Capítulo Dois

1185 Words
Dante A noite em que assumi o posto de Don foi como entrar em um campo de batalha sem armadura. Não havia cerimônia, não havia aplausos. Apenas o silêncio ensurdecedor de olhares desconfiados e murmúrios velados. A villa estava cheia. Capos, soldados, aliados distantes — todos amontoados na grande sala de reuniões, onde o retrato de Don Dario Rossi, meu pai, parecia observar cada um de nós com aquele olhar severo e inabalável. Ele ainda estava ali, de certa forma. Um lembrete do que se esperava de mim. Luca se aproximou, discreto, como sempre. — Dante, eles querem ouvir de você. Precisam de um sinal de força. — Eles terão. Meus passos ecoaram enquanto atravessava a sala. Cada movimento meu era observado como se eu carregasse a sombra de Don Dario. E talvez eu carregasse. — Senhores, esta família sofreu uma perda irreparável, mas não estamos mortos. O sangue dos Rossi ainda corre em minhas veias, e enquanto eu respirar, ninguém tocará no nosso legado. Uma tensão se espalhou. Alguns assentiram. Outros trocaram olhares cautelosos. Sabia que nem todos estavam ao meu lado. Foi quando Enrico, um dos caporegimes mais antigos, se levantou. — Com todo respeito, Don Dante... você não acha que está assumindo rápido demais? O que sabe sobre comandar? Seu pai tinha anos de experiência, alianças construídas com sangue e suor. Você tem o nome, mas e o resto? O silêncio que seguiu foi pesado. Enrico tinha peso na família, e suas palavras carregavam veneno. — Enrico, — comecei, minha voz baixa, controlada. — Meu pai sempre disse que o respeito se conquista. Mas a lealdade... essa é inegociável. Está questionando minha capacidade ou está insinuando algo mais? Ele vacilou, mas se manteve firme. — Só estou dizendo que este é um momento delicado. Precisamos de liderança forte. Experiente. Me aproximei dele lentamente, o olhar fixo. — E me diga, Enrico, quem seria essa liderança, se não eu? Você? A sala parecia prender a respiração. — Não, Don Dante, claro que não. Só estou preocupado com o futuro da família. — Então mostre sua preocupação trabalhando para mim, não contra mim. A menos que prefira que resolvamos isso de outra forma. Minha mão pairava no coldre do meu revólver. Um gesto sutil, mas claro. Ele entendeu o recado. — Claro, Don Dante. Estou ao seu serviço. Ele se sentou, e eu voltei ao centro da sala. — O futuro da família está nas mãos de todos nós. Mas nunca se esqueçam: a última palavra é minha. E eu não perdoo traição. *** Mais tarde naquela noite, sentei-me no escritório que agora era meu. As sombras dançavam nas paredes, e o silêncio era quase tão pesado quanto a responsabilidade que eu carregava. Giuseppe entrou, trazendo um copo de uísque e um olhar que conhecia bem. — Você foi duro com Enrico, mas necessário. Ele estava testando você, como todos eles farão. — Eu sei, Giuseppe. Mas quanto mais tempo perco lidando com disputas internas, mais os Caruso avançam. Preciso de aliados, não de inimigos em casa. Ele assentiu, colocando o copo na mesa. — Lembre-se de que nem todos querem o poder, Dante. Alguns só querem sobrevivência. Use isso a seu favor. Olhei para ele, meu consigliere e um dos poucos homens em quem confiava plenamente. — Você acha que Enrico vai tentar algo? Giuseppe deu de ombros. — Talvez. Mas homens como ele não se movem sozinhos. Se ele decidir trair, precisará de apoio. Cabe a você mostrar que essa ideia seria um erro fatal. No dia seguinte, o aviso chegou cedo. Uma das nossas rotas no porto foi atacada. Dois homens mortos, uma carga de armas roubada. Era um golpe direto, e eu sabia de quem vinha. — Os Caruso estão testando você. — disse Luca enquanto caminhamos até o armazém destruído. O cheiro de pólvora ainda estava no ar. Os corpos já haviam sido retirados, mas o sangue fresco no chão contava a história. — Isso não é só um ataque, Luca. É um recado. Querem que eu reaja no calor do momento. Que cometa um erro. — E o que faremos? Parei por um momento, olhando para o porto que meu pai tanto lutou para conquistar. — Vamos revidar, mas não do jeito que eles esperam. Primeiro, quero informações. Quem exatamente fez isso? Nomes. Rostos. Depois, vamos mostrar a eles que os Rossi não recuam. Naquela noite, enquanto planejava o contra-ataque, fui interrompido por uma visita inesperada. Era Sofia, minha irmã mais nova. Ela raramente se envolvia nos assuntos da família, preferindo o papel de diplomata em eventos sociais. — Dante, podemos conversar? — ela perguntou, entrando no escritório sem esperar convite. — Sofia, estou ocupado. O que foi? Ela se sentou na cadeira à minha frente, os olhos fixos nos meus. — Eu sei que você acha que precisa carregar tudo isso sozinho, mas não é verdade. Nosso pai sempre dizia que uma família unida é mais forte. Você precisa de nós, Dante. De mim. Suspirei, passando a mão pelo cabelo. — Isso não é sobre união, Sofia. É sobre sobrevivência. E neste mundo, sobrevivência significa tomar decisões que você não entenderia. — Talvez não entenda, mas sei que você está lutando para proteger algo maior do que você mesmo. Só não se esqueça de que ainda somos uma família. Não deixe isso te consumir. Seus olhos brilhavam com uma sinceridade que me fez lembrar de nossa infância, antes de tudo isso. — Vou tentar, Sofia. Mas você sabe que este mundo não é gentil com aqueles que mostram fraqueza. Ela assentiu, levantando-se. — Não estou pedindo para ser fraco, Dante. Só para lembrar quem você é. *** Os dias seguintes foram um jogo de gato e rato com os Caruso. Informações vieram à tona, graças aos nossos informantes e à habilidade de Luca em fazer as pessoas falarem. Descobrimos que o ataque no porto foi liderado por Antonio Caruso, o sobrinho impulsivo do Don deles. — Ele está se escondendo em um armazém nos arredores da cidade. — informou Luca, colocando o mapa sobre a mesa. — Perfeito, — respondi, analisando o plano. — Vamos agir esta noite. Sem erros. Quero Antonio vivo. A operação foi rápida e precisa. Invadimos o armazém sob o manto da escuridão, nossos homens movendo-se como sombras. Houve resistência, mas nada que não pudéssemos lidar. Antonio foi encontrado tentando escapar pelos fundos. Dois dos meus homens o seguraram, arrastando-o até onde eu esperava. — Antonio Caruso, — comecei, minha voz baixa e controlada. — Você sabia que isso ia acontecer, não é? Ele tentou se soltar, mas os homens o seguraram firme. — Você não tem ideia do que está fazendo, Rossi. Meu tio vai acabar com você. Me aproximei dele, o som das minhas botas ecoando no concreto. — Talvez. Mas até lá, você vai descobrir o que acontece com quem desafia os Rossi. Fiz um gesto, e os homens o arrastaram para fora. — Luca, prepare uma mensagem para os Caruso. Quero que saibam que temos Antonio. E que não vamos negociar. Esta é a minha resposta ao ataque deles.
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