Soraia
Meu corpo tá me traindo.
Não é brincadeira.
Acordei com o estômago revirado, uma tontura que fez o mundo girar antes mesmo de eu colocar os pés no chão. Fiquei um tempão sentada na beirada da cama, segurando a cabeça, tentando respirar fundo.
É ansiedade, tem que ser.
Medo.
Nervoso.
Qualquer coisa, menos o que eu tô pensando.
Mas aí eu lembro.
Lembro do Lobo.
Do peso dele em cima de mim, do calor, do jeito que a gente se perdeu naquela noite na cozinha. E toda vez que essa memória vem, meu peito aperta de um jeito que dói. É uma mistura de t***o, saudade e um pânico tão grande que dá vontade de sumir.
O dia inteiro foi assim.
Ando pela casa me segurando nas paredes, com medo de desmaiar a qualquer momento. Tento comer um biscoito água e sal, mas parece areia na boca. Desce e sobe na mesma hora. Tô fraca, parece que tão sugando minha energia toda.
E o pior de tudo: o Tito.
Tô com os sentidos todos ligados nele, igual um rato vigiando um gato. Cada olhar, cada movimento. Se ele perceber... se ele notar qualquer coisinha diferente... não quero nem pensar. Mas é difícil disfarçar quando você sente que vai explodir a qualquer segundo.
E claro, justo hoje o filho da p**a resolve voltar mais cedo. Eu tava na cozinha, tentando tomar um gole d'água, quando ouvi o carro dele. Na mesma hora, uma onda de enjoo subiu, tão forte que eu engasguei. Ele entrou e me viu lá, toda encolhida, segurando a pia.
— O que foi? Tá doente? — a voz dele, grossa, cortou o ar.
Os olhos dele eram dois faróis me queimando.
Desconfiado.
Sempre desconfiado.
Meu coração disparou. Precisava fazer alguma coisa, rápido. Antes que ele começasse a questionar mais, a fuçar. Então fiz a única coisa que me veio na cabeça. Me aproximei dele, coloquei as mãos no rosto dele e beijei ele.
Foi o beijo mais difícil da minha vida.
Os lábios dele, duros, o gosto de cigarro... por dentro, eu tava gritando, querendo chorar, me sentindo a pior das traidoras.
Mas ele comprou.
Depois do susto inicial, ele respondeu o beijo, com aquela grosseria de sempre. Quando a gente se separou, ele tinha um meio sorriso no rosto.
— Tá carente, é? — ele falou, passando a mão na minha b***a.
Eu só sorri, com os lábios tremendo, e virei de costas pra ele não ver o desespero nos meus olhos.
Não deu mais.
Não dava pra ficar nessa agonia.
Precisava saber a verdade.
Na tarde, quando a faxineira veio, eu me aproximei na maior cara de p*u.
— Maria, você pode me fazer um favor? — falei baixinho, puxando ela pro canto. — Precisa ser no sigilo, o Tito não pode saber de jeito nenhum.
Ela ficou me olhando, assustada.
— Não vai me arrumar problemas, né? Pode falar, dona Soraia.
— Preciso de um teste de gravidez. Daqueles de farmácia mesmo.
Os olhos dela arregalaram, mas ela acenou com a cabeça, séria. Uma hora depois, ela voltou da feira e, na hora que passou por mim na cozinha, um pacotinho pequeno e discreto mudou de mão. Eu enfiei no bolso do roupão tão rápido que quase deixei cair.
O coração tava batendo tão forte que eu achava que o Tito ia ouvir de qualquer canto da casa. Esperei ele ir pro QG, dizendo que tinha um problema pra resolver. Assim que o carro dele sumiu, eu corri pro banheiro e tranquei a porta.
Minhas mãos tremiam tanto que eu quase deixei o teste cair no vaso. Fiz tudo seguindo as instruções, coloquei em cima da pia e fiquei olhando. Os segundos pareciam horas. O meu reflexo no espelho estava pálido, assustado.
Foi quando ouvi.
O ronco do carro.
Ele tinha voltado.
— Droga! Tão rápido?!
Meu sangue gelou.
Peguei o teste, ainda sem olhar o resultado, e enfiei na cintura da minha calça, puxando a blusa por cima. Saí do banheiro rápido, tentando parecer normal.
O Tito estava no corredor.
— O que você tava fazendo aí? — ele perguntou, os olhos estreitos.
— Só lavando o rosto, Tito. Tava me sentindo um pouco tonta ainda — menti, a voz saindo fina.
Ele não pareceu convencido. Veio até mim, me puxou pelo braço.
— Tá esquisita esses dias, sabia?
Antes que eu pudesse responder, ele me virou e me abraçou por trás, enterrando o rosto no meu pescoço. O cheiro dele, o jeito que ele me agarrava... o enjoo voltou com tudo. Fechei os olhos, segurando as lágrimas.
Queria sumir.
Queria que o chão me engolisse.
E foi aí. Um movimento errado, um descuido. Aquele teste maldito, o teste, escorregou da minha cintura. Ele não caiu no chão fazendo barulho. Foi um tapinha leve, mudo. Mas eu senti. E, pelo jeito que o Tito parou de se mexer atrás de mim, ele também sentiu.
Ele se afastou um pouco, o suficiente para olhar para o chão entre a gente.
O teste de gravidez, ali, no meio do corredor.
O mundo parou.
Ele não falou nada. Ainda não.
Mas eu senti a mão dele, que estava na minha barriga, ficar dura. Os dedos pressionando minha carne, como uma garra.
O ruído do meu coração é a única coisa que eu ouço agora.
É o som do fim.
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