O Fantasma de Adrian
Aquela noite, o jantar em família foi quente e aconchegante. Depois de se satisfazer com o arroz carreteiro e o carinho dos pais, Lúcia subiu para o aconchego da varanda. Ela deitou na rede, admirando a lua e as estrelas, perdendo-se nos seus pensamentos.
De repente, a imagem do rosto de Adrian Santiago, com sua beleza arrogante e o terno amassado, invadiu sua mente. Lúcia balançou a cabeça com força, como se tentasse espantar um mosquito.
Não era para pensar nele.
Ela saiu da rede, determinada a focar no que importava. Pegou seus cadernos e foi para o quarto. Reviu todas as atividades que precisava entregar no dia seguinte, organizando o material e dando uma última lida nos textos preparatórios para a avaliação. A escola era uma de suas poucas janelas para o mundo, e ela não podia falhar.
O Martelo Incessante
Enquanto isso, na sede, Adrian estava na cama, os lençóis de linho impecavelmente arrumados por Dona Margarete. Ele mexia no celular, revisando as fotos que havia tirado de seu novo escritório na cidade.
Rolando a galeria, ele encontrou, por acaso, uma foto tirada pela mãe: Ramires, o peão, agachado, limpando o chão com um balde e uma vassoura. O contraste da figura rústica com o luxo da sala vazia o fez rir, mas a imagem do "cara marrento" ficou martelando em sua cabeça. Era quase irritante como aquele piãozinho havia se saído bem na faxina, quebrando todas as suas expectativas.
Lúcia na Estrada
Na manhã seguinte, Lúcia se levantou cedo. Fez sua higiene, e veio o ritual de pentear os cabelos. Ela havia deixado a tesoura de lado, e seu cabelo, longo e volumoso, batia na altura do quadril—o orgulho de sua mãe.
Hoje, no entanto, ela não estava em serviço. Ela era Lúcia.
Ela aproveitou a carona do pai, que ia para a cidade resolver pendências do patrão. Lúcia não estava vestida como Ramires. Mantinha o estilo country com suas botas, mas usava uma saia discreta e uma blusa mais feminina. O cabelo comprido estava preso em um coque firme e alto, escondido sob o chapéu que ela não dispensava, mas o visual era suave, não o visual de comando de Ramires.
Ao chegar na escola, o caos colorido de Sandrinha a esperava.
"Prima! Faz dias que não aparece por aqui, hein!" Sandrinha exclamou, fazendo um escândalo que atraiu olhares de todos os alunos. Ela estava deslumbrante, como sempre, e parecia determinada a causar.
"Até parece que a gente não se fala todo dia, Sandrinha," Lúcia retrucou, tentando conter o drama.
Sandrinha riu, piscando. "Ah, Lúcia, todo dia não. Todo dia eu falo com o meu peão gostoso! Você sabe dele, o Ramires. Cadê ele?"
Lúcia suspirou. "Sandrinha, toma jeito. Você sabe das coisas."
"Ah, eu sei das coisas, mas os outros não sabem! Ramires, para todos os efeitos, ele é um homem e todo mundo acha que ele é meu. Então eu tenho que pôr banca que ele é meu, não é mesmo?"
Lúcia percebeu que havia perdido a batalha da discussão e resolveu ir logo à secretaria.
A secretária estava pronta para atendê-la. O padrinho havia deixado ordens expressas para que Lúcia fosse tratada com prioridade máxima. Lúcia entregou as atividades prontas e a secretária lhe deu um envelope com o bloco de provas: Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Física, Química, Biologia, Educação Física e Artes.
Lúcia pegou seu estojo e se sentou em uma mesa isolada.
"Senhorita Lúcia, é proibido usar o celular durante a prova," a secretária advertiu.
Lúcia pegou o aparelho na mochila e o mostrou. "Não se preocupe, eu nem tenho internet. Meu celular nem pega internet."
A secretária a olhou como se Lúcia fosse uma relíquia histórica. "Senhorita Lúcia? Como assim, você não tem um smartphone como todo mundo usa hoje em dia?"
Lúcia sorriu, mostrando o antigo telefone de teclado. "É mais seguro e funciona para o que eu preciso."
A secretária deu de ombros. "Tudo bem. A senhorita tem quatro horas. Estarei aqui sentada se precisar ir ao banheiro."
Lúcia mergulhou nas provas. Ela havia estudado, e as questões não eram um problema. Três horas depois, ela estava de pé, entregando o bloco de respostas.
O Café e a Colisão
Com o envelope de novas atividades nas mãos, Lúcia correu para ver se o pai ainda estava na cidade. Ela pegou seu celular antigo e viu uma mensagem de texto dele: ele já havia ido.
Resignada, Lúcia decidiu tomar um café na padaria mais antiga da cidade enquanto esperava uma carona. Ela estava entrando, concentrada em organizar as folhas no envelope, quando sentiu um impacto forte.
"Ei! Você não olha por onde anda!" ela exclamou, sentindo as folhas escorregarem e o coque se desmanchar levemente.
"Perdão! Eu não vi, desculpe!" A voz era familiar, mas ela não a reconheceu imediatamente.
As folhas espalharam-se pelo chão de ladrilho. Lúcia se abaixou, e o outro se abaixou também.
"Eu estava ocupado respondendo um e-mail aqui no celular," ele se desculpou, apressado, sem tirar os olhos da tela.
Eram as mãos de Adrian Santiago que a ajudavam a recolher os papéis. Ele estava de terno, com a pasta executiva no braço, o rosto ligeiramente estressado e, o mais importante, totalmente alheio. Ele sequer a olhou nos olhos.
"Pronto. Desculpe de novo," Adrian disse, juntando a última folha e a entregando a Lúcia.
Ele se endireitou e se afastou apressadamente, sem reconhecê-la. Para ele, Lúcia era apenas uma garota desconhecida que ele havia esbarrado, muito diferente do Ramires, o peão m*l-humorado, que ele havia levado para o rancho.
Lúcia o observou ir embora, a respiração presa. Ele não a tinha reconhecido. Não havia nada em sua aparência — o cabelo preso, o estilo mais feminino e o rosto sem o boné do peão — que o fizesse associá-la a Ramires.
Ela entrou na padaria, pedindo um café e uma chipa, deliciosa especialidade local. Com calma, Lúcia ajeitou seu coque, pensando na ironia do encontro. Pegou o envelope debaixo do braço e, depois de um café merecido, encontrou uma carona de volta para casa, carregando consigo o segredo intacto e a certeza: Adrian Santiago não estava olhando para lugar nenhum, exceto para si mesmo.