As vozes da consciência

1088 Words
"Minha consciência tem milhares de vozes. E cada voz me traz milhares de histórias. E em cada uma delas, sou o vilão condenado." — *William Shakespeare Jungkook estava, mais uma vez, obcecado pelo diário do lobo demônio. Sentia-se impelido a entender mais, a descobrir tudo. Mas, ao procurar na gaveta do criado-mudo, o objeto não estava lá. O medo o invadiu de imediato. Se alguém tivesse pego o diário... se alguém descobrisse a fraqueza de Kim... Jungkook jamais se perdoaria. Olhou ao redor freneticamente, até encontrar o diário sobre a cômoda. — O que está fazendo aí? Nunca deixei isso à vista... Merda. Tudo indicava que alguém o havia manuseado. Tentou farejar algum cheiro estranho, mas tudo o que sentiu foi o aroma de papel envelhecido e tinta seca. Abriu o diário. Precisava saber mais. A curiosidade era um veneno pulsando em suas veias. Uma página estava rasgada e suja de sangue. O nome “Kim Yugyeom” era a única coisa legível. — O que aconteceu com ele? Era um mistério que corroía a mente de Jeon. Virou mais uma página. Havia um desenho de uma estrela — semelhante à Estrela de Davi. Abaixo, lia-se: "Vocês se dizem cristãos, mas quando não seguem o vosso Deus, nos matam e nos chamam de hereges por termos nossas próprias crenças... Os tempos medievais já passaram." Aquilo não sairia da cabeça de Jungkook tão cedo. — Hereges? Igreja? O que tudo isso tem a ver com Taehyung? — pensou, confuso. Deixou o diário de lado. Tinha outro plano agora — finalmente mostraria a música que compôs para seu amado lobo demônio. Havia colocado todo o seu coração nela. [...] Ao cantar, Jungkook viu as lágrimas escorrerem pelo rosto de Taehyung. Por um instante, ficou alarmado. — Tae... eu fiz algo errado? — perguntou preocupado. Taehyung balançou a cabeça, negando com um sorriso sereno. — São lágrimas de felicidade. Estou tão feliz por ter você na minha vida. Naquele momento, Taehyung aceitou — não só que amava alguém, mas que merecia ser amado. Que ideia tola é essa de que é melhor sentir dor do que não sentir nada. Elevamos o "sentir" a níveis tão extremos... que preferimos nos queimar vivos a encarar o silêncio de nossos próprios vazios. Mas o destino não é c***l. Nós é que desperdiçamos nossas chances. Nós é que estrangulamos os nossos corações. Que pena... que grande pena. Taehyung olhou para o céu e sorriu, vendo os primeiros traços do sol surgindo por entre as árvores. Jungkook achou lindo — na verdade, achava tudo em Taehyung lindo. — Apolo está acordado — disse o Kim, com a voz suave. — Apolo? — Sim, o deus do sol. Filho de Zeus com a titã Leto. Apolo e sua irmã nasceram na ilha de Delos, onde sua mãe se escondeu de Hera, a esposa ciumenta de Zeus. — Então ele é um deus do bem? — Jungkook perguntou, intrigado. Desde pequeno, adorava histórias da mitologia grega. — Nem sempre. Ele também tinha um lado sombrio. Era um arqueiro implacável. Com apenas um ano de idade, matou a serpente Píton, inimiga de sua mãe, com flechas certeiras. Seus dardos causavam doenças e mortes súbitas. — Então... ele é do m*l? Taehyung sorriu diante da confusão adorável de Jungkook. — Uma das histórias mais marcantes dele é sobre Jacinto. Apolo o amava. Certo dia, foram brincar de lançar discos. Apolo jogou o disco com força e precisão. Jacinto correu para pegá-lo, mas Zéfiro, deus dos ventos, com ciúmes do amor entre os dois, soprou o disco contra Jacinto. O impacto o matou. Apolo, devastado, fez com que uma flor brotasse do sangue do amado — e a chamou de Jacinto. — Então ele é do bem — concluiu Jungkook, mais para si mesmo. — Sim, Apolo é um dos deuses mais queridos do Olimpo. Justo, defensor da tolerância. — Que história incrível... Como você sabe tudo isso? — É a minha religião. Os deuses gregos. Por isso falo latim — é o dom que me foi dado para me comunicar com eles. — Eu... sigo Jesus — respondeu Jungkook, um pouco sem jeito. — Ah, o Deus da Igreja Católica, entre outras. Nesse momento, as palavras do diário voltaram à mente de Jungkook: "Vocês se dizem cristãos..." Depois de um breve silêncio, Taehyung suspirou. — Às vezes, acho que Selene me odeia. — A deusa da lua? — Sim. Ela me transforma em um monstro nas noites de lua cheia. Jungkook ficou sem palavras. Mas algo nele se acendeu — queria entender mais sobre essa deusa que moldava o destino de Taehyung. — Selene se apaixonou por um mortal: Endymion. Sabendo que ele envelheceria e morreria, pediu a Zeus que o tornasse imortal. Ele aceitou... mas sob a condição de que Endymion dormisse para sempre. — Mas isso é quase o mesmo que morrer — disse Jungkook, com a testa franzida. Taehyung apenas deu de ombros. — Selene também é a deusa dos lunáticos... dos que trabalham à noite. Como as bruxas. Como eu. Ela teve quatro filhas com seu irmão, Hélios. — Ela cometeu incesto? — É comum entre os deuses gregos. Mas pessoalmente, acho abominável. As filhas dela representam as quatro estações do ano. — Uau... os deuses são incríveis. Então você tem vários deuses? Taehyung assentiu, encantado com o interesse genuíno de Jungkook. Eles ficaram conversando por horas. Enquanto caminhavam de volta à mansão — finalmente convencido por Jungkook a ir — Taehyung ainda sentia um incômodo persistente. Aquela sensação de estar sendo seguido não o deixava em paz. Já quase na saída da floresta, ele falava animadamente sobre seus lobos, quando parou subitamente. Seu corpo enrijeceu ao sentir uma dor aguda no ombro. — Tae?!— Jungkook gritou, correndo até ele. Uma flecha havia perfurado o ombro de Taehyung, e o sangue tingia a neve de vermelho. Antes que Jungkook pudesse reagir, uma segunda flecha foi disparada — desta vez em sua direção. Mas Taehyung a interceptou no ar... protegendo-o. Ele a segurou com a mão, mas logo gritou de dor. — Acônito — sussurrou com dificuldade. A flecha estava banhada na erva venenosa, a mesma que agora se espalhava por sua corrente sanguínea. Caiu de joelhos, respirando com dificuldade. Jungkook queria correr atrás do agressor, mas não podia. Taehyung agonizava. E o pior era: ele não estava se regenerando. Isso não era normal. E, no fundo, ambos sabiam: Aquilo era apenas o começo. Dias sombrios viriam. E eles precisariam um do outro como nunca antes.
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