A Missão na Cidade
Adrian acordou pronto para o dia, surpreso com o quanto a mãe já havia progredido. Ele desceu para encontrar Dona Margarete radiante e, ao lado dela, Ramires, o rapaz do boné sujo, com uma expressão inalteravelmente emburrada.
Ramires não queria estar ali. Queria a poeira, o cheiro de gado, e a crina do Trovão sob suas mãos. Mas a ordem do pai era a lei.
A viagem para a cidade foi um estudo de contrastes. Dona Margarete falava pelos cotovelos, feliz por ter o filho de volta e ocupada com os planos de decoração. Adrian ouvia, respondendo com monossílabos, impaciente. Ramires, no banco de trás, estava completamente calado, observando a paisagem com olhos de falcão, como se estivesse inspecionando o território.
Chegando à cidade, eles visitaram alguns imóveis que Dona Margarete havia pesquisado. Adrian, o advogado exigente, descartava um após o outro até que entraram em uma sala que parecia ter sido feita sob medida.
"Mãe, é essa sala que eu quero," Adrian decretou. "Este lugar é perfeito para fazer meu escritório."
A mãe concordou, e Ramires, por sua vez, fez sua própria inspeção. Ele percorreu o local, examinando a fiação, o piso, as janelas. Não era uma olhada de curiosidade, era uma vistoria profissional. Após a inspeção, ele apenas acenou. "Tá tudo certo."
Adrian sentiu uma pontada de satisfação. Era bom ter alguém que sabia das coisas.
O Brilho Inesperado
O resto da manhã foi um frenesi de compras. Dona Margarete voou para a loja de decoração, encomendando cortinas e arranjos florais. Adrian, com Ramires a reboque, selecionou os móveis essenciais e o equipamento de informática: computadores, impressoras e softwares. Ramires ajudava a carregar as caixas, seguindo as instruções com eficiência silenciosa.
Quando voltaram à sala alugada com o material, perceberam o óbvio: o lugar, apesar de perfeito, estava empoeirado e precisava de uma limpeza pesada.
"Acho que precisamos de uma equipe de limpeza antes de montar isso tudo," Adrian comentou, consultando o relógio.
Ramires não disse nada. Simplesmente deu a volta no quarteirão e voltou minutos depois com um balde, vassoura, sabão e panos comprados no mercadinho da esquina. Sem pedir permissão, ele jogou as compras no chão e começou a arregaçar as mangas.
Adrian olhou para ele com uma expressão de espanto. Era como se o rapaz tivesse criado uma segunda cabeça.
"Ramires," Adrian chamou, incrédulo. "Eu podia ter muito bem contratado uma pessoa para fazer essa faxina."
Ramires não parou de esfregar. "Mas o senhor me trouxe para cá para ajudar, Doutor. E a limpeza ficou boa, eu acho."
Ele limpou tudo, o movimento da vassoura firme e ritmado. Em pouco tempo, o chão estava impecável, o pó havia sumido, e o lugar parecia novo.
Adrian teve que admitir, vencido pela praticidade. "Está muito boa. Ficou perfeito. Dá para ver até o reflexo. Está brilhando. Ficou muito bom, Ramires."
O Olhar dos Julgadores
Na hora do almoço, Dona Margarete sugeriu o restaurante favorito dela. Ramires apertou o passo, sentindo o estômago embrulhar, mas não por fome. Aquele era o restaurante mais chique da cidade, e o povo dali não costumava ser gentil com "gente do campo".
Quando Ramires entrou atrás da madrinha e de Adrian, ele sentiu os olhares, mas, para seu alívio, ninguém se atreveu a barrá-lo ou falar algo. A presença de Dona Margarete, uma das frequentadoras mais assíduas, e a presença de Adrian, o "filho pródigo", o blindaram de qualquer ofensa.
O almoço seguiu com Ramires observando, ouvindo a conversa sobre móveis e softwares e respondendo apenas o estritamente necessário.
Eles voltaram para o escritório e continuaram a arrumação, montando as primeiras peças e organizando os computadores. Quando finalmente saíram para voltar ao rancho, o sol estava se pondo. O escritório de Adrian estava organizado, limpo e pronto para ser inaugurado no dia seguinte.
A Metamorfose de Lúcia
De volta ao Rancho Dakota, Ramires deu adeus a Adrian na sede e dirigiu a caminhonete para casa. O sol já havia se posto.
Ao chegar, ele tirou as botas enlameadas na varanda, como de costume. Em seguida, deu a volta e foi direto para o "banheiro do Ramires" — um pequeno cômodo rústico nos fundos da casa, dedicado à limpeza pesada do campo. Ele tirou a roupa suada e a poeira da cidade que grudava no cabelo.
Lá, Ramires se tornou Lúcia. O cabelo, que estava preso o dia inteiro, foi solto e lavado, revelando cachos longos.
Ela subiu pela escadinha que dava acesso ao seu quarto simples, o lugar mais aconchegante da casa. Vestiu uma roupa limpa e desceu para a cozinha, onde encontrou o pai.
"A bênça, meu pai," ela cumprimentou, abraçando-o.
"Como é que foi lá na cidade, Ramires?" perguntou Raul.
"Foi muito bom, pai. No começo foi entediante, mas depois ficou bom. A gente deixou tudo pronto. O escritório está pronto para amanhã."
"Que bom, minha filha, que deu tudo certo lá," disse ele, virando-se do fogão.
O pai já tinha começado a janta: o cheiro de arroz carreteiro perfumava o ar, junto com um feijão no ponto certo. Lúcia ligou o radinho da cozinha e foi lavar as alfaces fresquinhas que o pai havia colhido na horta. Em seguida, preparou um suco natural.
"Aqui, pai, o suco," ela disse, oferecendo a jarra. Seu pai gostava do suco feito com açúcar mascavo que a mãe preparava, menos doce, mais gostoso.
Enquanto conversavam, Lúcia perguntava sobre o dia no campo: os peões, os bezerros, e, mais importante, sobre a c****a Diana e o seu cavalo Trovão.
"Pai, o Trovão está bem? Você escovou ele?"
"Tá tudo certo. Trovão não tem um carrapicho, Ramires. Seu pai aqui cuidou dele como você gosta," Raul garantiu. Trovão, ganho aos dez anos, era o xodó de Lúcia, e ela não permitia que ele ficasse desarrumado.
Dona Alice chegou logo depois, trazendo uma torta da sede para a sobremesa. Lúcia ainda tinha seus deveres de casa para fazer, mas, por agora, a cozinha estava cheia de calor, risadas e a doce tranquilidade da família.
O dia na cidade havia terminado, mas os encontros de Ramires com Adrian Santiago estavam apenas começando.