"Sou uma parte daquela força que, embora deseje o m*l, ainda assim origina o bem." – Johann Goethe.
Taehyung odiou ter sido visto daquela forma. Sentiu-se exposto, frágil, um verdadeiro monstro. Não que isso mudasse o que pensava de si mesmo — ele sempre se viu como uma aberração —, mas Jeon havia testemunhado algo que ele lutava para esconder: o instinto repulsivo e selvagem que carregava dentro de si.
Às vezes, parecia que sua humanidade se dissipava, como se seu lado predador devorasse o que restava de seu eu. Torcia para que fosse apenas coisa da sua cabeça.
Ao sair da casa abandonada, o lobo farejou o ar. E lá estava ele. O cheiro que o fazia se sentir... vivo. Um aroma que acalmava suas feras e fazia seu coração bater como se ainda fosse humano. Sorriu de leve. Ele o esperou. Jeon o esperou.
Mas seu sorriso se desfez ao notar algo no chão, à sua direita. Seu amuleto.
— Achei que tivesse perdido... — murmurou, ajoelhando-se para pegá-lo. Limpou a poeira da peça, revelando sua superfície envelhecida.
As palavras vieram à memória como um sussurro antigo:
"Enquanto estiver com isso, sempre estarei com você. Te protegerei mesmo de longe. Se um dia eu tiver que partir, lembre-se: estarei no seu coração. Esse amuleto é uma parte de mim."
— É importante para você? — perguntou Jeon, com a voz suave. Taehyung levantou o olhar e os olhos lhe traíram, brilhando entre tristeza e saudade.
— Você não tem ideia. — disse, colocando o colar no pescoço. Mas junto com ele vieram as lembranças — e o medo. Precisava se proteger. Precisava protegê-lo. Revestiu-se de frieza, mesmo odiando cada palavra que dizia.
— Você devia ter ido embora quando eu mandei.
— Por quê? É tão r**m assim me ter por perto? — a voz de Jeon carregava uma dor palpável.
Taehyung sentiu algo dentro de si se partir. Era raiva? Pânico? Desespero?
— Eu não te entendo. — disse, virando-se, mas sem encarar Jeon. — Você devia ter medo de mim. Querer me caçar. Me matar. Não...
— Te amar. — interrompeu Jeon, com firmeza. Taehyung congelou. Seus olhos se ergueram, surpresos.
— O quê?
— Eu não sei ao certo o que sinto... só sei que é mais forte do que eu. Não consigo parar de pensar em você.
Taehyung não conseguia entender como alguém podia amá-lo. Um demônio. Uma aberração. Seu coração disparou, mas ele sabia: amor não era algo que poderia ter. Era perigoso. Letal.
— Entenda, Jeon. Demônios não amam. Demônios matam. Vai ser assim com você... como foi com ele.
Aquelas palavras atingiram Jungkook como uma lâmina. "Ele"? Quem era ele?
— Você tá fugindo de novo. — disse, se aproximando. — Você sempre foge.
— Faço isso todos os dias... — a voz de Taehyung vacilou. — Mas tudo bem. Eu estou bem.
— Não, você não está. Para de fingir.
— Mesmo que a tristeza me apague. Mesmo que eu viva num sonho sem fim. Mesmo que um dia eu não seja mais eu. Mesmo se eu cair de novo... ainda assim, direi a mim mesmo: está tudo bem.
— Você é forte. Tenho orgulho disso. Mas está quebrado por dentro. Me deixa te salvar.
— Esperei por tanto tempo que alguém me tirasse dessa escuridão... até perceber que eu sou minha própria salvação.
Aquela frase cortou Jungkook por dentro.
— Para, por favor... — sua voz falhou. — Me deixa compartilhar essa dor com você.
E então o abraçou. Taehyung resistiu... mas cedeu. O calor daquele toque, o coração pulsando junto ao seu, era quase demais para suportar.
— Só direi adeus à minha dor... quando minha morte chegar.
Uma lágrima escorreu pelo rosto de Jungkook. Doeu ouvir aquilo. Doeu como nada antes.
— Vai embora. Preciso ficar sozinho.
E Jeon se foi. Mas não desistiria. Ele não diria adeus. Ainda não.
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De volta à mansão, Jungkook entrou em seu quarto. Sua família deviam estar espalhados, fazendo sabe-se lá o quê. Sentou-se, pegou o diário marrom de Taehyung — aquele que parecia mais um grimório — e folheou até uma nova página. A caligrafia impecável sobre o papel envelhecido ainda o fascinava.
18 de janeiro de 2000
"Estou gostando muito de viver no campo. Há tantos lugares para brincar. Mamãe e papai estão trabalhando, então Yugyeom cuida de mim.
Não consigo descrever o amor que sinto pelo meu irmão. Ele é tudo pra mim.
Minha vida seria tão sem cor sem ele.
Sou como o oceano: mesmo devastado, prossigo. Mesmo sem saber onde termino.
Yugyeom me disse que o amor pode salvar... ou destruir. Mas que sempre ensina.
Será que vou ser salvo?
Será que serei amado?"
— Lupus Demone
Jeon sorriu. Como sempre acontecia ao ler. Yugyeom era precioso demais para Taehyung.
— Sim, você vai ser amado. Só precisa me deixar entrar. — sussurrou, como se fizesse uma promessa.
Desistir não estava no vocabulário de Jeon Jungkook.
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No dia seguinte, voltou à floresta. Mas foi impedido de entrar. Os lobos o cercaram, rosnando em alerta. Taehyung o havia proibido de se aproximar.
Hipócrita.
Porque, mesmo ordenando sua distância, ele queria Jungkook. Queria vê-lo, sentir seu cheiro, ouvir sua voz. Queria admirar aquele sorriso largo e as rugas adoráveis em volta de seus olhos escuros. Mas decidiu afastá-lo. Achava que era melhor assim. Que talvez, com o tempo, Jeon percebesse que isso não era amor. Só admiração.
— Me deixa passar! — gritou, a voz embargada. — Taehyung! — chamou, em desespero.
Nada.
Maldição. Mil vezes maldição.
Ficar longe dele era uma tortura. Mas Jeon voltou. Dia após dia, tentando... esperando.
Um mês se passou.
Nada.
Três meses.
Silêncio.
A saudade o devorava — e a Taehyung também.
O lobo voltava à sua rotina selvagem.
Jungkook descobriu quem estava ao lado de Kai: seu próprio pai. Seu primo Youngjae o visitava com frequência, agora parte do bando. Jungkook se tornava mais frio, mais distante.
Taehyung era sua chama.
E Taehyung... sentia-se menos humano.
Jeon era sua âncora. O equilíbrio tênue entre luz e sombra. O yin para seu yang. A única coisa que o impedia de afundar de vez.
Na última tentativa, Jungkook foi até a floresta. Mais uma vez, os lobos o barraram. Mais uma vez, Taehyung o observava de longe.
Jeon sabia.
— Eu sei que você está me ouvindo. — disse, voz firme e dolorida. — Já faz tempo.
Só queria te dizer...Eu vou te deixar em paz, mesmo odiando isso. Adeus.