Capítulo Um
Dante
O dia em que meu pai morreu não foi só o fim de uma era. Foi o começo do caos.
Eu estava sentado no escritório da nossa villa em Palermo, aquele espaço que parecia mais uma fortaleza do que um lar. As paredes eram forradas com madeira escura, prateleiras cheias de livros que eu duvidava que Don Dario Rossi tivesse lido. Meu pai não era um homem de palavras escritas; ele era de ações e comandos. A mesa maciça no centro do cômodo ainda tinha a marca de seu punho — um sinal de raiva durante uma negociação particularmente tensa.
Eu sempre soube que aquele lugar seria meu. Só não esperava que fosse tão cedo.
Um telefone tocou ao meu lado, interrompendo o silêncio pesado. A ligação que mudou minha vida.
— Senhor Dante, temos um problema.
Era Luca, nosso capo di fiducia. A voz dele tremia, e Luca nunca tremia.
— Que problema? — perguntei, minha voz fria, como meu pai havia me ensinado. "Nunca demonstre fraqueza, Dante", ele dizia.
— Seu pai... Don Dario... Ele está morto.
Por um momento, tudo ao meu redor parou. O eco das palavras parecia vibrar dentro da minha cabeça. Meu pai? Morto?
Levantei-me abruptamente, derrubando a cadeira.
— Como isso aconteceu, Luca? Fale!
Houve um momento de hesitação antes que ele respondesse.
— Foi um ataque. Uma emboscada. Ele estava indo para um encontro em Monreale. Não sabemos quem foi, mas... encontraram o carro dele em chamas.
Meus punhos cerraram-se com tanta força que meus dedos começaram a doer. Monreale. Meu pai era meticuloso; ele jamais teria ido sozinho para um encontro assim.
— Quero todos na sala de reuniões em uma hora. E, Luca, encontre pistas. Qualquer coisa. Quem sabia que ele estaria lá?
— Sim, Don Dante.
Aquela última palavra me atingiu como um soco. Don Dante. Eu sabia que esse momento chegaria, mas não estava preparado.
Na sala de reuniões, todos estavam em seus lugares habituais, mas o clima era diferente. Havia um silêncio pesado, quebrado apenas pelo som dos cigarros sendo acesos e das taças de vinho colocadas sobre a mesa.
Luca estava ao meu lado, e ao fundo, Giuseppe, nosso consigliere, observava como uma sombra.
— Quem sabia dos movimentos do meu pai? — perguntei, minha voz ecoando na sala.
Ninguém respondeu. Olhares nervosos se cruzaram.
— Se foi um de vocês, eu juro pelo sangue dos Rossi que não haverá um segundo julgamento.
Foi então que Marco, um dos caporegimes, pigarreou.
— Don Dante, com todo respeito, Don Dario não confiava seus encontros a todos. Apenas ele e Vittorio sabiam sobre Monreale.
Vittorio. O braço direito do meu pai por décadas. Se havia alguém em quem ele confiava mais do que em mim, era Vittorio.
— Onde está Vittorio agora? — perguntei, olhando diretamente para Giuseppe.
Ele hesitou antes de responder.
— Ele desapareceu, Dante. Desde o ataque.
A traição era como veneno na boca. Vittorio, aquele que meu pai considerava como um irmão, agora era o principal suspeito.
— Luca, reúna os homens. Quero cada canto desta cidade revirado. Encontrem Vittorio. Vivo.
— E se ele resistir? — Luca perguntou.
— Ele não vai resistir. Porque sabe que o inferno é pequeno comparado ao que eu farei com ele.
***
A busca por Vittorio começou imediatamente. Enquanto isso, fiquei na villa, reorganizando o que restava da estrutura de poder. Giuseppe me ajudava a reforçar as alianças e a rastrear quem poderia estar por trás do ataque.
Mas a verdade é que a sombra do meu pai era longa, e cada canto daquela casa me lembrava dele. Caminhando pelo jardim, onde ele costumava fumar seus charutos, me lembrei da última conversa que tivemos.
— Dante, o poder é uma maldição tanto quanto é um presente.
Eu ri na época, achando que ele estava apenas sendo dramático.
— Não seja ingênuo, filho. O poder faz inimigos, mesmo entre aqueles que você considera amigos. Confie, mas verifique. Sempre.
Agora, aquelas palavras pareciam uma profecia.
***
Três dias depois, Luca voltou com notícias.
— Encontramos Vittorio. Ele estava se escondendo em um galpão no porto. Está sob custódia.
Fui até o local imediatamente. O galpão era escuro, cheirava a óleo e peixe. Vittorio estava amarrado a uma cadeira, seu rosto ensanguentado, mas ainda desafiador.
— Dante, você acha que eu faria isso? — ele cuspiu, olhando para mim com olhos que pareciam sinceros demais.
— Eu não acho. Eu sei.
Me aproximei, minhas botas ecoando no concreto.
— Meu pai confiava em você. Eu confiei em você. E agora você está aqui, no centro disso tudo.
— Você está errado! Não fui eu! Eles me usaram como isca!
— Quem, Vittorio? Diga um nome, e talvez eu acredite em você.
Ele hesitou por um momento, e então sussurrou:
— Os Caruso. Eles querem o controle do porto. Mataram Don Dario para enfraquecer os Rossi. E agora... agora eles querem você morto também.
Os Caruso. Rivais históricos da nossa família.
— Por que não me contou antes? Por que fugiu?
— Porque eu sabia que você não acreditaria em mim! Você é como seu pai, Dante. Confia demais no que vê e pouco no que sente.
Aquilo me irritou mais do que deveria. Vittorio não estava completamente errado.
— Luca, mantenha-o aqui. Se ele estiver mentindo, você sabe o que fazer.
Vittorio abriu a boca para protestar, mas eu já estava saindo.
***
Voltando à villa, comecei a planejar meu próximo movimento. Se os Caruso queriam guerra, eles teriam. Mas primeiro, precisava confirmar se Vittorio estava falando a verdade.
— Giuseppe, convoque nossos aliados. Quero saber tudo sobre os Caruso. Quem está no comando, onde estão, e quais são seus próximos passos.
Giuseppe assentiu.
— E, Dante, cuidado. Esse tipo de guerra pode deixar cicatrizes que nem o tempo cura.
— Cicatrizes não me assustam, Giuseppe. Perder o legado da minha família, sim.
Nas semanas seguintes, comecei a sentir o peso de ser o Don. Cada decisão parecia um jogo de xadrez, onde um movimento errado poderia significar a morte de dezenas. Mas eu não podia mostrar fraqueza.
Uma noite, enquanto revisava os registros no escritório, Luca entrou apressado.
— Dante, temos um problema.
— Outro? — perguntei, sem tirar os olhos dos documentos.
— Os Caruso atacaram um dos nossos armazéns. Três homens mortos. Um deles deixou uma mensagem.
Levantei a cabeça.
— E qual foi a mensagem?
Luca hesitou antes de responder.
— Eles disseram que isso é só o começo.
Soltei um suspiro pesado e me levantei.
— Então, Luca, é hora de mostrar a eles como os Rossi terminam as coisas. Prepare os homens. Esta guerra acabou de começar.