ela. "O que importa é que você finalmente abriu os olhos."
Ava franziu a testa, confusa.
"Eu… não entendo."
A mulher sorriu de forma enigmática.
"Entenderá. Quando for a hora."
Antes que Ava pudesse dizer mais alguma coisa, algo atrás da mulher chamou sua atenção.
Ela arregalou os olhos ao ver, atrás da figura misteriosa, uma árvore gigantesca de tronco retorcido e n***o como a mais profunda das sombras. Suas raízes pareciam se estender até o infinito, serpenteando pelo chão de maneira ameaçadora. Os galhos, secos e sem folhas, subiam ao céu lilás, como garras tentando rasgar os céus.
E ali, acorrentada ao tronco imponente daquela árvore sombria, estava a criatura mais magnífica e assombrosa que Ava já tinha visto.
Uma loba gigante de pelo vermelho como chamas ardentes.
Seu corpo era colossal, tão grande que, mesmo sentada sobre as patas traseiras, ultrapassava em altura a mulher que estava à frente. Sua pelagem vibrava, como se fosse feita de brasas vivas, e seus olhos eram duas fendas incandescentes, brilhando como o fogo mais intenso. O ar ao redor dela parecia tremular, como se sua simples presença emanasse calor.
Grossas correntes negras envolviam seu corpo poderoso, apertando-se contra seu pelo escarlate, prendendo suas patas e seu pescoço ao tronco da árvore n***a. Cada elo parecia pulsar com uma energia sombria, como se absorvesse a força da fera aprisionada.
No pescoço da loba, uma placa de metal escuro reluzia à luz dourada do céu encantado. Nela, gravado em letras rústicas e profundas, havia um único nome.
FÚRIA.
Ava sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
Mesmo acorrentada, a loba possuía uma presença avassaladora, algo que transcendia força física. Era como se carregasse dentro de si um poder bruto e incontrolável, como se sua simples existência fosse um presságio de caos e destruição.
Fúria ergueu a cabeça lentamente, e seus olhos flamejantes pousaram sobre Ava.
O mundo ao redor pareceu se contrair.
Ava sentiu sua respiração falhar. Não era apenas um olhar. Era como se a loba estivesse perfurando sua alma, lendo cada pensamento, cada medo, cada cicatriz invisível que carregava dentro de si.
Ela tentou dar um passo para trás, mas seus pés estavam presos ao chão, como se a própria terra a segurasse ali.
"Quem… quem é ela?" Ava conseguiu perguntar, sua voz pouco mais que um sussurro.
A mulher à sua frente não respondeu de imediato.
Em vez disso, apenas sorriu, um sorriso enigmático e cheio de significados ocultos.
"Você já sabe a resposta."
Ava franziu a testa, seu coração martelando contra as costelas.
Ela queria negar, queria insistir que não sabia. Mas, lá no fundo, uma verdade incômoda começava a se formar.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma onda de luz a envolveu, e tudo ao seu redor começou a desaparecer.
A floresta sumiu.
A árvore n***a desapareceu.
E os olhos incandescentes da loba foram a última coisa que Ava viu antes de ser engolida pela escuridão.
Ela tentou se agarrar a algo, tentou lutar contra aquela sensação de ser puxada de volta.
"Espere! Não vá!"
Mas era tarde demais.
A floresta sumiu.
A escuridão voltou.
E então, Ava abriu os olhos.
Seu corpo estava pesado, a dor voltando como uma maré violenta. Seus pulmões ardiam com cada respiração fraca e irregular.
O teto mofado do porão apareceu diante de sua visão turva.
Ela estava viva.
Contra todas as probabilidades, contra todas as expectativas, ela ainda estava ali.
Mas algo dentro dela havia mudado.
Ela podia sentir.