O Retorno à Prática
O sol da tarde já estava alto quando Ramires voltou para a lida, deixando as sacolas de compras e a sensação estranha daquele passageiro engomadinho na sede.
Bonito, mas se acha demais, pensou, enxugando o rosto. Ele parecia ter saído de uma revista, mas aquela atitude de exame silencioso havia irritado o seu orgulho. Ramires não era de medir forças, mas também não baixava a cabeça.
Ela se concentrou no serviço. Um dos bezerros recém-nascidos precisava de cuidados urgentes; era preciso fazer a cura do umbigo com precisão. Em seguida, ajudou o veterinário a fazer a "monta" com uma das vacas premiadas. Era um trabalho que exigia técnica, força e, acima de tudo, respeito pelo animal. Ramires se movia entre o gado com a calma e a autoridade de quem nasceu para aquilo.
À medida que o dia findava, Ramires trocava a lida pela casa. O "Ramires" voltava para a fazenda, e Lúcia assumia.
Ela vestiu a roupa de casa e mergulhou nas tarefas domésticas. Limpeza, organização, e o preparo da janta para os pais. Dona Alice estava na sede da fazenda, supervisionando os últimos detalhes do banquete para o filho pródigo, e Lúcia gostava de saber que a mãe encontraria o lar arrumado e o jantar na mesa. Seu pai estava ali perto, no pequeno escritório improvisado no galpão, onde ambos mantinham as contas do rancho em dia.
A Felicidade de Margarete
Na mansão, Adrian despertou do seu cochilo revigorado e ligeiramente menos m*l-humorado.
Dona Margarete invadiu o quarto com um sorriso que iluminava a sala. A felicidade dela era genuína e contagiante. Ela passou o resto da tarde contando as novidades da fazenda e desdobrando os planos para o filho. Adrian aproveitou para entregar alguns presentes trazidos da capital, o que só aumentou a euforia da mãe.
"Ah, meu filho, agora você vai morar aqui, é o melhor de tudo!" ela dizia, batendo palminhas.
Adrian a deixou celebrar, mas logo trouxe o assunto para o seu foco: trabalho.
"Mãe, eu preciso me organizar. Preciso arrumar um escritório decente na cidade. Não posso largar meu trabalho na capital, e preciso manter as coisas em dia. Quero trabalhar remotamente."
"Claro, meu anjo! Eu vou te ajudar nisso! Já pesquisei alguns lugares ótimos no centro! Você vai ter o melhor escritório de toda a região!" Dona Margarete já estava com a lista de imóveis pronta.
O Olhar do Pai
Enquanto isso, Lúcia colocava a janta na mesa. O Senhor Rodrigues chegou do galpão, cansado, mas tranquilo.
"E aí, Lúcia. O que achou do Adrian?" perguntou o pai, servindo-se.
Lúcia deu de ombros, mantendo o tom neutro. "Ah, pai, ele parece bom, né? É patrão igual ao senhor. Mas veio com pressa. Nem falou direito."
O pai a olhou nos olhos, a voz abaixando um tom de seriedade. "Mas não é para baixar a cabeça para ele, não, filha. Qualquer coisa, mete a boca, fala mesmo. Ele é o patrão da cidade, mas você é o braço direito daqui."
Lúcia sorriu, o olhar acendendo com a confiança de Ramires. "Pode deixar, pai. Ramires não baixa a cabeça para seu ninguém. Você sabe. Lúcia só aqui em casa, mas lá com os outros, é Ramires."
A Nova Ordem
Quase na mesma hora, na sede da fazenda, Adrian conversava com seu pai.
"Pai, eu preciso montar um escritório lá na cidade amanhã. A mãe já tem umas ideias, mas eu queria alguém que conhecesse a região, alguém de confiança. E aquele rapaz que me buscou..." Adrian franziu a testa, tentando lembrar o nome. "Ramires. Ele parece ser bom no que faz. Posso levar ele amanhã para me ajudar a arrumar um lugar, passar uma sala para mim?"
O pai de Adrian, vendo a seriedade do filho e a urgência em resolver a logística, concordou sem hesitar.
"Claro, filho. Como você quiser. Vou falar com Raul para liberar o Ramires para te ajudar."
O Sr. Rodrigues, o pai de Ramires, que estava na mesma sala, apenas olhou para o chão, pensando: Estuda mais em casa, viu, Ramires. Sabia que a filha daria conta do trabalho, mas estava preocupado com o tempo dela.
Momentos depois, Dona Margarete já estava com a lista de Ramires e a agenda na mão, pronta para a excursão do dia seguinte.
A notícia logo chegou ao galpão: Ramires teria folga no campo amanhã. Ela iria para a cidade em missão especial.
Ele vai precisar de mim, Ramires pensou, sentindo um misto de satisfação profissional e uma pontada de ansiedade. Ela teria de passar um dia inteiro com o "patrãozinho" lindo e arrogante, mantendo a postura de peão duro e eficiente, enquanto tentava ignorar o frio na barriga que a presença dele causava. A colisão entre a cidade e o campo estava prestes a se tornar muito mais íntima.