“A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inefável é não se poder estar sozinho.” — Dostoiévski
Dói ouvir os gritos de Taehyung. Dói mais ainda não poder fazer nada. Dói saber que ele viveu assim a vida inteira. Dói… como dói.
Meus olhos se voltam para o diário marrom em minhas mãos. A capa, semelhante a couro envelhecido, lembra um grimório antigo. Abro na primeira página. Uma caligrafia linda. Tudo no Taehyung é lindo. Como ele não consegue enxergar isso?
30 de dezembro de 1999.
Tenho quatro anos. Mudamos para uma casa no campo. Mamãe faz de tudo para que ninguém nos descubra.
Meu irmão, Kim Yugyeom, disse que apesar de todas as complicações, sempre estaremos juntos.
Sou muito desenvolvido para uma criança da minha idade. Talvez porque eu seja um monstro.
Sempre peço para o Papai olhar debaixo da cama antes de dormir. Tenho medo do escuro (isso é um segredo), mas o verdadeiro monstro vive dentro de mim. Tenho medo de machucar minha família.
Yugyeom se fantasiou de Batman. Foi engraçado. Tentou voar… e quebrou o braço. Eu ri tanto. Como ele achou que o Batman voa? Amo meu maninho. Ele é meu herói. Meu tudo.
Fizemos até um juramento de sangue. Meu amado irmão está me ensinando a escrever, a amar as coisas mais simples. Tento ver tudo por um ângulo diferente.
Sou muito desenvolvido para uma criança da minha idade. Talvez porque eu seja um monstro.
Sempre peço para o Papai olhar debaixo da cama antes de dormir. Tenho medo do escuro (isso é um segredo), mas o verdadeiro monstro vive dentro de mim. Tenho medo de machucar minha família.
Yugyeom se fantasiou de Batman. Foi engraçado. Tentou voar… e quebrou o braço. Eu ri tanto. Como ele achou que o Batman voa? Amo meu maninho. Ele é meu herói. Meu tudo.
Ass: Lupus Demone.
Sorrio. Taehyung realmente foi uma criança esperta. E claramente ama muito o irmão. O que será que aconteceu com ele?
Sei que é errado invadir a i********e de alguém assim. Mas é a única forma de conhecê-lo. Taehyung nunca vai me contar por vontade própria.
Os gritos cessaram. Preciso ver como ele está. Me levanto, mas paro ao ouvir uma voz feminina.
— Não é uma boa ideia ir agora. É melhor esperar a lua passar.
Olho por cima do ombro. Jennie — a ômega amiga de Taehyung. O que ela está fazendo aqui?
Volto a me sentar, guardando o diário sob o casaco. Meus olhos se perdem no céu, coberto de estrelas.
— O que está fazendo aqui? — pergunto.
— Sempre venho nas noites de lua cheia. Mesmo que Taehyung odeie. Mas é quando ele está mais frágil... tenta resistir à transformação, mesmo sendo obrigado. E você?
— Eu queria ver ele. Tentei entrar, tentei ajudar… mas ele me impediu.
Ela se senta ao meu lado, e sorri com carinho.
— Esse é o nosso Taehyung. Prefere sofrer sozinho. Mas você gosta dele. Sabe disso. Mesmo sabendo o que ele é… você ficou. Ele pode não demonstrar, mas você se tornou importante pra ele.
Procuro qualquer traço de mentira em seus olhos. Mas ela está séria. Verdadeira. Meu coração dispara. Ia dizer algo, mas então ouvimos o uivo — alto, poderoso, arrebatador. Meu corpo inteiro quer correr até ele.
— Você sente vontade de ir até ele? — pergunta Jennie.
— Como você sabe?
— Porque eu também sinto.
— O que isso significa?
— Significa que somos importantes para ele. Fazemos parte da alcatéia dele. E isso… isso é algo bom.
— Isso é possível?
— Claro. Fomos separados por cientistas, por genes, por rótulos. Mas, no fim, somos todos lobos. Taehyung, por outro lado… é um lobo de verdade. Quando ele uiva, os outros sentem medo. Sabem que é território dele. Mas nós não. Eu, pelo menos, sinto que estou em casa.
Fico em silêncio. Fascinado.
Outro uivo. Logo depois, todos os lobos respondem. Jennie me olha e, para minha surpresa, começa a uivar também.
— Tenta. — diz ela.
— Isso é ridículo. — cruzo os braços.
— Taehyung vai saber que você ainda está aqui.
Droga. Acertou meu ponto fraco.
Respiro fundo... e uivo. Ridículo. Estou mesmo fazendo isso. Mas o pensamento desaparece quando ouço o uivo de resposta de Taehyung.
— Viu? Ele respondeu. — diz Jennie, sorrindo.
Por anos, ouvi esses uivos. Sempre achei incrível. Os lobos fascinam — e assustam — toda a cidade. Eu posso ser o alfa lúpus mais temido de Seul... mas também tenho meus medos. Só escondo bem. E tudo mudou quando conheci ele.
O sol começa a surgir no horizonte. Jennie se levanta, me entrega uma sacola.
— Agora é a sua vez de cuidar do que é importante pra você. Eu vou embora. Sei que meu irmãozinho não está mais sozinho.
Ela se despede e parte. Respiro fundo. Caminho até a cabana.
Os lobos já se dispersaram.
Abro a porta… e me deparo com uma cena devastadora.
Taehyung está acorrentado. Os pulsos sangram. Seu corpo está suado, os músculos tensos, o rosto pálido.
— Jungoo… — sua voz é um fio rouco, provavelmente de tanto gritar. E mesmo assim… é maravilhosa.
Sorrio com o apelido.
— Estou aqui, meu rei. — me aproximo. — Como não conseguiu tirar as correntes?
— Têm acônito… também conhecido como mata-lobo.
Acônito? Isso existe mesmo?
— Eu também tenho fraquezas, Jeon. Não me mata… mas me enfraquece. Ninguém sabe disso. Só você. Não me decepcione.
Uau. Então ele não é invencível. Taehyung ri.
— Achou que eu era imortal?
Droga. Ele lê mentes?
— Claro que não. — sorrio.
Achei sim.
Me ajoelho diante dele, abro a sacola. Algodão, antisséptico… começo a limpar seus machucados.
— Um dia vou ser descoberto. — diz ele, rompendo o silêncio. Sua marca n***a sangra. — Ela sangra em noite de lua cheia. É como se avisasse: o monstro está vindo. O comedor de corações.
Ele sorri. Eu não.
— Por que acha que vai ser descoberto?
— Vivo fugindo do meu destino. Mas um dia… tudo vem à tona. Só estou adiando o inevitável.
— Para. Você precisa parar de achar que vai morrer, ou que o destino já está escrito.
Porra, Taehyung. Você é muito mais do que isso. Você tem que continuar.
— Somos nós que escolhemos nosso caminho. Criamos nosso próprio destino. E eu estarei aqui pra te proteger. — digo por fim.
Ele me encara com aqueles olhos azuis cintilantes. Tão lindos. Ficamos assim, em silêncio. Beijo sua testa.
— O sol, a lua e a verdade. — diz ele, se levantando e vestindo uma calça que Jennie deixou.
— Não entendi.
— Três coisas que não podem ser escondidas. O sol, a lua e a verdade. — responde, sorrindo.
Já disse, Kim Taehyung… eu vou te mostrar o lado doce da vida.