"Minha consciência tem milhares de vozes.
E cada voz me traz milhares de histórias.
E em cada uma delas, sou o vilão condenado."
— *William Shakespeare
Jungkook estava, mais uma vez, obcecado pelo diário do lobo demônio. Sentia-se impelido a entender mais, a descobrir tudo. Mas, ao procurar na gaveta do criado-mudo, o objeto não estava lá.
O medo o invadiu de imediato. Se alguém tivesse pego o diário... se alguém descobrisse a fraqueza de Kim... Jungkook jamais se perdoaria.
Olhou ao redor freneticamente, até encontrar o diário sobre a cômoda.
— O que está fazendo aí? Nunca deixei isso à vista... Merda.
Tudo indicava que alguém o havia manuseado. Tentou farejar algum cheiro estranho, mas tudo o que sentiu foi o aroma de papel envelhecido e tinta seca.
Abriu o diário. Precisava saber mais. A curiosidade era um veneno pulsando em suas veias.
Uma página estava rasgada e suja de sangue. O nome “Kim Yugyeom” era a única coisa legível.
— O que aconteceu com ele?
Era um mistério que corroía a mente de Jeon.
Virou mais uma página. Havia um desenho de uma estrela — semelhante à Estrela de Davi. Abaixo, lia-se:
"Vocês se dizem cristãos, mas quando não seguem o vosso Deus, nos matam e nos chamam de hereges por termos nossas próprias crenças... Os tempos medievais já passaram."
Aquilo não sairia da cabeça de Jungkook tão cedo.
— Hereges? Igreja? O que tudo isso tem a ver com Taehyung? — pensou, confuso.
Deixou o diário de lado. Tinha outro plano agora — finalmente mostraria a música que compôs para seu amado lobo demônio. Havia colocado todo o seu coração nela.
[...]
Ao cantar, Jungkook viu as lágrimas escorrerem pelo rosto de Taehyung. Por um instante, ficou alarmado.
— Tae... eu fiz algo errado? — perguntou preocupado.
Taehyung balançou a cabeça, negando com um sorriso sereno.
— São lágrimas de felicidade. Estou tão feliz por ter você na minha vida.
Naquele momento, Taehyung aceitou — não só que amava alguém, mas que merecia ser amado.
Que ideia tola é essa de que é melhor sentir dor do que não sentir nada. Elevamos o "sentir" a níveis tão extremos... que preferimos nos queimar vivos a encarar o silêncio de nossos próprios vazios.
Mas o destino não é c***l. Nós é que desperdiçamos nossas chances. Nós é que estrangulamos os nossos corações.
Que pena... que grande pena.
Taehyung olhou para o céu e sorriu, vendo os primeiros traços do sol surgindo por entre as árvores. Jungkook achou lindo — na verdade, achava tudo em Taehyung lindo.
— Apolo está acordado — disse o Kim, com a voz suave.
— Apolo?
— Sim, o deus do sol. Filho de Zeus com a titã Leto. Apolo e sua irmã nasceram na ilha de Delos, onde sua mãe se escondeu de Hera, a esposa ciumenta de Zeus.
— Então ele é um deus do bem? — Jungkook perguntou, intrigado. Desde pequeno, adorava histórias da mitologia grega.
— Nem sempre. Ele também tinha um lado sombrio. Era um arqueiro implacável. Com apenas um ano de idade, matou a serpente Píton, inimiga de sua mãe, com flechas certeiras. Seus dardos causavam doenças e mortes súbitas.
— Então... ele é do m*l?
Taehyung sorriu diante da confusão adorável de Jungkook.
— Uma das histórias mais marcantes dele é sobre Jacinto. Apolo o amava. Certo dia, foram brincar de lançar discos. Apolo jogou o disco com força e precisão. Jacinto correu para pegá-lo, mas Zéfiro, deus dos ventos, com ciúmes do amor entre os dois, soprou o disco contra Jacinto. O impacto o matou. Apolo, devastado, fez com que uma flor brotasse do sangue do amado — e a chamou de Jacinto.
— Então ele é do bem — concluiu Jungkook, mais para si mesmo.
— Sim, Apolo é um dos deuses mais queridos do Olimpo. Justo, defensor da tolerância.
— Que história incrível... Como você sabe tudo isso?
— É a minha religião. Os deuses gregos. Por isso falo latim — é o dom que me foi dado para me comunicar com eles.
— Eu... sigo Jesus — respondeu Jungkook, um pouco sem jeito.
— Ah, o Deus da Igreja Católica, entre outras.
Nesse momento, as palavras do diário voltaram à mente de Jungkook: "Vocês se dizem cristãos..."
Depois de um breve silêncio, Taehyung suspirou.
— Às vezes, acho que Selene me odeia.
— A deusa da lua?
— Sim. Ela me transforma em um monstro nas noites de lua cheia.
Jungkook ficou sem palavras. Mas algo nele se acendeu — queria entender mais sobre essa deusa que moldava o destino de Taehyung.
— Selene se apaixonou por um mortal: Endymion. Sabendo que ele envelheceria e morreria, pediu a Zeus que o tornasse imortal. Ele aceitou... mas sob a condição de que Endymion dormisse para sempre.
— Mas isso é quase o mesmo que morrer — disse Jungkook, com a testa franzida.
Taehyung apenas deu de ombros.
— Selene também é a deusa dos lunáticos... dos que trabalham à noite. Como as bruxas. Como eu. Ela teve quatro filhas com seu irmão, Hélios.
— Ela cometeu incesto?
— É comum entre os deuses gregos. Mas pessoalmente, acho abominável. As filhas dela representam as quatro estações do ano.
— Uau... os deuses são incríveis. Então você tem vários deuses?
Taehyung assentiu, encantado com o interesse genuíno de Jungkook. Eles ficaram conversando por horas.
Enquanto caminhavam de volta à mansão — finalmente convencido por Jungkook a ir — Taehyung ainda sentia um incômodo persistente. Aquela sensação de estar sendo seguido não o deixava em paz.
Já quase na saída da floresta, ele falava animadamente sobre seus lobos, quando parou subitamente. Seu corpo enrijeceu ao sentir uma dor aguda no ombro.
— Tae?!— Jungkook gritou, correndo até ele.
Uma flecha havia perfurado o ombro de Taehyung, e o sangue tingia a neve de vermelho.
Antes que Jungkook pudesse reagir, uma segunda flecha foi disparada — desta vez em sua direção. Mas Taehyung a interceptou no ar... protegendo-o.
Ele a segurou com a mão, mas logo gritou de dor.
— Acônito — sussurrou com dificuldade. A flecha estava banhada na erva venenosa, a mesma que agora se espalhava por sua corrente sanguínea.
Caiu de joelhos, respirando com dificuldade.
Jungkook queria correr atrás do agressor, mas não podia. Taehyung agonizava. E o pior era: ele não estava se regenerando.
Isso não era normal.
E, no fundo, ambos sabiam:
Aquilo era apenas o começo.
Dias sombrios viriam.
E eles precisariam um do outro como nunca antes.