O Ruído do Coração

904 Words
Soraia Meu corpo tá me traindo. Não é brincadeira. Acordei com o estômago revirado, uma tontura que fez o mundo girar antes mesmo de eu colocar os pés no chão. Fiquei um tempão sentada na beirada da cama, segurando a cabeça, tentando respirar fundo. É ansiedade, tem que ser. Medo. Nervoso. Qualquer coisa, menos o que eu tô pensando. Mas aí eu lembro. Lembro do Lobo. Do peso dele em cima de mim, do calor, do jeito que a gente se perdeu naquela noite na cozinha. E toda vez que essa memória vem, meu peito aperta de um jeito que dói. É uma mistura de t***o, saudade e um pânico tão grande que dá vontade de sumir. O dia inteiro foi assim. Ando pela casa me segurando nas paredes, com medo de desmaiar a qualquer momento. Tento comer um biscoito água e sal, mas parece areia na boca. Desce e sobe na mesma hora. Tô fraca, parece que tão sugando minha energia toda. E o pior de tudo: o Tito. Tô com os sentidos todos ligados nele, igual um rato vigiando um gato. Cada olhar, cada movimento. Se ele perceber... se ele notar qualquer coisinha diferente... não quero nem pensar. Mas é difícil disfarçar quando você sente que vai explodir a qualquer segundo. E claro, justo hoje o filho da p**a resolve voltar mais cedo. Eu tava na cozinha, tentando tomar um gole d'água, quando ouvi o carro dele. Na mesma hora, uma onda de enjoo subiu, tão forte que eu engasguei. Ele entrou e me viu lá, toda encolhida, segurando a pia. — O que foi? Tá doente? — a voz dele, grossa, cortou o ar. Os olhos dele eram dois faróis me queimando. Desconfiado. Sempre desconfiado. Meu coração disparou. Precisava fazer alguma coisa, rápido. Antes que ele começasse a questionar mais, a fuçar. Então fiz a única coisa que me veio na cabeça. Me aproximei dele, coloquei as mãos no rosto dele e beijei ele. Foi o beijo mais difícil da minha vida. Os lábios dele, duros, o gosto de cigarro... por dentro, eu tava gritando, querendo chorar, me sentindo a pior das traidoras. Mas ele comprou. Depois do susto inicial, ele respondeu o beijo, com aquela grosseria de sempre. Quando a gente se separou, ele tinha um meio sorriso no rosto. — Tá carente, é? — ele falou, passando a mão na minha b***a. Eu só sorri, com os lábios tremendo, e virei de costas pra ele não ver o desespero nos meus olhos. Não deu mais. Não dava pra ficar nessa agonia. Precisava saber a verdade. Na tarde, quando a faxineira veio, eu me aproximei na maior cara de p*u. — Maria, você pode me fazer um favor? — falei baixinho, puxando ela pro canto. — Precisa ser no sigilo, o Tito não pode saber de jeito nenhum. Ela ficou me olhando, assustada. — Não vai me arrumar problemas, né? Pode falar, dona Soraia. — Preciso de um teste de gravidez. Daqueles de farmácia mesmo. Os olhos dela arregalaram, mas ela acenou com a cabeça, séria. Uma hora depois, ela voltou da feira e, na hora que passou por mim na cozinha, um pacotinho pequeno e discreto mudou de mão. Eu enfiei no bolso do roupão tão rápido que quase deixei cair. O coração tava batendo tão forte que eu achava que o Tito ia ouvir de qualquer canto da casa. Esperei ele ir pro QG, dizendo que tinha um problema pra resolver. Assim que o carro dele sumiu, eu corri pro banheiro e tranquei a porta. Minhas mãos tremiam tanto que eu quase deixei o teste cair no vaso. Fiz tudo seguindo as instruções, coloquei em cima da pia e fiquei olhando. Os segundos pareciam horas. O meu reflexo no espelho estava pálido, assustado. Foi quando ouvi. O ronco do carro. Ele tinha voltado. — Droga! Tão rápido?! Meu sangue gelou. Peguei o teste, ainda sem olhar o resultado, e enfiei na cintura da minha calça, puxando a blusa por cima. Saí do banheiro rápido, tentando parecer normal. O Tito estava no corredor. — O que você tava fazendo aí? — ele perguntou, os olhos estreitos. — Só lavando o rosto, Tito. Tava me sentindo um pouco tonta ainda — menti, a voz saindo fina. Ele não pareceu convencido. Veio até mim, me puxou pelo braço. — Tá esquisita esses dias, sabia? Antes que eu pudesse responder, ele me virou e me abraçou por trás, enterrando o rosto no meu pescoço. O cheiro dele, o jeito que ele me agarrava... o enjoo voltou com tudo. Fechei os olhos, segurando as lágrimas. Queria sumir. Queria que o chão me engolisse. E foi aí. Um movimento errado, um descuido. Aquele teste maldito, o teste, escorregou da minha cintura. Ele não caiu no chão fazendo barulho. Foi um tapinha leve, mudo. Mas eu senti. E, pelo jeito que o Tito parou de se mexer atrás de mim, ele também sentiu. Ele se afastou um pouco, o suficiente para olhar para o chão entre a gente. O teste de gravidez, ali, no meio do corredor. O mundo parou. Ele não falou nada. Ainda não. Mas eu senti a mão dele, que estava na minha barriga, ficar dura. Os dedos pressionando minha carne, como uma garra. O ruído do meu coração é a única coisa que eu ouço agora. É o som do fim. ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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