Tito
Porra, esse Lobo tá me deixando com o pé atrás. O c***a é frio, cumpre o trampo direitinho, mas tem um olhar que não me desce. É um olhar de quem já viu o fundo do poço e não tem mais p***a nenhuma a perder. E homem sem nada a perder é o bicho mais perigoso que existe.
Chamei ele pro QG hoje. Quero botar pressão, ver se ele pisa na bola.
— Lobo, vem cá. Preciso trocar uma ideia.
Ele veio, na dele.
Postura reta, olhar fixo.
Parece um soldado, p***a. Não tem jeito de malandro, de vagabundo.
— Fala aí, chefe.
— Cê é de onde mesmo? — jogo a isca, encarando ele.
— Do Complexo, chefe. Já falei.
— E o que fazia lá? Tava com que boca?
— Era segurança também. Mas a boca de lá tava fraquinha, aí vim pro morro do senhor. Aqui é mais movimentado.
A resposta veio lisa, sem hesitar.
Mas não me convence.
Tem algo errado.
Nisso, chega o Dedé, um dos meus vapô, arrastando um Zé ruela que devia uma grana da boca.
— Chefe, o Ratinho aqui tá devendo há duas semanas. Tá enrolando.
O Ratinho tá todo cagado, tremendo.
É a deixa perfeita.
— Lobo — viro pro segurança, com um sorriso de maldade. — Mostra pra esse o****o que aqui não é brincadeira.
Jogo uma .40 na mão dele. O Lobo pega a arma, natural, como se fosse uma chave. Ele olha pro Ratinho, que tá suplicando, e depois pra mim. Os olhos dele não tremem, não mostram nada.
É a p***a de um robô.
— Aqui é assim, irmão — o Lobo fala pro Ratinho, com uma voz calma, quase educada. — Quem não paga, não joga.
E pah.
Um tiro na testa.
Limpo, rápido.
O Ratinho cai igual um saco de batata.
O Lobo me devolve a arma, ainda quente.
— Tá pago, chefe.
Porra.
Até eu fiquei impressionado.
O cara não pestanejou.
Não é qualquer um que mata com essa frieza. Isso me deixa ainda mais desconfiado.
Quem é esse filho da p**a?
— Tá bom, Lobo. Pode vazar.
Ele acena com a cabeça e sai, andando normal, como se tivesse acabado de matar uma barata.
Viro pro Jacaré, que tá do meu lado.
— Tá vendo? Muito frio. Fica de olho. Esse cara tem olhar de quem perdeu tudo. E homem que não tem nada a perder é bom de guerra, mas é r**m de confiar.
O resto do dia fiquei noiado com isso. Fui pro barracão, peguei umas mina, fumei um baseado pra tentar relaxar. Mas a parada não saiu da cabeça. Quem será que o Lobo perdeu? Mulher? Filho? Tô com o pé atrás.
Chego em casa todo drogadão, a cabeça a mil. A Soraia tá na cozinha, jantando com o Evandro. O menino me vê e fica duro. Ela também. Aquele clima de merda, de sempre.
Na hora, a raiva sobe. Toda a desconfiança, a noia, o ciúme, tudo vem à tona.
Chego perto dela e puxo o cabelo.
— Anda, sua v***a. Vamos pro quarto.
— Tito, para! O Evandro tá aqui! — ela grita, tentando se soltar.
— f**a-se o Evandro! Ele é meu filho, ele tem que aprender como que é!
O menino começa a chorar. E aí, ele faz uma coisa que nunca fez. Ele levanta e corre. Corre pro Lobo, que agora se materializou e tá parado na porta da cozinha, e se esconde atrás das pernas dele, agarrado.
Porra.
Na minha própria casa.
O filho que eu roubei pra chamar de meu, correndo pro segurança. Pro mesmo cara que eu tô desconfiando.
Soltei a Soraia com tudo, que caiu no chão chorando. E vou pra cima do Lobo, puto da vida.
— O que foi, seu merda? Tá fazendo o que com meu filho?
O Lobo não se mexe. Fica parado, com o Evandro agarrado nele.
— Ele veio pra mim, chefe. Tá assustado.
— Assustado do quê? EU SOU O PAI DELE! — grito, na cara do Lobo. — p***a, EVANDRO, POR QUE CORREU PRO SEGURANÇA? PRA ESSE MERDA?
Aí o moleque, aquele pedaço de nada que eu trouxe pra dar um jeito na minha vida, solta a bomba. Ele sai de trás do Lobo, com o rostinho cheio de lágrima, e aponta pra mim.
— Eu não sou seu filho! Eu tenho pai e mãe! — ele grita, com uma voz que não é de criança assustada, é de criança com ódio. — EU QUERO A MINHA MÃE!
O silêncio que cai na cozinha é mais pesado que chumbo. A Soraia para de chorar no chão e fica me olhando, com os olhos arregalados. O Lobo continua imóvel, mas eu juro que vi um brilho nos olhos dele. De satisfação?
E eu, o Tito, o dono do morro, o cara que todo mundo tem medo, fico parado ali, tomando invertida de um moleque de cinco anos. A raiva é tanta que eu não consigo falar. Só consigo olhar pra ele, pra ela, pra aquele segurança filho da p**a.
A minha máscara caiu?
O menino quebrou nosso acordo?
E agora, a merda tá feita. E eu sei, no fundo, que a culpa é toda minha.